PÉTALAS
DE MAGOA I – 21 FEV 21
Antes
que esse galo cante, três vezes me negarei,
já
me traí a mim mesmo ao longo desses anos,
decerto
traí outros no correr dos desenganos,
mas
por trair a mim mesmo eu nunca me perdoei.
Mil
vezes mordi os lábios, mil vezes me desviei,
a
minhalma amortalhei no flébil verdor dos panos,
meu
sarcófago está cheio de lesmas e de enganos,
fiz-me
poeira adormecida nesses ossos que cremei.
Através
da longa vida, dormi pouco e só sonhei
o
quanto podia ter sido, quantos brilhos reneguei,
só
espero cante o galo para me mentir de novo,
afirmando
o que não quero, negando o que mais desejo,
desistido
da esperança, mãos abertas de teu beijo,
só
espero cante o galo para mentir-lhe o quanto aprovo.
PÉTALAS
DE MAGOA II
Se
São Pedro negou Cristo por haver sentido medo,
eu
reneguei a mim mesmo por ter sentido preguiça,
na
mais plena descrença de existir qualquer justiça,
pelo
puro desfastio de conservar-me em segredo;
mas
o gosto das traições no palato sobra azedo
e
o gosto da preguiça demora mais que uma missa,
mas
ante o medo, ainda afirmo, que não recuei nessa liça,
foi
apenas desalento e em desprezar meu degredo;
e
falando francamente, nem sequer quando ocorreu
essa
tríplice traição que hoje à mente me chegou:
não
traí a mim apenas, mas traí a quantos mais?
Será
que existe algum de nós que a si nunca ofendeu?
Existe
algum de nós que a si nunca ludibriou?
Sempre
é à soma de traições que nos tornam imortais.
PÉTALAS
DE MAGOA III
As
mil traições se acumulam tais quais pétalas de flor,
em
certo dia aceitamos o conselho de um amigo
que
certamente nos leva a evitar algum perigo,
mas
vai mastigando em nós a instância de um valor;
e
de outra vez despetalamos a alma inteira por amor
ou
deixamos de fazer algo que traria consigo
uma
rede de incômodos e talvez mesmo o jazigo,
caminho
fácil antes do galo cantar a própria dor.
O
que nunca traímos na verdade é a nossa mágoa,
ela
perdura firme e aos poucos murcha e despetala
o
quanto existe em nós de mais nobre e de mais puro,
num
aqueduto constante de zombar que não se cala,
afogando
em seu fluir as mil mágoas de um perjuro.
PÉTALAS
DE MAGOA IV
Mas
só canto nos meus versos o que outros não cantaram,
pelo
menos é o que tento, sem julgar-me original
e
tão frequente eu desconfio sem apenas um canal
por
onde escorre a mágoa desses outros que falharam,
mas
quiçá seja ilusão, quando então jamais falaram
tais
espectros por mim, só enovelei-me no fatal
redemoinho
de palavras revolvidas num caudal,
atropelado
na boca, nesses sons que estilhaçaram.
Tanta
vez eu nem consigo escrever rapidamente
esse
baraço de vida ou de morte justamente
em
turbilhão de sangue, num coágulo gelado;
não
há tempo e tais ideias já se traem de repente,
umas
rasgando as outras, catavento intermitente,
meus
anseios a trair sobre o rosto atribulado.
SOMENTE
EU MESMO? I – 22 FEV 2021
Talvez
no fundo ninguém me inspire nada
e
eu tenha apenas a vaidade da humildade,
porém
se em ser humilde é ter vaidade,
minha
atitude na vida é até descontrolada.
Eu
realmente me surpreendo, na verdade
de
que tanta coisa de mim possa ser gerada,
nesse
simples teor de minha mente desconfiada;
de
onde brota a fonte de tanta variedade?
Eu
a tenho atribuído às Nove Musas ou a Apollo
euando
qualquer temática me esforço em descrever
e
a Dionysos quando me vem naturalmente
ou
a poetas já de há muito dormindo sob o solo,
seu
pranto ou riso com frequência a receber,
a
voz do Espírito em avatares tão potente!...
SOMENTE
EU MESMO? II
Será
vaidade que me leva a denegar
qualquer
mérito cunhado em tais poemas?
Que
eu me limite ao brandir das penas,
quando
outrem reconheço a me inspirar?
Será
vaidade que eu não queira publicar
e
me limite a digitar tais cenas
de
longos textos, sem esperar apenas
um
comentário que me possa entusiasmar?
Será
vaidade que dê toda a liberdade
a
quem quiser me copiar texto qualquer,
sem
me importar com direitos autorais?
Será
no fundo uma vã ardilosidade,
por
que me julgue tão bom nesse mistér,
que
facilmente possa criar cem versos mais?
SOMENTE
EU MESMO? III
Sem
a menor dúvida, eis um ponto a discutir,
mas
se os for expor com total sinceridade,
é
que de fato eu aprecie a qualidade
de
tantos versos que me ponha a produzir.
E
dessa forma, nem pretendo me iludir,
mas
realmente sem notar necessidade
de
meu nome ganhar qualquer notoriedade
e
nem sequer sobremaneira vou nutrir
qualquer
esperança de um reconhecimento,
porque
esses versos importam muito mais
e
é por seu mérito que os busco transmitir,
porque
acredito, em meu pobre julgamento
que
cada canto provém de meus fanais
e
sou forçado a suas mensagens difundir.
SOMENTE
EU MESMO? IV
Se
alguma vaidade eu tenho, é receber
essas
mil sombras que escorrem pelo ar,
que
a carne e os dedos permito atravessar,
por
tantas vezes a cumprir o meu dever.
Por
tantas vezes já cansado de dizer
que
os versos não são meus, sou só altar,
palavras
santas que vou sacrificar,
nada
por mim sozinho a aparecer!...
Assim
eu tenho orgulho da humildade
ou
sou humilde por de nada me orgulhar?
Eu
sinto orgulho de ter sido escolhido
ou
só o aceito com longanimidade?
Ou
me limito a tais tarefas realizar,
com
o orgulho vago de um martelo percutido?
AS
FILHAS DE NETUNO I – 23 FEV 2021
Demarca
o tempo a dança dessas horas,
que
dizem todas de Netuno filhas ser,
acotoveladas
no incauto seu correr,
pois
és faminto, Chronos, que as devoras!
Cada
hora fugitiva que tu adoras
quando
te trouxe momentos de prazer,
quis
Posêidon com o tridente proteger
e
enviá-la para a casa em que tu moras.
Mas
horas passam, só ficam os afetos
que
partilhas com tantas gerações;
como
é bizarro ler-se as emoções
desses
poetas antigos mais diletos,
feitos
em pó mas em tais palavras vivos,
a
cada vez que percorras os seus crivos!
AS
FILHAS DE NETUNO II
Infelizmente,
apenas hoje os eruditos
de
tais poetas têm um real conhecimento;
mesmo
eu que na poesia tomo alento,
poucas
vezes li seus textos tão aflitos
ou
as descrições, em versos tão bonitos,
que
ainda triunfam em seu julgamento,
quaisquer
paisagens ou qualquer portento,
seus
sentimentos permanecem infinitos...
Por
que os homens passam sem memória,
cidades
morrem, impérios desmoronam,
jazem
os povos em tumbas já esquecidas,
mas
lá, escondido em papiro sem história,
surgem
poemas que os tempos não destronam
e
sentimentos que jamais serão perdidos!
AS
FILHAS DE NETUNO III
Mas
no passado eles foram sendo lidos,
sempre
houve quem os quisesse propalar;
em
escolas mesmo obrigados a estudar
aqueles
poucos nos currículos contidos;
talvez
nem mesmo os melhores escolhidos,
tanto
a hierarquia querendo censurar,
tantos
outros com o tempo a se calar,
seus
paradeiras ainda estão desconhecidos.
Porém
de súbito, tal qual por acidente,
como
uma jóia preciosa irás topar,
que
poderia ter sido escrita no presente;
se
por acaso fosse eu que a pude achar,
teria
inveja e admiração premente
por
tudo quanto já escrevi antecipar!...
TEURGIA
I – 24 FEV 2021
Eu
nunca vou pedir – nunca pedi
os
beijos que ganhei – foi que me deram;
não
pedirei teus lábios – me disseram
que
a esperança de possuí-los já perdi;
eu
nunca vou sofrer – nunca sofri,
pois
somente a minha ânsia maltrataram,
meus
pulmões que jamais dessedentaram,
que
ao respirar – eu respirei sem ti.
E
a cada breve encontro intempestivo,
meu
coração agitou-se sem motivo,
só
porque já me esquecera de teu rosto,
qual
semana de chuva e tempestade,
a
ventania e as nuvens negras à vontade,
denegassem
a existência do sol posto!
TEURGIA
II
Magia
branca se chama Teurgia,
magia
negra denomina-se Goética,
estranho
tendo igual final que Ética
essa
que apenas o mal nos proveria;
contudo,
à sua maneira, julgaria
tal
praticante dessa alheia Estética,
que
perante a Moral criava a Cética,
ter
direito a qualquer objeto que queria.
Por
exemplo, ressuscitar da morte
algum
amor há muito tempo falecido,
mas
que jamais teria sido sepultado,
pelas
alturas a vaguear em triste sorte,
breve
sombra de sombra, esse gemido,
para
trazê-lo ao caldeirão de algum pecado!
TEURGIA
III
Não
empreguei goética, porém em teurgia
poderia
ter tido objetivos semelhantes;
a
algum amor adormecido por instantes
trazer
de volta a meus braços quereria;
assim
tal beijo, que a ti nunca pediria,
talvez
pudesse, qual o tivera dantes,
revisitar
outra vez, quais dois amantes
podem
em si ressuscitar igual magia!...
Ou,
pelo menos, no espelho da alvorada,
de
teu rosto a visão restauraria
e
qual fora o teu semblante eu saberia,
ainda
que rasgue a memória sem ver nada,
só
nos recônditos do antanho encontraria
essa
tua face que foi um dia tanto amada!
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