quarta-feira, 10 de março de 2021


 

 

O Túmulo de Ariadne 1 – lº março 2021

A história de Astérion e de Pasifaé

Deverá ser devidamente interpretada:

Seria impossível ser a rainha fecundada

Por um touro, por maior que fosse a fé

Do mitostego Apollodoro ante o sopé

Da tradição desde o antanho propalada,

Mesmo Zeus sendo a fera disfarçada,

A referida explicação forçada muito é.

Provavelmente por alguma mutação

Ou acidente durante sua gravidez,

Nasceu criança com cabeça deformada

E lá existindo o touro, na ocasião,

Uma calúnia facilmente ali se fez

E por machismo foi a rainha executada!

 

O Túmulo de Ariadne 2

Que o Labirinto existe é bem verdade,

Por Sir Arthur Evans foi identificado,

Embora haja quem o tenha contestado

E a ilha explore com minuciosidade;

Cavernas há e subterrâneos em quantidade

Por toda Creta, algum até usado

Pelos Nazistas no período malfadado

Que a ilha ocuparam em sua totalidade.

Talvez de fato enlouquecessem ao rapaz,

Sendo acusado de tendências canibais,

Mas daí a ser mestiço de vacum

Se percorre uma distância muito audaz;

Sacrifícios humanos talvez fossem habituais,

Mas canibalismo em Creta era incomum.

 

O Túmulo de Ariadne 3

O próprio Dédalo, construtor do Labirinto,

Como castigo de fundir a tal de vaca,

Com o filho Ícaro, sem pena, então se atraca

No refúgio escuro de tal monstro faminto;

Mas de antemão abriu saída, assim pressinto

E com cera e as penas que ele saca,

Preparou dois pares de asas com sua faca

E os dois pularam para fora do recinto!...

Mas Ícaro, narra a lenda, foi alto demais,

Derreteu-lhe o Sol a cera e espalhou penas,

O infeliz tombou do céu e pereceu,

Até hoje a receber louvores liberais

Como precursor da aviação, em centenas

De livros e poemas que vieram a escrever...

 

O Túmulo de Ariadne 4

Segundo Horácio, Diespíter se ofendeu

E com sua lâmpada as nuvens apartou;

O pobre Ícaro assim não suportou,

Como castigo foi arrojado e faleceu...

Apollodoro, à sua maneira, concebeu

Explicações com que mais mistificou:

Teria sido a Pitonisa que mandou

Teseu buscar amor e assim venceu!...

Ainda querendo o herói justificar,

Quando aportou em Naxos, teve um sonho,

Em que Dionyso feroz lhe apareceu,

Dizendo que a nau faria naufragar

Se não deixasse Ariadne, pelo crime medonho

De fratricídio que ao ajudá-lo cometeu!

 

O Túmulo de Ariadne 5

Então Teseu a abandonou adormecida,

Foi para Atenas em remorsos envolvido,

De seu próximo crime também absolvido,

Involuntário tornando o pai num suicida;

Que realmente esquecera a prometida

Troca de velas e ficou muito arrependido

(Isso não o impediu de ter o trono assumido

E casar com a noiva que no barco havia trazido!)

Já Dionyso levou Ariadne para um monte

Por nome Drios, que até hoje apontam

E lá a teria efetivamente desposado;

Cinco filhos de seu amor tiveram fonte,

Mas que para esta lenda nada contam,

Que nenhum deles foi jamais divinizado.

 

O Túmulo de Ariadne 6

Segundo outra versão, foi Afrodite,

A Vênus grega, que viu o desespero

Da pobre Ariadne e novo amor sincero

Lhe prometeu que no seu peito habite;

E a Dionyso então dizem que incite

Para tomá-la, mas como amante mero,

Mas vendo-a bela, demonstrou-lhe um amor vero

Que cinco filhos em seu colo mesmo fite.

Como presente de casamento ofereceu-lhe

Coroa de ouro de jóias cravejada,

Que foi pela mulher muito apreciada,

Mas a imortalidade jamais deu-lhe

E quando a morte ela viu aproximada,

Lhe suplicou que ao céu fosse arrojada.

 

O Túmulo de Ariadne 7

Como entre os deuses fosse obra costumada,

A morta Ariadne em espírito ligou-se

À coroa que para os céus lançou-se

E numa bela constelação foi transformada,

A Corona Borealis, Coroa do Norte assim chamada,

Que ainda lá, perto de Hércules, achou-se

E o Serpentário sob seus pés colocou-se:

Belo destino para quem fora desprezada

E que Dionyso acusou de fratricício

E pela sua traição, até de parricídio;

Este Dionyso em Naxos tinha altares,

Mas para Lemnos a teria transportado,

Onde seu bando de filhos foi gerado,

Sob a bênção de Afrodite em seus olhares.

 

O Túmulo de Ariadne 8

Apenas um dos cinco filhos é importante,

Um certo Kéramos, que teria inventado

Ou pelo menos bastante aperfeiçoado

A arte da cerâmica inquietante;

Ariadne possui túmulo assaz brilhante

Lá no céu grego tão bem aparelhado;

Foi Dionyso pela morte divorciado

E dedicou-se a qualquer coisa interessante...

Só imagino é se era linda essa donzela

Ou se tinha traços em comum com seu irmão!

O touro à parte, tinha mãe e pai iguais:

Por que Teseu enfrentaria a procela

Por uma mulher de chifres?  Qual razão?

Só mesmo Dionyso de romantismos imortais!

 

A Dama do Cerro 1 – 2 março 2021

Mais do que o corpo, me importa sempre o rosto,

Bem mais extensa é sua variedade,

Sendo avistado em grande quantidade

Em montanhas ou em árvores ao gosto,

Às vezes mais distintos ao sol posto,

Outras vezes ao nascente, com bondade

Ou com feições eivadas de maldade,

Em sobriedade ou sob influxo do mosto...

Já raramente algum corpo é mencionado

Nas montanhas ou no curso de algum rio;

Só nos troncos de árvores há esse brio,

Das hamadríades ali sempre imaginado,

Mas com seu rosto igualmente desenhado,

Mesmo nas nuvens de inconstante fio.

 

A Dama do Cerro 2

Contudo, em minha cidade de Bagé,

Quando se desce desde a zona norte,

Costumo divisar em grande porte

Uma mulher assemelhada até

Nas vastas curvas do Cerro até o sopé,

Está deitada, mas sem sugerir morte,

Sobre os quadris extende um braço forte

E realmente não recordo, por minha fé,

Que alguém mais tenha a dama mencionado;

De onde agora moro é mais difícil ver,

Menos de perto quando vão catar macela

Na Quaresma a que o arbusto está sagrado.

Será que apenas eu posso entrever

Os contornos tão gentis dessa donzela?

 

A Dama do Cerro 3

Até acredito, em meu brando romantismo,

Que ela seja de Bagé a protetora,

Muito mais que Nossa Senhora Conquistadora

Que algum padre inventou no seu cinismo.

O nosso Cerro foi gerado em vulcanismo,

Embora as margens da cratera desde o outrora

Se erodiram dos milênios na demora,

Sobrou a ninfa a afastar-nos cataclismo!

E quando parte de seu ventre explodiram,

Abrindo a estrada que leva até o Uruguay,

Até vértebras de dinossauro ali encontraram;

Mas o rosto dessa fada nunca viram:

Está de costas, para o sul seu olhar vai,

Dos Castelhanos a proteger quando atacaram!


A ilustração é Teseu Vencedor, afresco 

encontrado em Pompeia.

 


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