O Túmulo de Ariadne 1 – lº março 2021
A história de Astérion e de Pasifaé
Deverá ser devidamente interpretada:
Seria impossível ser a rainha fecundada
Por um touro, por maior que fosse a fé
Do mitostego Apollodoro ante o sopé
Da tradição desde o antanho propalada,
Mesmo Zeus sendo a fera disfarçada,
A referida explicação forçada muito é.
Provavelmente por alguma mutação
Ou acidente durante sua gravidez,
Nasceu criança com cabeça deformada
E lá existindo o touro, na ocasião,
Uma calúnia facilmente ali se fez
E por machismo foi a rainha executada!
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Que o Labirinto existe é bem verdade,
Por Sir Arthur Evans foi identificado,
Embora haja quem o tenha contestado
E a ilha explore com minuciosidade;
Cavernas há e subterrâneos em quantidade
Por toda Creta, algum até usado
Pelos Nazistas no período malfadado
Que a ilha ocuparam em sua totalidade.
Talvez de fato enlouquecessem ao rapaz,
Sendo acusado de tendências canibais,
Mas daí a ser mestiço de vacum
Se percorre uma distância muito audaz;
Sacrifícios humanos talvez fossem habituais,
Mas canibalismo em Creta era incomum.
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O próprio Dédalo, construtor do Labirinto,
Como castigo de fundir a tal de vaca,
Com o filho Ícaro, sem pena, então se atraca
No refúgio escuro de tal monstro faminto;
Mas de antemão abriu saída, assim pressinto
E com cera e as penas que ele saca,
Preparou dois pares de asas com sua faca
E os dois pularam para fora do recinto!...
Mas Ícaro, narra a lenda, foi alto demais,
Derreteu-lhe o Sol a cera e espalhou penas,
O infeliz tombou do céu e pereceu,
Até hoje a receber louvores liberais
Como precursor da aviação, em centenas
De livros e poemas que vieram a escrever...
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Segundo Horácio, Diespíter se ofendeu
E com sua lâmpada as nuvens apartou;
O pobre Ícaro assim não suportou,
Como castigo foi arrojado e faleceu...
Apollodoro, à sua maneira, concebeu
Explicações com que mais mistificou:
Teria sido a Pitonisa que mandou
Teseu buscar amor e assim venceu!...
Ainda querendo o herói justificar,
Quando aportou em Naxos, teve um sonho,
Em que Dionyso feroz lhe apareceu,
Dizendo que a nau faria naufragar
Se não deixasse Ariadne, pelo crime medonho
De fratricídio que ao ajudá-lo cometeu!
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Então Teseu a abandonou adormecida,
Foi para Atenas em remorsos envolvido,
De seu próximo crime também absolvido,
Involuntário tornando o pai num suicida;
Que realmente esquecera a prometida
Troca de velas e ficou muito arrependido
(Isso não o impediu de ter o trono assumido
E casar com a noiva que no barco havia trazido!)
Já Dionyso levou Ariadne para um monte
Por nome Drios, que até hoje apontam
E lá a teria efetivamente desposado;
Cinco filhos de seu amor tiveram fonte,
Mas que para esta lenda nada contam,
Que nenhum deles foi jamais divinizado.
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Segundo outra versão, foi Afrodite,
A Vênus grega, que viu o desespero
Da pobre Ariadne e novo amor sincero
Lhe prometeu que no seu peito habite;
E a Dionyso então dizem que incite
Para tomá-la, mas como amante mero,
Mas vendo-a bela, demonstrou-lhe um amor vero
Que cinco filhos em seu colo mesmo fite.
Como presente de casamento ofereceu-lhe
Coroa de ouro de jóias cravejada,
Que foi pela mulher muito apreciada,
Mas a imortalidade jamais deu-lhe
E quando a morte ela viu aproximada,
Lhe suplicou que ao céu fosse arrojada.
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Como entre os deuses fosse obra costumada,
A morta Ariadne em espírito ligou-se
À coroa que para os céus lançou-se
E numa bela constelação foi transformada,
A Corona Borealis, Coroa do Norte assim chamada,
Que ainda lá, perto de Hércules, achou-se
E o Serpentário sob seus pés colocou-se:
Belo destino para quem fora desprezada
E que Dionyso acusou de fratricício
E pela sua traição, até de parricídio;
Este Dionyso em Naxos tinha altares,
Mas para Lemnos a teria transportado,
Onde seu bando de filhos foi gerado,
Sob a bênção de Afrodite em seus olhares.
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Apenas um dos cinco filhos é importante,
Um certo Kéramos, que teria inventado
Ou pelo menos bastante aperfeiçoado
A arte da cerâmica inquietante;
Ariadne possui túmulo assaz brilhante
Lá no céu grego tão bem aparelhado;
Foi Dionyso pela morte divorciado
E dedicou-se a qualquer coisa interessante...
Só imagino é se era linda essa donzela
Ou se tinha traços em comum com seu irmão!
O touro à parte, tinha mãe e pai iguais:
Por que Teseu enfrentaria a procela
Por uma mulher de chifres?
Qual razão?
Só mesmo Dionyso de romantismos imortais!
A Dama do Cerro 1 – 2 março 2021
Mais do que o corpo, me importa sempre o rosto,
Bem mais extensa é sua variedade,
Sendo avistado em grande quantidade
Em montanhas ou em árvores ao gosto,
Às vezes mais distintos ao sol posto,
Outras vezes ao nascente, com bondade
Ou com feições eivadas de maldade,
Em sobriedade ou sob influxo do mosto...
Já raramente algum corpo é mencionado
Nas montanhas ou no curso de algum rio;
Só nos troncos de árvores há esse brio,
Das hamadríades ali sempre imaginado,
Mas com seu rosto igualmente desenhado,
Mesmo nas nuvens de inconstante fio.
A Dama do Cerro 2
Contudo, em minha cidade de Bagé,
Quando se desce desde a zona norte,
Costumo divisar em grande porte
Uma mulher assemelhada até
Nas vastas curvas do Cerro até o sopé,
Está deitada, mas sem sugerir morte,
Sobre os quadris extende um braço forte
E realmente não recordo, por minha fé,
Que alguém mais tenha a dama mencionado;
De onde agora moro é mais difícil ver,
Menos de perto quando vão catar macela
Na Quaresma a que o arbusto está sagrado.
Será que apenas eu posso entrever
Os contornos tão gentis dessa donzela?
A Dama do Cerro 3
Até acredito, em meu brando romantismo,
Que ela seja de Bagé a protetora,
Muito mais que Nossa Senhora Conquistadora
Que algum padre inventou no seu cinismo.
O nosso Cerro foi gerado em vulcanismo,
Embora as margens da cratera desde o outrora
Se erodiram dos milênios na demora,
Sobrou a ninfa a afastar-nos cataclismo!
E quando parte de seu ventre explodiram,
Abrindo a estrada que leva até o Uruguay,
Até vértebras de dinossauro ali encontraram;
Mas o rosto dessa fada nunca viram:
Está de costas, para o sul seu olhar vai,
Dos Castelhanos a proteger quando atacaram!
A ilustração é Teseu Vencedor, afresco
encontrado em Pompeia.
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