LÁGRIMAS
VERDES I – 16 JAN 2021
Tu
és o meu dióxido de carbono,
a
ti respiro em vez de oxigênio,
és
todo o necessário nitrogênio,
por
minhas raízes teu amor eu como.
Tu
és a clorofila que a mim somo,
cada
átomo a nutrir-me do hidrogênio,
tens
a força febril do tungstênio,
a
fotossíntese que me acalenta o sono.
Pois
tudo és para mim, meu corpo inteiro,
o
meu processo de assimilação,
de
ti provém toda a alimentação,
és
meu jardim e meu fértil canteiro,
eu
não existo sem o teu carinho,
a
água e a luz que depões no meu caminho!
LÁGRIMAS
VERDES II
De
ti dependo em todos os momentos,
a
luz solar que me dá crescimento,
a
luz lunar que me inspira sentimento,
a
luz terrestre de meus padecimentos.
E
se em mágoa me dás alguns tormentos,
eu
a transformo em novo pensamento;
e
se em alegria me dás pressentimento,
eu
o transformo em feéricos eventos.
Sem
haver mágoa, não haverá alegria
e
sem pressentimento, segurança:
a
vida toda é uma vasta sinfonia,
em
que se entrecruzam fragmentos
caleidoscópicos
em verdes de esperança,
nessas
lágrimas que brotam dos portentos...
LÁGRIMAS
VERDES III
É
verde a lágrima que chora o vegetal,
seu
sangue a linfa meio esbranquiçada
e
meio creme, às vezes condensada
na
seiva branca da borracha natural.
E
como chora a planta qual jogral,
choro
eu o meu sonho avermelhado,
pelo
teu sonho após ser abençoado,
nem
dor nem pena me causa qualquer mal.
Pois
tu és do ser inteiro o combustível,
eu
só vivo de ti, do teu dióxido,
que
verdes choras em tua respiração.
Um
alimento para mim inexaurível,
unguento
puro sem qualquer traço de tóxico,
lagrimas
verdes a me pingar no coração.
ÔNFALE
I (25 AGO 79)
Na vaga sedução, meus desenganos,
quais lantejoulas mortas, sem centelhas,
quebradas, negras, esperanças velhas,
rituais que o tempo remarcou profanos,
na vaga sedução, ideais arcanos,
mil ouropéis de jaça e mel de abelhas,
cristais partidos, corações sem telhas,
as chagas ostentando seus mil danos,
humanos sonhos, temendo ser divinos,
odor da noite em cantos matutinos,
de faunos degradados, babuínos,
na expressão morta da ilusão perdida,
abóbora em caleça travestida,
num desafio, tornaram-se destinos.
ÔNFALE II (2007)
Por certo, não saiu como eu queria
esta impensável e estranha relação:
desde o começo, eu te dei o coração,
enquanto o coração teu pretendia
dentro de mim. A tua
palavra ouvia
dizendo-se disposta à enfrentação
de tudo e todos, concreta essa ilusão
que te afastar de mim não permitia.
Mas nunca ouvi, nesse tremendo rolo
de tantas emoções, tanta ternura,
uma resposta, afinal, para minhas
preces:
que fosses minha, num total consolo,
sem mais reservas, totalmente pura,
como eu teria querido me quisesses...
ÔNFALE III
(22/2/2009)
Que te direi agora, oh redolente
estrela de minha vida, que deixaste
de brilhar para mim qual reluzias?
Ou teu ocaso é apenas aparente?
Já não aguardo o retornar dolente...
Essa ilusão bem firme me apagaste,
nessa certeza das frases que dizias...
Por que ainda me buscas tão frequente?
Por que esperar que eu diga que te amo,
quando afirmas ter um outro sentimento
e que nunca me darás o coração?
Como é inconstante a mulher por que reclamo
e não consigo retirar do pensamento,
por mais que saiba não possuir razão!...
ÔNFALE
IV – 17 jan 2021
Nada
me deves. O quanto tenho feito
foi
por amor que fiz, tão só e sem defeito:
de
mim mereces completo e estranho preito
porque
te amo. Tão só porque te amo.
Nada
me deves. O quanto pude dar-te,
daria
novamente, parte a parte,
por
te fazer feliz, só para honrar-te,
porque
te amo. E apenas por ti clamo.
Assim,
nada me deves. E até devo,
pelo
prazer de um dia haver servido,
na
servidão de meu amor ferido.
Assim,
nada me deves. Eu só te escrevo,
mais
dedicado do que devia a Deus,
que
o coração e a mente já são teus.
ÔNFALE
V
Muitos
anos atrás, tu me sorriste
e
a tampa do sarcófago se ergueu.
Bem
de repente, um sonho em mim cresceu
e
das tiras da mortalha me despiste.
Minha
múmia te sorriu e produziste
essa
magia que dentro em mim nasceu,
como
se eu fosse o sábio... E me aqueceu
o
teu orgulho e o louvor que me supriste.
Cheguei
até a presumir que ajuda
era
eu que te dava, em meu conselho,
sabedoria
de um gasto coração...
Mas
não consinto mais que assim me iluda
a
minha vaidade. Pois basta ver no espelho
que
me tocaste com varinha de condão.
ÔNFALE
VI
Com
tua varinha, marcaste-me o umbigo,
esse
sinal de pertencença à raça,
que
geração pós geração perpassa,
pelo
qual aos ancestrais me unir consigo.
Indica
o sacro ponto por que abrigo
calor
e alimento, em santa graça
é
transmitido em transitória jaça,
no
momento de expulsão do ventre amigo.
Quando
essa luz do mundo me ofuscou
e
para respirar, projetei pranto,
pois
decerto preferia ter ficado
onde
me achava, onde me acalentou
o
recipiente escuro, íntimo canto,
que
nunca mais poderá ser recobrado!
ÔNFALE
VII – 18 jan 2021
Por
onfaloscopia alguns referem
essa
inefável meditação budista
em
que é apenas é umbigo que se avista,
sem
reparar nos impulsos que nos ferem.
Sem
permitir que as emoções alterem,
por
que os desejos do mundo se conquista,
por
que o Nirvana se ache em nosa pista,
quanto
as Srutis (revelações) nos derem.
Tal
contemplar do umbigo é criticado,
como
sendo nada mais que um escapismo,
o
alimento a nos ser dado na indolência.
Mas
pelo umbigo o ventre é retomado
e
entre os pais e o ancestral abismo,
mil
gerações redescobertas com prudência.
ÔNFALE
VIII
Milhões
de umbigos em mística serpente,
que
nos conduz ao ritualismo de Eva;
e
que zombar da mãe primeva não se atreva
qualquer
que traga em si a vida ingente.
Na
alegoria o primordial se assente,
até
a primeira horda que nos leva
até
a diversidade de algum Deva,
em
que a índole do Asura não se alente.
E
pela grande serpente, a Kundalini
encontramos
os terríveis ancestrais,
até
não mais haver o nosso umbigo.
Mas
que o alburno e a albumina ative,
dentro
do ovo, sem liames maternais,
tal
ser estranho, que de mãe não teve abrigo.
ÔNFALE
IX
Mas
a serpente regressa bem mais fundo,
sem
ter umbílico, por laço Permiano,
até
o ponto em que sequer se encontre plano,
sem
divisão sexual, lá no profundo
do
pântano inicial, do barro imundo,
formado
ali esse primeiro grano,
em
que o dedo de Deus, num sonho arcano,
formou
a vida como um ser rotundo
a
dividir-se por cissiparidade
e
em sua economia, a Natureza,
em
cada feto ainda age, certamente:
cada
célula a se mutar em variedade,
que
chamaremos um dia de beleza,
nesse
caminho que há de abrir-se transparente.
ÔNFALE
X – 19 jan 21
Foi
desta forma que a varinha me tocou,
justamente
sobre o estigma mais humano,
talvez
sagrado, talvez tão só profano,
mas
que em cada nenê se remarcou.
Ao
penetrar em mim, me fecundou,
com
um sorriso de pompa soberano,
inspiração
trazendo sem engano
e
desde então, jamais me abandonou.
E
foi assim que subi de meu jazigo,
há
longo tempo o tampo já quebrado
desse
sarcófago em que me achava só,
para
missão renovada sem perigo,
dormente
e seco, em nada relembrado
se
fui humilde escravo ou faraó...
ÔNFALE
XI
Portanto,
nada deves. Porém eu,
em
tal ressurreição que se aligeira,
ganhei
minha vida de forma sobranceira,
achando
em mim o que antes se perdeu.
E
mesmo que não encontre nada meu,
nesse
fanal de luz, clara e brejeira,
sou
servo teu por essa vida inteira,
que
não havia e que de ti verteu.
Nada
há mais estranho que um condão
capaz
de umedecer toda a secura
da
carne morta e da mente já desfeita,
no
palpitar de um novo coração,
magicamente
tocado por ternura,
quando
uma fada junto a mim se deita!
ÔNFALE
XII
Teu
coração é certo que me deste,
porém
não nesse contato delirante;
de
certa musa que viesse a ser amante
de
um pobre humano em pastiçal agreste.
Mais
do que amante o que me concedeste,
no
toque místico sobre ônfale vibrante,
foi
nova vida e sangue apaziguante,
a
mãe dos versos que depois me leste.
Por
este umbigo aberto ao desatino
entram
memórias de antigas impressões,
tempos
primevos de vastas sensações,
muitas
mais que desfrutei desde menino,
a
raça inteira a martelar minha sina
missão
da fada que ao tempo me destina!
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