LUA FEITICEIRA
I (5/1/2009)
quando meu corpo
se for, crescerei flores
ou cenouras,
quem sabe, ou então figueiras
e não serei
lembrado, mas as jeiras
da terra a que
pertenço outros amores
irão gerar (ou
talvez, outros horrores,
no derramar do
sangue), mas certeiras
essas partículas
de mim, alvissareiras,
irão participar
de outros fragores,
desde que não me
enfiem em gaveta,
consoante o
horrendo costume dessa gente,
que prefere
criar múmias em caixões,
para esconder de
si a visão secreta
de que melhor é
ser legume indiferente
do que ossos
empilhados aos montões.
LUA FEITICEIRA
II
o tempo passa e
as coisas permanecem,
no mesmo ponto
de antes, a não ser
que um fato
natural nos surpreender
venha de
chofre. é então que desfalecem
todos os
tédios... os males já se esquecem
que antes
afligiam e o aborrecer
se esvai
depressa... assim, nosso viver
se estraçalha e
as aflições se compadecem...
mas há outra
maneira de mudar
nosso destino do
mesmo ramerrão:
esta é fazer com
que as coisas aconteçam.
somente ao
proagir se irá tornar
em concreta a
fugaz abstração
em que os sonhos
finalmente coalesçam.
LUA FEITICEIRA
III
não sei bem onde
estás. sei o que fazes,
que, às vezes,
tu me contas... quando queres;
a que lugares
foste, teus quereres,
as coisas boas
ou más com que te cases.
não sei sequer o
leito em que hoje jazes,
só sei não ser o
meu. os teus fazeres
a ti
pertencem... a mim, os perceberes
de que tua vida
gira em estranhas bases.
mesmo que minha
gire em torno a ti,
rangendo os
dentes perante tuas ausências,
sorriso aberto a
cada vez que voltas,
sonhando em vão
que estejas sempre aqui,
tu, dama altiva,
de tantas impudências,
que um dia me
domaste e não me soltas.
LUA FEITICEIRA IV – 13 FEV 2021
talvez entendas melhor, se te disser
que sou escravo teu e fui roubado:
do nimbo de mim mesmo arrebatado,
sem aguardar por outro amor sequer.
talvez entendas bem, caso eu quiser
buscar em outra o mesmo ideal sagrado,
mas por mais que me esforce, atarantado,
percebo ser só teu o meu querer.
não te menti, afinal. naquele dia
pensei que tudo estivesse já acabado:
morto esse anseio que me atormentava.
mas te escutei de novo, mulher, em noite fria
e pressenti tudo haver recomeçado,
naquela vez em que mais livre me julgava.
LUA FEITICEIRA V
só por pensar que livre me tornara
a ti me expus de novo, tolamente,
caindo nos teus braços facilmente,
por mais que livre me tornar pensara...
sem relembrar o que me atormentara,
na triste exposição do antigamente,
na exposição de novo tão frequente,
novo tormento que então já relembrara;
e só então percebi como mentira
quando fiz da liberdade afirmação,
para mim mesmo agindo em falsidade,
porque esse amor que pensei não mais nutrira
feroz voltou para minha escravidão,
na afirmação portentosa da verdade!...
LUA FEITICEIRA VI
essa verdade é que o domínio é forte,
tanto mais forte quanto mais se quer
ser dominado por qualquer mulher,
a quem já de antemão cedeu-me a sorte;
domínios há de mais pequeno porte
e assim julguei, sob um luar qualquer
seria este domínio fraco em seu mistér,
bem facilmente submetido ao corte
e me afastei, deixando que te fosses
para esses estranhos lugares a que vais,
nessas brumas de fugaz intermitência,
que por amargas que fossem ou por doces,
não me dariam ocasião jamais,
para deixar-te com pouca ou mais potência.
LUA FEITICEIRA VII – l4 fev 2021
eu percebi de novo, nos castanhos
olhares de teu brilho singular
o anseio da mulher pelo seu lar,
o anseio de por homem ter amanhos,
na sedução inocente dos estranhos,
na firme escravidão do seu amar,
nessa frieza por quem não quer beijar,
na fingidez aparente dos acanhos;
eu percebi, decerto, nesses olhos,
que no passado tinham sido meus,
as muitas almas que te compartilham
e me lancei ao fundo dos refolhos,
na multidao de sombras em seus breus,
que dessa intermitência nem perfilham.
LUA FEITICEIRA VIII
talvez entendas melhor a confissão,
se iluminada por treva de luar,
nuvem que nuvem provocando seu piscar,
intermitência a te nutrir no coração;
e assim te falo em minha sujeição,
mulher da lua, como ouço falar,
de quem nunca se sabe o que esperar,
em teu brilho transitório e sem razão.
dizem que a lua muda porque a terra
é ciumenta de seu amor ao sol
e se intromete para a ensombrecer;
mas nesse caso, qual sombra que te encerra,
quando procuro em ti amor-farol
e no minguante te sinto desfazer?
LUA FEITICEIRA IX
talvez entendas se eu falar de fases,
que meu perigo está na lua cheia,
a feiticeira que esquece de ser feia
e se apresenta de prata nas suas bases;
talvez entendas se eu falar de gases,
que meu perigo está na lua nova,
essa ausência infeliz, que põe à prova
esse amor anterior com que me abrases;
talvez entendas se te falo na crescente,
em que é tão fácil pendurar minha pele,
até que me devore totalmente;
talvez entendas se te falo na minguante,
na qual tua fuga pouco a pouco sele
o meu destino de solitário amante...
LUA FEITICEIRA X – 15 fevereiro 2021
talvez recordes que desde a antiguidade
outras eras de ti já se associaram
e essa lua enigmática e a buscaram,
como símbolo falaz de castidade;
como símbolo de impudicícia, na verdade,
desses hormônios que sempre a atormentaram
e para nova gravidez a assombraram,
mesmo tendo conservado a virgindade;
que se fez virgem tão só a lua vazia,
procurada no espaço inutilmente,
até um dia mostrar réstia de luz,
essa imensa vagina no céu fria,
que afeta os ventres de forma inconsciente
até que a alguma semente ela os seduz.
LUA FEITICEIRA XI
assim a lua se faz mais sedutora
quando mais mostra a palidez crescente
de seu crescente sobre o céu jacente
e o brilho das estrelas varre embora;
assim a lua se faz controladora
quando engravida prateada totalmente
e nessa turgidez de amor fremente
do ser amado se faz conquistadora...
ai, mulher, como a lua intermitente,
quantas habitam em teu corpo grácil,
quantas se acham dispostas a me amar?
ai, lua, como a mulher em luz dolente,
por que motivo é para ti tão fácil,
mais uma vez meu peito escravizar?
LUA FEITICEIRA XII
assim meu corpo secará um dia,
após nutrido pela luz do sol,
pela traição de buscar outro farol
na palidez dessa lua serodia
e ao se perder na terra em que jazia,
talvez dê nascimento a um girassol,
talvez ferva a giralua em seu crisol,
dessa eterna mutação em romaria!
e nascerão de mim muitas sementes,
pequenas luas de traição solar,
que apenas hélios as pode germinar,
durante a noite a rodilhar dolentes,
em sua paixão pelas telhas ao luar,
um novo crime de amor a desfrutar!
SANGUE PATERNO I – 16 FEV 21
De qualquer modo que Adão fosse
dotado
ou desprovido do signo ventral,
teria Eva em seu ventre tal sinal
ou apenas liso o seu fosse mostrado?
Seria Eva ao Pai Adão ligada
por uma correia umbilical de abono,
enquanto Adão dormia no seu sono,
ao acordar-se, vendo-a ali deitada?
Então retornam as questões neste
sentido:
se Adão possuía umbigo, o transmitiu?
E se não o tinha, acaso Eva um
conseguiu?
Outro problema para mim não
resolvido...
Talvez devera procurar um certo
agouro
no Google ou quiçá na Wikipédia;
nunca lembrei de abrir a
enciclopédia,
que me explicasse, talvez, esse
desdouro...
Mas até lá, certeza só me vem
que algum umbigo ganhou esse Caim,
que decidiu matar Abel assim,
sem que o umbigo lhe servisse de
algum bem!
SANGUE PATERNO II
Por esse umbigo se comunica o sangue
da mãe para seu filho ou a sua filha
e os cromossomas seguem a mesma
trilha,
sem que sua genitora fique exangue.
O sangue é quente como uma tisana
e contém suas qualidades curativas,
para os nenês resistências mais
ativas
e sua defesa primitiva ali se encana.
Ele é fervido no calor do coração,
como se veias fossem empilhadas,
para a virtude transmitir sendo
queimadas,
um chá de sangue, portanto, essa
infusão!
Brotam as folhas de cada pulmão,
pelos nervos do ventre remexidas
e pouco a pouco são fortalecidas
nessa chaleira a ferver no coração;
a bomba e a cuia passam pelo umbigo,
a mamadeira através do seio amigo,
pela placenta a nutrição se forma
e aritmética a vida se conforma!
SANGUE PATERNO III
Posso uma tromba torrencial
sentir,
atravessando os tempos e as idades,
os ramos todos das humanidades
unificados por idêntico nutrir.
E não apenas trazendo o alimento,
mas anticorpos das velhas defesas,
mais as origens de praxias e proezas,
sobrevivendo na mente e integumento.
Por ela desce a procissão do deeneá,
meio de Eva, de Adão meio genoma,
mas de Adão, Eva a genética retoma
e a criança por sua vulva escorrerá,
não foi criada só para a fêmea humana
essa invenção incrível que é a
placenta;
cada mamifero suas crias alimenta,
até que a vida de um ancestral dimana
trazendo o aroma de mil antepassados,
todo o sabor dos incontáveis
ancestrais,
não só humanos, mas também de muitos
mais,
que pelos éons foram sendo
descartados...
A MODELO DA ILUSTRAÇÃO FOI IDENTIFICADA
COMO GISELA BÜNDCHEN. (???)
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