DESCARTES E PASCAL I – 2 SET 21
Para Descartes elevo o pensamento,
em todo o meu sentir irracional;
neste destino de todo homem mortal,
eu me destino bem mais ao sentimento.
“Se penso, logo existo”, em tal momento,
mas será que isto me torna racional?
Não será conclusão mais natural:
“Se sinto, logo existe o meu tormento?”
Como Pascal, também sou um caniço,
porque me dobro ao vento e não resisto;
caso fosse um eucalipto, cairia;
sendo um caniço pensante no seu viço,
na posição em que estou, ainda insisto:
“Se sinto, devo então fazer poesia!...”
DESCARTES E PASCAL II
Ora, Pascal, que igualmente foi poeta,
certamente iria aceitar a conclusão
do soneto anterior, sem discussão:
de muito boa-vontade assim me afeta.
De Pascal a genialidade se completa,
sem se lhe dar de gênio universal a pretensão,
mas foi um gênio literário, sem questão,
só um invejoso a seu mérito objeta.
Assim espero ser também um bom caniço,
um que sussurra ao perpassar do vento
mais emoções que um sisudo pensamento
e assim manter da gentileza o viço,
curvando a fronte ante a adversidade,
só para erguê-la assim que passe a tempestade!
DESCARTES E PASCAL III
Já Descartes não sei bem se aceitaria
minha conclusão, senão um tanto tenso,
que existo por sentir, não porque penso
e aos animais quiçá me igualaria!
Mas a maneira em que o sentimento expressaria
seria envolta em um raciocínio denso,
que para toda poesia existe um senso:
razão assim à emoção se abraçaria!...
Até que ponto pensam os animais?
Seu pensamento mal podemos discernir;
e até que ponto pensam os vegetais,
sem que por isso deixem de existir?
E até que ponto eu penso na poesia,
ao afirmar que tão somente a redigia?
O GRIS E O ROSA I – 3 SET 21
A cada vez que se torna a lente rosa,
fica o mundo cristalino como a aurora;
porém se a lente é gris, na mesma hora,
nos apresenta tormenta poderosa.
Tudo depende do ponto em que é exitosa
a
telescópica escolha de um agora;
quando tua melancolia lanças fora,
tua percepção do mundo é mais formosa.
Até mesmo os hormônios são mutáveis,
a tua busca do esplendor os esplenderia
e o efeito do amargor os amargura,
mutáveis emoções, influenciáveis
pelo valor de teus pesos, que avalia
quanto de dor ou de prazer nos dura.
O GRIS E O ROSA II
Bem no fundo, nosso mundo nós criamos,
cada um tem seu próprio inferno ou paraíso,
pintalgado de azul em claro viso,
respingado de vermelho o detestamos.
Mas esse mundo só nos observamos,
de forma diferente, empós o siso
que empregamos, mais grosseiro ou liso,
conforme o pálido esplendor com que o dotamos.
Solipsista é o nosso mundo, certamente,
o quanto pensas dele é sempre certo,
por mais que os outros pensem diferente
e certo também está o outro em sua potente
interpretação de quanto sente perto,
que para todos os universo é complacente.
O GRIS E O ROSA III
Não é destino, muito mais tem o universo
a fazer do que contigo se importar,
seus parâmetros tão somente a te mostrar,
as consequências não são de fado adverso.
São resultado de um escolher perverso:
coisas ocorrem porque as foste provocar
e não que venha o mal te procurar,
que existe um leque de opções disperso.
E a cada instante nova encruzilhada,
que não conduz só a dois ou três caminhos,
mas a dezenas de potencialidades;
sempre é melhor escolher algo que nada,
no pluriverso dos mundos pequeninhos,
que só curvar-se ante suas mil dificuldades.
MIGALHAS NA FLORESTA I – 4 SET 2021
João e Maria, pelos passarinhos
foram traídos, ao deixar a pista
pela floresta, que afinal se avista
migalhas serem somente em pedacinhos.
E assim os dois se perderam, pobrezinhos!
João deixou de comer e a casa dista
longe demais; é a mata que os enquista:
dormem os dois no escuro, abraçadinhos...
Só dispõem de uma raiz grossa guarida;
há olhos brilhando até onde a vista alcança,
quão depressa se lhes bate o coração!
E quanta gente existe nesta vida
que larga bens preciosos, na esperança
e em troca ganha apenas a ilusão!
MIGALHAS NA FLORESTA II
Não eram maus os famintos passarinhos,
que no caminho viram apenas alimento
e o debicaram
para seu sustento,
sem nem pensarem nos dois irmãozinhos.
Mas entre os homens há seres mais mesquinhos,
voltados
para aquilatar cada momento,
para depois prejudicar a seu contento
aos demais e depois rirem-se, escarninhos!
Há tantos desses que chamam vigaristas!
Dizem que apenas cai nessa armadilha
quem dela espera conseguir algum proveito,
mas hoje empreendem mais variadas pistas,
fingindo dar-te ajuda nessa trilha,
para espoliar-te no final de algum direito!
MIGALHAS NA FLORESTA III
Muito pior será esse falso amigo
que te aconselha contra algum malfeito
e se arvora a defender o teu direito,
na intenção de invadir o teu abrigo.
Passado o trote, mal imaginar consigo
como alguém pode entregar o aberto peito
e à tocaia permitir-se sem sujeito:
como foi fácil enganar-te o inimigo!
Só se pode imaginar um hipnotismo,
realizado durante horas de conversa,
com que os espertalhões te vêm cansar,
falsas frases a repetir-te em mesmerismo,
a induzir-te a uma tolice bem diversa
do bom conselho com que vieram te enganar!
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