sexta-feira, 3 de setembro de 2021


 

 

SONS DESTACADOS I –29 AGO 2021

(Hedy Lamarr, atriz hollywoodiana do cinema mudo)


Meu pêndulo faz constante tiquetaque,

na clarabóia faz taquetique a chuva,

encaixa um som no outro feito luva,

um se balança, o outro sofre um baque;

a clarabóia não sofre algum achaque,

caem as gotas na superfície fulva,

segue o badalo em sua jornada curva

em som constante e meigo de atabaque.

 

Aqui me assento, de meu almoço à espera,

da cozinha me chegam sons metálicos,

do exterior uma eventual trovoada...

 

Que perdurasse o inverno, quem me dera!

Do relógio da parede os sons vocálicos

guardam as vozes de gente já passada...

 

SONS DESTACADOS II

 

Nem sempre foi este o relógio da família:

havia outro, que ficou com minha irmã;

toda a louça guardou, em ânsia louçã

e a maioria dos itens da mobília;

Assim só posso  imaginar qual homilia

foi entoada em qualquer hora temporã;

escutou terço, talvez, em lento afã,

o jovem pêndulo, que pacato ouvia.

 

Talvez juras de amor se proferissem

ou percebesse alegres vozes de crianças,

que já viveram suas derradeiras esperanças,

 

que em carros negros após as conduzissem,

enquanto o relógio conservava o tiquetaque,

sobrevivendo da carne a cada baque.

 

SONS DESTACADOS III

 

Ditado antigo já tantos repetiram:

“vão-se os anéis e ficarão os dedos.”

Já anteriormente versejei outros segredos:

foram-se os dedos e os anéis ainda luziram

e assim os pêndulos que antepassados viram

e ao relógio deram corda em gestos ledos

aí se encontram, em tiquetaque ou quedos,

depois que as cordas não mais lhes acionaram.

 

Porém a chuva persiste em tiquetaque,

na bateria das coberturas do telhado,

no mesmo estilo do antigo português.

 

E é necessário que aqui atento eu fique,

a escutar o seu duelo compassado

e noticiá-lo a ti que ora me lês.

 

TANGIDOS DESTACADOS I – 30 AGO 21

 

Também meu coração faz tique e taque,

nesse ritmo que recorda o som materno,

não cessa o toque quer verão ou inverno,

só às vezes em susto pula de algum baque.

Relógio antigo ainda soa em fraque,

qual foi marcado em seu ritmo alterno;

meu coração tem cores mais de inferno:

goles e jalde em seu arcano saque.

 

Cores heráldicas para minha vaidade:

não gostaria de ter negro coração,

nenhum humano tem tal coloração;

meu coração tem de arlequim a idade,

no encarnado e amarelo da emoção,

sempre constante em sua alternidade.

 

TANGIDOS DESTACADOS II

 

Que ocorreria caso fosse esmeraldino

o coração que bate no meu peito?

Seria a um ritmo vegetal sujeito

ou só batesse como tange um sino?

Balança o ramo em minueto pequenino,

balança o galho pelo vento afeito,

balança o tronco de violento jeito

se algum tufão o sacode ressupino.

 

Mas não procede assim meu coração,

pois bate sempre em ritmo constante,

(em adrenalínico esplendor mais apressado).

 

Durante o sono em mais lenta turbação,

mas a cada tique corresponde um taque,

qual metrônomo a controlar um atabaque.

 

TANGIDOS DESTACADOS III

 

Quem deu a corda no meu coração

girou as  vezes que julgava suficiente;

seu ritmo constante só aparente,

em resiliência aparente de isenção.

Seria possível que em meu sono a mão

vá procurar alguma chave permanente

para a corda acionar subsequente,

em calmos giros de delicada operação?

 

Se for assim, não controlo minhas demoras:

a corda estala e desenrola em seu empenho,

até o ponto de não mais tocar as horas

 

e um certo dia a despertar não venho,

porque as cordas esqueceram-se acionando,

e em tiquetaques se foram rebentando...

 

HUMORES DESTACADOS I – 31 AGO 21

 

Introjetamos o mundo que queremos,

como o amargor se deposita na garganta;

a dissonância não está na voz que canta,

mas nas cocléias com que a percebemos;

somos nós que discernimos o quanto vemos,

há uma lente nesse olhar que encanta,

talvez de lata, quando a vista espanta,

mas cristalina quando bem a recebemos.

 

Por nós mesmos o mundo é peneirado:

um encontra bom-humor no sofrimento,

outra tem tudo e ainda sofre depressão.

 

Por enzimas e hormônios provocado

é o nosso interpretar do sentimento,

que é indiferente à nossa sensação.

 

HUMORES DESTACADOS II

 

Nessa harmonia falsa gira a rosa

a seduzir o cravo que, indolente,

se curva para a terra, raramente

se alçando para a luta poderosa;

tem a roseira a haste mais vistosa,

ergue-se ao sol em galho permanente,

nesse acúleo que perfura, firmemente,

quem procura furtar-lhe a flor formosa.

 

O cravo é mais humilde, rente ao chão,

tem hastes moles, geralmente frágeis,

pouco difere de simples forração

 

e são assim meus sentimentos, pouco ágeis,

contemplo apenas das rosas o botão,

sabendo bem que me são inalcançáveis.

 

HUMORES DESTACADOS III

 

Pois é assim que o mundo eu introjeto,

sem me levar por grandes esperanças;

caso este mundo não trouxer bonanças

por desapontamentos não me afeto;

se me identifico ao cravo mais dileto,

que se curva ante o solo em suas usanças,

vendo na rosa o centro de suas danças,

meu sentimento por ela é mais completo.

 

Nunca espero que gire em torno a mim,

mas me  disponho a girar em torno a ela,

sempre a rainha deste meu jardim.

 

Qualquer o nome dessa rosa, é feminina;

e à mais simples das mulheres vejo bela,

porque é a flor que meu ideal fascina.

 

VERSOS DESTACADOS I – 1º SET 2021

 

Sempre que tenho lançado o verbo ao vento,

sem qualquer ordem ou contenção tardia,

que ao alheio bel-prazer submeteria

no vaivém solene de um relento,

nem sempre o considero a meu contento,

mesmo magoado a estar em nostalgia;

de alguns só tisne ao derredor eu via,

cinzas na testa, borralho sobre o mento.

 

E no entretanto, quão tola esta minha mágoa!

o mundo é mesmo assim, nada é pior

para mim em especial e nem me encanta;

cada um só busca a bilha de sua água

e então encontra cada gota de amargor

nas maldições que calejam sua garganta!

 

VERSOS DESTACADOS II

 

Contudo o verbo ao vento ainda lanço

pelo simples impulso de o lançar,

que não o posso para mim mesmo conservar

e de tentar lhe resistir me canso;

alguma vez até a parar eu me abalanço,

mas a eclusa nada pode dominar,

vem as estrofes a se consignar

e no seu constante influxo bailo e danço.

 

Não sou eu que busco novos versos,

bem ao contrário, eles lutam por sair

e me repreendem caso tente os impedir,

 

os meus momentos vitais assim conversos,

não sou mais que o redator do vasto canto,

que me transmite cada lágrima de pranto.

 

VERSOS DESTACADOS III

 

Direito algum terei então de me queixar;

nada no mundo pretende me alegrar

e nem tampouco algo triste me deixar,

para si mesmo funciona, simplesmente;

e se esta minha compulsão é transparente,

em cada cinco poemas, tão somente

um me parece que seja permanente

os outros quatro só insistindo em se mostrar.

 

Buscam um mundo que talvez os aprecie

ou nem sequer os perceba, indiferente,

mas é preciso que as sementes eu avie,

 

pois quem sabe não terá um destino certo

este soneto que me parece inconsequente

e se enraíze num coração deserto?

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