DEUS E FAMÍLIA I – 17 SET 21
A mim parece esdrúxula a teoria
que o conceito divino seja dependente
de um conceito familiar pré-existente,
que a proteção ao nenê conferiria.
Esta teoria bem mais se aplicaria
à urdefesa de um Servo Onipotente,
o Gênio da Lâmpada, não onipresente,
mas que após alguma prece surgiria,
esfregadas assim as suas potências
por uma vela acesa ou uma promessa,
como se Deus dessas coisas precisasse.
E três desejos suas benemerências
nos concedessem, porém que logo cessa,
salvo se um turíbulo de novo se esfregasse.
DEUS E FAMÍLIA II
Se tivéssemos evoluído dos insetos,
de ovos a eclodir sem proteção,
bem diversa deveria ser conotação,
seríamos larvas sem jamais ter sido fetos!
E sem nutrir quaisquer noções de afetos,
somente o medo instintivo de emoção,
saciar a fome, buscar reprodução,
matar rivais para alcançar tais objetos,
não haveria a noção de providência;
mesmo formigas e abelhas na colmeia
tendo o dever olfativo da obediência
só pensariam na Deusa Materna,
como indivíduos isentos de epopeia,
que o enxame morre, enquanto a Mãe é eterna!
DEUS E FAMÍLIA III
Com aracnídeos já é algo diferente,
pois a mãe cuida dos ovos que produz,
mesmo que coma alguns, se a fome é cruz:
eis novamente a Grande Mãe potente!
Mas será deusa a essa família respondente,
que quando eclode e explode para a luz
não mais protege nem ao redor conduz,
somente lança ao mundo, indiferente?
E assim ocorre com os répteis também,
seus ovos sob o sol mal escondidos,
na maioria a lhes morrer os filhotinhos...
Mas entre as aves, pai e mãe convêm
em lhes trazer alimentos escolhidos:
por certo possuem deus os passarinhos!
O DEUS DAS AVES I – 18 SET 21
Vou frequentar a catedral das aves:
pipilam nela, em sua Escola Dominical,
seus pintainhos, para aprender o bem e o emal:
ficam os adultos a cantar em seus conclaves!
É bem possível que em variadas claves
se organize então cada coral
e que machos fiquem no átrio, afinal,
para evitar que ali ingressem os entraves!
Qual será o deus que os pássaros adoram,
a persistir em sua vivência familiar?
Devem pensar, ao menos, em um casal!
E se aves predadoras se assenhoram
de adoradores indefesos a orar,
pelo alimento dando graças, afinal?
O DEUS DAS AVES II
Com relação aos mamíferos, a situação
já é um pouco diferente.
Há os solitários
e aqueles que se mostram mais gregários,
mesmo entre estes havendo divisão.
Uma coisa é a alcateia em excursão,
outra os pequenos roedores sedentários,
outra as manadas em seus caminhos vários,
e para outros a companhia é uma exceção.
E que dizer dos animais gigantes,
como os grupos familiares de elefantes,
com perfeita noção de vida e morte?
Será que formam conceitos divinais
e nesses casos serão só matriarcais,
a Deusa-Mãe a presidir sua sorte?
O DEUS DAS AVES III
Mas o que é certo é que entre os animais
não existe um deus como criado onipotente:
é um Senhor, que se mostra raramente,
nesses períodos de seca mais fatais.
Conceito, se há, é de respeitos mais mortais:
que se mantenha a divindade ausente,
qualquer ofensa aos seus punindo ferozmente,
como temiam dos Helenos os jograis!...
Ou os Romanos, que receavam algo pedir,
porque um deus poderia estar à escuta
e conceder literalmente o seu pedido!...
Não um deus com quem pudessem discutir,
igual que Job, depois de tanta luta,
a humilhar-se finalmente decidido!
O DEUS DO TESTAMENTO
I – 19 SET 21
Feroz o Deus do
Antigo Testamento,
sempre disposto
para a punição,
dos inimigos a
reclamar destruição,
impiedoso com quem
quebrar-lhe o mandamento!
Capaz, não
obstante, de um portento,
mediante a prece
da mais plena devoção,
compassivo quando
houvesse humilhação
de quem lhe
quebrantasse o juramento!
Jamais um deus
dependente do conceito
de servo
onipotente – Ele é o Senhor,
tampouco um deus
que lhe forje o familiar,
porém de um povo
de vasto preconceito:
só para os tais que
exista um salvador,
que todos os mais
haverá de exterminar!
O DEUS DO
TESTAMENTO II
Por que os
profetas se foram isolar,
longe de pai e
mãe, longe de aldeia,
anacoretas em sua
estamenha feia,
seu próprio corpo
pela fome a macerar?
Esse era um Deus a
Quem devia só louvar,
por mais escassa
que lhes fosse a ceia,
mas que os podia
auxiliar numa peleia,
não por dever, mas
por assim o desejar!
Se fosse apenas um
conceito familiar,
não dependeria de
tal contemplação,
mas de uma tenda
de maior tranquilidade,
com mãe e pai o
seu carinho a renovar,
atendimento ao
serzinho em criação,
a transmitir-lhe
seu conceito de bondade.
O DEUS DO
TESTAMENTO III
O problema será
então a falsa gentileza
de um sentido
construir de maravilha:
Papai Noel, com
presentes em sua trilha,
Coelho da Páscoa,
peludinho em sua beleza...
E a Fada dos
Dentes ainda, em sua nobreza:
só uma moeda pelo
dente que te pilha...
Falso conceito na
mente então se empilha
e que desaba, de
repente, em tal pobreza!
Se não existem as
fadas e os noéis,
por que haveria
esse Papai dos Céus,
que atenderia à
prece mais veemente?
Bem diversos,
entretanto, os mil lauréis
de um Deus que nos
criou quais servos seus,
em rubras gotas de
Seu Sangue onipotente!
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