quinta-feira, 2 de setembro de 2021


 

 

ENCONTRO BREVE I – 25 AGO 2021

(Ilustrado por Dolores del Rio, atriz mexicana

da "época de ouro" de Hollywood).


Quando se encontram na rua dois amantes

Que ainda não descobriram que se amam,

Faz-se diverso o mundo que reclamam,

Sem que percebam a estranheza dos instantes,

Que ao dizerem um simples ‘Oi!” há cintilantes

Estrelas que ao céu e à terra irmanam;

Não se dão conta do que os astros proclamam,

Nem qual razão os torna interessantes,

Que o que conversam, de fato, não importa,

São frases tolas, tagarelices tão somente,

Porém que invocam mil sendas serpentinas

Numa floresta que em duas se recorta,

Sem quaisquer pedras no chão, nem a frequente

Poeira formada por sementes pequeninas.

 

ENCONTRO BREVE II

 

Quando se encontram para conversar,

Em especial se o encontro é inesperado,

Essas palavras sem um fim determinado

As alamedas da noite vêm lembrar,

Imensuráveis em seu negro perpassar,

Mas como um véu plenamente aveludado

Ou então, se  dia claro é o invocado,

Verdes caminhos lhes parecem palmilhar

E então riem, sem ter qualquer motivo,

Um riso são que lhes sacode o peito

E torna então seu diafragma sujeito,

Riso agradável de si mesmo redivivo,

Mas sem que saibam a razão do riso,

Nem a extremosa fragrância do sorriso.

 

ENCONTRO BREVE III

 

Porque não sabem sequer que são amantes,

Somente ficam envolvidos na harmonia

De um pré-amor que para eles reluzia

E nada ao redor parece igual que dantes,

Tornam-se longas as conversas palpitantes,

Tal como se há longo tempo não se via

O cintilar dos olhos e a nova melodia

Dessas vozes de sentimentos conflitantes.

Chegado o tempo de se dar as mãos

Que os acomete antes do primeiro beijo,

Surge essa escolha gentil como o pecado,

Se irão avante suas inócuas confissões

Ou se há o malévolo desperdiçar do ensejo,

Quando parte cada um para o seu lado.

 

DÚVIDA BREVE I – 26 AGO 21

 

Tudo depende então do decidido,

Irão marcar novo encontro para breve

Ou permitir ao fado só que os leve

Ao inesperado de um novo acontecido?

Tudo depende do destino a ser cumprido,

Que alguém chegue ao lugar em que se esteve

Ou decidir que esse ponto escolher deve,

Que o novo encontro seja assim obtido?

Tudo depende do grau de intensidade

Desses momentos de breve insensatez,

Se há ansiedade para que se repitam.

Tudo depende de buscar felicidade,

Diversa sendo daquela que nos fez

Obedecer ao que eventos só nos ditam.

 

DÚVIDA BREVE II

 

Tudo depende do grau de perfeição

Dessa imperfeita anterior degustação

Do que faria cintilar o coração,

Caso ao amor finalmente se entregasse;

Tudo depende do grau que se agitasse

A nossa alma ante o rosto que estampasse

Somente para o nosso, em brando enlace,

A sua promessa de perfeita aceitação.

Tudo depende se são de fato pré-amantes

Que se encontraram para tagarelar

E que procuram as circunstâncias renovar;

Tudo depende prestimoso dos instantes

Em que há sussurros por trás do sem-razão

Sobre certezas que os – talvez – dominarão.

 

DÚVIDA BREVE III

 

Tudo depende então da livre escolha

Entre aceitar do amor as consequências

Ou simplesmente negar-se às dependências,

Se amor é sólido ou simplesmente bolha.

Tudo depende então que se recolha

Nova ocasião a coletar as esperiências

Sem forjar armas contra as evidências,

Que se disponha a escrever em nova folha.

Tudo depende de temer a recorrência

Da tristeza ao embarcar-se nesse abraço,

Que bem ou mal em nós deixará traço,

Tudo depende de sua permanência:

Por que deixar a essa alegria sem sentido

Nada mais que a sentença de um olvido?

 

VERDE BREVE I – 27 AGO 21

 

Vejo minha carne e contemplo a suberina (*)

Retirada dos tecidos vegetais;

Carne não como.  Os sabores naturais

Me constroem em cutícula e celulina

E assim me comunico em cada esquina

Com os dentes-de-leão quase imortais,

Plumas angélicas nas brisas estivais,

A transportar semente pequenina,

Porque são esses tecidos, afinal,

A pura celulose de meus dedos,

Que mais que à fauna me conecta à flora;

Também sou planta, verde sucursal,

A hemoglobina guarda meus segredos

Na clorofina que meu peito enflora.

(*) Substância extraída dos vegetais, em especial da cortiça.

 

VERDE BREVE II

 

Era até de se esperar que enverdecesse,

Mas  meu olhar continua acastanhado

E meu cabelo não ficou nunca esverdeado,

Sobre minha pele só o brancor permanecesse;

Talvez de negro eu pudesse ser pintado;

Se por acaso, em Marciano me tornasse

Quem sabe verde sobre a carne se espalhasse,

Ou quiçá cor de marfim ou amarelado

Que todos somos de um mesmo deeneá,

As diferenças apenas aparentes,

Como é fácil se criarem gradações!

Não só o verde é que me alentará,

Já que o milho e outros ingredientes

Também compõem as minhas carnações!

 

VERDE BREVE III

 

Nunca apreciei alimentação carnívora,

Mesmo que hoje exista sucedâneo,

Carne de soja, não mais que sufragâneo,

Verde afinal tal refeição herbívora!

Contudo penso que a humanidade onívora

Tem as suas cores do crânio até o calcâneo,

Sem nada verde no couro desse crânio,

Por mais que seja alguém tão só frugívoro!

Não vejo ovelhas ou qualquer gado vacum

Copiar a sínople heráldica dos prados (*)

E nem morcegos se tornam esverdeados;

Não posso assim esperar que eu seja um

Entre milhões, com verde esmeraldino,

Mas que conserve uma só cor desde menino!

(*) As cores têm nomes diferentes nos escudos da nobreza.

 

LEMBRANÇA BREVE I – 28 AGO 21

 

“Meus anos eu perdi, por conta trista e três”,  (*)

Eu escrevi um dia, há meia vida,

A folha já se mostra esmaecida,

Mas amarelo o tempo não me fez;

Farei sessenta e seis dentro de um mês

E a tanta atividade dei guarida,

Em cada verso verti parte bem sofrida,

E reduzi-me em lousa e puro grês.

Será que me serviu tal experiência?

Sei que mudei e muito em minhas ações,

Os meus parâmetros troquei pelos que quis,

Que pareceram-me de melhor valência,

Mas as folhas da balança são canções

Tornadas roucas pelo pó de giz.

(*) Este soneto rascunhei há duas décadas.

 

LEMBRANÇA BREVE II

 

Este rascunho tem já vinte e dois anos!

Hoje o encontrei, de fato amarelado,

Meus sessenta e seis se passaram há bocado

E aqui estou ainda enfronhado em meus afanos;

Já vivi muito mais do que os Romanos

Costumavam viver. Mais longo o fado

Do que muitos conhecidos têm gozado:

Não me envolveram em amortalhados panos.

Mas envolvi-me em folhas e cartões:

Quantos milhares foram os sonetos

Que redigi depois desse rascunho!

E ainda surgem em mim tais brotações,

Embora busque em seus pontos secretos

Os fragmentos da pele de meu punho!

 

LEMBRANÇA BREVE III

 

Mas não posso discordar dessa cigana

Que Noventa e Três, um dia me afirmou,

Seriam os anos que o destino me legou;

Faltam mais quinze. Será que ela se engana?

Também existem outras coisas nessa gana:

Comprei um livro que, de fato, me espantou,

Cada ilustração que ali se colocou

Era da mão direita em oposta fama!

Pois a cigana me leu a mão esquerda,

Que a buena-dicha em geral assim se vê,

Será que posso crer nessa tal quiromancia?

Porque, afinal, das adivinhas que se herda,

Pouco ou nada acredito que se lê,

Nem no zodíaco meu destino vi um dia!

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