ENCONTRO BREVE I – 25 AGO 2021
(Ilustrado por Dolores del Rio, atriz mexicana
da "época de ouro" de Hollywood).
Quando se encontram na rua dois amantes
Que ainda não descobriram que se amam,
Faz-se diverso o mundo que reclamam,
Sem que percebam a estranheza dos instantes,
Que ao dizerem um simples ‘Oi!” há cintilantes
Estrelas que ao céu e à terra irmanam;
Não se dão conta do que os astros proclamam,
Nem qual razão os torna interessantes,
Que o que conversam, de fato, não importa,
São frases tolas, tagarelices tão somente,
Porém que invocam mil sendas serpentinas
Numa floresta que em duas se recorta,
Sem quaisquer pedras no chão, nem a frequente
Poeira formada por sementes pequeninas.
ENCONTRO BREVE II
Quando se encontram para conversar,
Em especial se o encontro é inesperado,
Essas palavras sem um fim determinado
As alamedas da noite vêm lembrar,
Imensuráveis em seu negro perpassar,
Mas como um véu plenamente aveludado
Ou então, se dia claro é o invocado,
Verdes caminhos lhes parecem palmilhar
E então riem, sem ter qualquer motivo,
Um riso são que lhes sacode o peito
E torna então seu diafragma sujeito,
Riso agradável de si mesmo redivivo,
Mas sem que saibam a razão do riso,
Nem a extremosa fragrância do sorriso.
ENCONTRO BREVE III
Porque não sabem sequer que são amantes,
Somente ficam envolvidos na harmonia
De um pré-amor que para eles reluzia
E nada ao redor parece igual que dantes,
Tornam-se longas as conversas palpitantes,
Tal como se há longo tempo não se via
O cintilar dos olhos e a nova melodia
Dessas vozes de sentimentos conflitantes.
Chegado o tempo de se dar as mãos
Que os acomete antes do primeiro beijo,
Surge essa escolha gentil como o pecado,
Se irão avante suas inócuas confissões
Ou se há o malévolo desperdiçar do ensejo,
Quando parte cada um para o seu lado.
DÚVIDA BREVE I – 26 AGO 21
Tudo depende então do decidido,
Irão marcar novo encontro para breve
Ou permitir ao fado só que os leve
Ao inesperado de um novo acontecido?
Tudo depende do destino a ser cumprido,
Que alguém chegue ao lugar em que se esteve
Ou decidir que esse ponto escolher deve,
Que o novo encontro seja assim obtido?
Tudo depende do grau de intensidade
Desses momentos de breve insensatez,
Se há ansiedade para que se repitam.
Tudo depende de buscar felicidade,
Diversa sendo daquela que nos fez
Obedecer ao que eventos só nos ditam.
DÚVIDA BREVE II
Tudo depende do grau de perfeição
Dessa imperfeita anterior degustação
Do que faria cintilar o coração,
Caso ao amor finalmente se entregasse;
Tudo depende do grau que se agitasse
A nossa alma ante o rosto que estampasse
Somente para o nosso, em brando enlace,
A sua promessa de perfeita aceitação.
Tudo depende se são de fato pré-amantes
Que se encontraram para tagarelar
E que procuram as circunstâncias renovar;
Tudo depende prestimoso dos instantes
Em que há sussurros por trás do sem-razão
Sobre certezas que os – talvez – dominarão.
DÚVIDA BREVE III
Tudo depende então da livre escolha
Entre aceitar do amor as consequências
Ou simplesmente negar-se às dependências,
Se amor é sólido ou simplesmente bolha.
Tudo depende então que se recolha
Nova ocasião a coletar as esperiências
Sem forjar armas contra as evidências,
Que se disponha a escrever em nova folha.
Tudo depende de temer a recorrência
Da tristeza ao embarcar-se nesse abraço,
Que bem ou mal em nós deixará traço,
Tudo depende de sua permanência:
Por que deixar a essa alegria sem sentido
Nada mais que a sentença de um olvido?
VERDE BREVE I – 27 AGO 21
Vejo minha carne e contemplo a suberina (*)
Retirada dos tecidos vegetais;
Carne não como.
Os sabores naturais
Me constroem em cutícula e celulina
E assim me comunico em cada esquina
Com os dentes-de-leão quase imortais,
Plumas angélicas nas brisas estivais,
A transportar semente pequenina,
Porque são esses tecidos, afinal,
A pura celulose de meus dedos,
Que mais que à fauna me conecta à flora;
Também sou planta, verde sucursal,
A hemoglobina guarda meus segredos
Na clorofina que meu peito enflora.
(*) Substância extraída dos vegetais, em
especial da cortiça.
VERDE BREVE II
Era até de se esperar que enverdecesse,
Mas meu
olhar continua acastanhado
E meu cabelo não ficou nunca esverdeado,
Sobre minha pele só o brancor permanecesse;
Talvez de negro eu pudesse ser pintado;
Se por acaso, em Marciano me tornasse
Quem sabe verde sobre a carne se espalhasse,
Ou quiçá cor de marfim ou amarelado
Que todos somos de um mesmo deeneá,
As diferenças apenas aparentes,
Como é fácil se criarem gradações!
Não só o verde é que me alentará,
Já que o milho e outros ingredientes
Também compõem as minhas carnações!
VERDE BREVE III
Nunca apreciei alimentação carnívora,
Mesmo que hoje exista sucedâneo,
Carne de soja, não mais que sufragâneo,
Verde afinal tal refeição herbívora!
Contudo penso que a humanidade onívora
Tem as suas cores do crânio até o calcâneo,
Sem nada verde no couro desse crânio,
Por mais que seja alguém tão só frugívoro!
Não vejo ovelhas ou qualquer gado vacum
Copiar a sínople heráldica dos prados (*)
E nem morcegos se tornam esverdeados;
Não posso assim esperar que eu seja um
Entre milhões, com verde esmeraldino,
Mas que conserve uma só cor desde menino!
(*) As cores têm nomes diferentes nos escudos da nobreza.
LEMBRANÇA
BREVE I – 28 AGO 21
“Meus
anos eu perdi, por conta trista e três”, (*)
Eu
escrevi um dia, há meia vida,
A
folha já se mostra esmaecida,
Mas
amarelo o tempo não me fez;
Farei
sessenta e seis dentro de um mês
E a
tanta atividade dei guarida,
Em
cada verso verti parte bem sofrida,
E
reduzi-me em lousa e puro grês.
Será
que me serviu tal experiência?
Sei
que mudei e muito em minhas ações,
Os
meus parâmetros troquei pelos que quis,
Que
pareceram-me de melhor valência,
Mas
as folhas da balança são canções
Tornadas
roucas pelo pó de giz.
(*)
Este soneto rascunhei há duas décadas.
LEMBRANÇA
BREVE II
Este
rascunho tem já vinte e dois anos!
Hoje
o encontrei, de fato amarelado,
Meus
sessenta e seis se passaram há bocado
E
aqui estou ainda enfronhado em meus afanos;
Já
vivi muito mais do que os Romanos
Costumavam
viver. Mais longo o fado
Do
que muitos conhecidos têm gozado:
Não
me envolveram em amortalhados panos.
Mas
envolvi-me em folhas e cartões:
Quantos
milhares foram os sonetos
Que
redigi depois desse rascunho!
E
ainda surgem em mim tais brotações,
Embora
busque em seus pontos secretos
Os
fragmentos da pele de meu punho!
LEMBRANÇA
BREVE III
Mas
não posso discordar dessa cigana
Que
Noventa e Três, um dia me afirmou,
Seriam
os anos que o destino me legou;
Faltam
mais quinze. Será que ela se engana?
Também
existem outras coisas nessa gana:
Comprei
um livro que, de fato, me espantou,
Cada
ilustração que ali se colocou
Era
da mão direita em oposta fama!
Pois
a cigana me leu a mão esquerda,
Que a
buena-dicha em geral assim se vê,
Será
que posso crer nessa tal quiromancia?
Porque,
afinal, das adivinhas que se herda,
Pouco
ou nada acredito que se lê,
Nem
no zodíaco meu destino vi um dia!
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