quarta-feira, 22 de setembro de 2021


 

 

DEUS E A CRIANÇA I – 20 SET 2021

(Shirley Temple)

 

Para mim seria bem mais fácil

Acreditar que o conceito do divino

Nos brotasse de um serzinho pequenino,

Com seu sorriso desdentado e grácil.

Meu coração, em tal momento físsil,

Se alargaria, inerme, a tal destino;

Mesmo seu choro estridente como um sino

Me atingiria dentro dalma qual um míssil.

 

Nessa criança eu vejo o meu futuro

E nela se reflete o meu passado:

Nada fará por mim, mas sou seu servo,

Votado a lhe grangear porvir mais puro,

Do mesmo modo que a Quem me tem criado

Como Seu fiel servo me conservo.

 

DEUS E A CRIANÇA II

 

Do mesmo modo que desejo protegê-la,

Eu sei que tenho Quem quer me proteger,

Porém criou-me para Seu próprio prazer,

Sem que precise acender-Lhe qualquer vela,

Pois dá-me a graça de em criança poder vê-La,

Enquanto o Criador não posso ver,

Mas nesse perpetuar eu consigo perceber

Uma ínfima porção do que desvela!

 

E pouco importa ser minha descendente:

Toda criança me faz menos mortal,

Pois nela vejo o total da humanidade;

Na carne encontro o potencial latente,

Como a potência soberana e espiritual

Que em mim perceba algum sinal de divindade.

 

DEUS E A CRIANÇA III

 

Pois certamente a Escritura diz:

“Lembrai-vos, sois deuses!” De que maneira

Se interpretar frase assim tão altaneira,

Que noutros pontos buscar em vão eu quis?

Somente indicaria o almofariz

Em que se mói a humanidade inteira,

Cada um de nós pequeno grão de poeira

De Deus herdado, deus menor feito de giz.

 

Mas que podemos usar para escrever

O mal e o bem nas páginas da vida

E não deixar ali folhas em branco;

Por isso olho a criança a se mover

E lhe darei no coração guarida,

A devolver-lhe o meu sorriso franco!

 

DEUS E UMA ROSA I – 21 SET 21

 

Em vasinho de bronze, por mais de uma semana,

A rosa branca continuou, sem fenecer,

Paredes e teto sempre ali a proteger,

Dia após dia o seu frescor proclama...

Nenhum inseto o suco lhe reclama,

Bela e discreta em seu canto, sem morrer,

Não mais perfume nos tem a oferecer,

Com a temperatura do ambiente ainda se irmana...

 

Mas como tudo que começa tem um fim,

Cai uma pétala em bailar meio indeciso,

Derrubada por um casual toque de mão,

O seu orgulho no final murchando assim

E já se torna, em inesperado siso,

Em brancas pétalas somente, amontoadas no balcão!

 

DEUS E UMA ROSA II

 

Resta apenas o galhinho, ainda empinado,

Naquele canto em que se faz despercebido:

Por muito tempo ainda pode ser mantido,

Antes que vaso seja um dia despejado;

Também meu pai quase inteiro foi achado

No ataúde em que fora recolhido,

Igual que um santo em relicário tido:

Foi o caixão mais uma vez tampado.

 

Daí a seis meses, foi de novo aberto

E só os galhos da carne persistiam:

Como é costume, foram ensacados.

A divindade da família é algo de incerto:

Seca-se a flor, como os mortos que dormiam,

Após um sopro de vento desmanchados...

 

DEUS E UMA ROSA III

 

Mas nessa inconsistência, a divindade

De forma idêntica se revela para mim;

Em sendo humano, não sou mais que capim,

Perco o frescor, também perco a densidade;

Eu amo um prado verde, na verdade,

Que nada pode me pedir assim;

A Rosa Branca reluziu até seu fim,

Sem de mim requerer qualquer bondade

 

E deste modo, ela cumpriu a sua função

E me alegrou por seus breves momentos;

Também eu devo louvar a meu Senhor

E dar-Lhe graças por minha breve brotação,

Simplesmente a tropeçar nos Mandamentos,

Porém sem lhe pedir qualquer favor!...

 

DEUS E PARTILHA I – 22 SET 21

 

Igual menino encharcado de verão

Ou garota lavada em primavera,

Como adulto no outono de uma espera

Ou como inverno anunciando a conclusão,

Se empapa de surpresa o coração,

Nesse calor que mais carícia gera,

Não o calor feroz da atmosfera,

Mas esse ardor de interna brotação.

 

Envolta na mortalha da ilusão,

A mente explode num límpido clarão

E o mundo inteiro abarca em sua luxúria,

Que só da mente surge tal fecundação,

Buscada pelo corpo em plena incúria,

Até o frêmito final de sua paixão.

 

DEUS E PARTILHA II

 

Assim percebo como há fecundação

Dentro do peito, para algo realizar

Ou dentro dalma para alguém se amar,

Por mais que tudo não passe de ilusão;

Por toda parte existe a comunhão

Da vida verde em constante rebrotar,

Da vida vermelha, que tudo busca devorar

Da vida mineral em milenar conservação.

 

Não sou apenas eu, também tu mesmo

Ou tu mesma partilhamos desta sorte,

Que tudo passa, mas tudo se renova

E nada neste mundo cresce a esmo,

Há tempo de começo, hora de corte,

E as flores brotam da terra de uma cova.

 

DEUS E PARTILHA III

 

Compartilhar alegria é transitório,

Tal como vem, se vai sua energia;

Quanto maior a falsidade da folia

Ou a comunhão mofada de um cibório;

Todo ritual é tão só perfunctório:

É o partilhar da tristeza que nos guia,

É o extinguir-se da estrela que explodia

Que nos produz clarão mais peremptório.

 

É nesse amor empapado de tristeza

Que se encontra a verdadeira comunhão,

De cujo fim se tem plena certeza;

Que tudo passa como as palmas de tua mão,

Mas a lágrima trocada é pura reza,

Como o sangue do olhar em brotação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário