DEUS E A CRIANÇA I – 20 SET 2021
(Shirley Temple)
Para mim seria bem mais fácil
Acreditar que o conceito do divino
Nos brotasse de um serzinho pequenino,
Com seu sorriso desdentado e grácil.
Meu coração, em tal momento físsil,
Se alargaria, inerme, a tal destino;
Mesmo seu choro estridente como um sino
Me atingiria dentro dalma qual um míssil.
Nessa criança eu vejo o meu futuro
E nela se reflete o meu passado:
Nada fará por mim, mas sou seu servo,
Votado a lhe grangear porvir mais puro,
Do mesmo modo que a Quem me tem criado
Como Seu fiel servo me conservo.
DEUS E A CRIANÇA II
Do mesmo modo que desejo protegê-la,
Eu sei que tenho Quem quer me proteger,
Porém criou-me para Seu próprio prazer,
Sem que precise acender-Lhe qualquer vela,
Pois dá-me a graça de em criança poder vê-La,
Enquanto o Criador não posso ver,
Mas nesse perpetuar eu consigo perceber
Uma ínfima porção do que desvela!
E pouco importa ser minha descendente:
Toda criança me faz menos mortal,
Pois nela vejo o total da humanidade;
Na carne encontro o potencial latente,
Como a potência soberana e espiritual
Que em mim perceba algum sinal de divindade.
DEUS E A CRIANÇA III
Pois certamente a Escritura diz:
“Lembrai-vos, sois deuses!” De que maneira
Se interpretar frase assim tão altaneira,
Que noutros pontos buscar em vão eu quis?
Somente indicaria o almofariz
Em que se mói a humanidade inteira,
Cada um de nós pequeno grão de poeira
De Deus herdado, deus menor feito de giz.
Mas que podemos usar para escrever
O mal e o bem nas páginas da vida
E não deixar ali folhas em branco;
Por isso olho a criança a se mover
E lhe darei no coração guarida,
A devolver-lhe o meu sorriso franco!
DEUS
E UMA ROSA I – 21 SET 21
Em
vasinho de bronze, por mais de uma semana,
A
rosa branca continuou, sem fenecer,
Paredes
e teto sempre ali a proteger,
Dia
após dia o seu frescor proclama...
Nenhum
inseto o suco lhe reclama,
Bela
e discreta em seu canto, sem morrer,
Não
mais perfume nos tem a oferecer,
Com
a temperatura do ambiente ainda se irmana...
Mas
como tudo que começa tem um fim,
Cai
uma pétala em bailar meio indeciso,
Derrubada
por um casual toque de mão,
O
seu orgulho no final murchando assim
E
já se torna, em inesperado siso,
Em
brancas pétalas somente, amontoadas no balcão!
DEUS
E UMA ROSA II
Resta
apenas o galhinho, ainda empinado,
Naquele
canto em que se faz despercebido:
Por
muito tempo ainda pode ser mantido,
Antes
que vaso seja um dia despejado;
Também
meu pai quase inteiro foi achado
No
ataúde em que fora recolhido,
Igual
que um santo em relicário tido:
Foi
o caixão mais uma vez tampado.
Daí
a seis meses, foi de novo aberto
E
só os galhos da carne persistiam:
Como
é costume, foram ensacados.
A
divindade da família é algo de incerto:
Seca-se
a flor, como os mortos que dormiam,
Após
um sopro de vento desmanchados...
DEUS
E UMA ROSA III
Mas
nessa inconsistência, a divindade
De
forma idêntica se revela para mim;
Em
sendo humano, não sou mais que capim,
Perco
o frescor, também perco a densidade;
Eu
amo um prado verde, na verdade,
Que
nada pode me pedir assim;
A
Rosa Branca reluziu até seu fim,
Sem
de mim requerer qualquer bondade
E
deste modo, ela cumpriu a sua função
E
me alegrou por seus breves momentos;
Também
eu devo louvar a meu Senhor
E
dar-Lhe graças por minha breve brotação,
Simplesmente
a tropeçar nos Mandamentos,
Porém
sem lhe pedir qualquer favor!...
DEUS
E PARTILHA I – 22 SET 21
Igual
menino encharcado de verão
Ou
garota lavada em primavera,
Como
adulto no outono de uma espera
Ou
como inverno anunciando a conclusão,
Se
empapa de surpresa o coração,
Nesse
calor que mais carícia gera,
Não o
calor feroz da atmosfera,
Mas
esse ardor de interna brotação.
Envolta
na mortalha da ilusão,
A
mente explode num límpido clarão
E o
mundo inteiro abarca em sua luxúria,
Que
só da mente surge tal fecundação,
Buscada
pelo corpo em plena incúria,
Até o
frêmito final de sua paixão.
DEUS
E PARTILHA II
Assim
percebo como há fecundação
Dentro
do peito, para algo realizar
Ou
dentro dalma para alguém se amar,
Por
mais que tudo não passe de ilusão;
Por
toda parte existe a comunhão
Da
vida verde em constante rebrotar,
Da
vida vermelha, que tudo busca devorar
Da
vida mineral em milenar conservação.
Não
sou apenas eu, também tu mesmo
Ou tu
mesma partilhamos desta sorte,
Que
tudo passa, mas tudo se renova
E
nada neste mundo cresce a esmo,
Há
tempo de começo, hora de corte,
E as
flores brotam da terra de uma cova.
DEUS
E PARTILHA III
Compartilhar
alegria é transitório,
Tal
como vem, se vai sua energia;
Quanto
maior a falsidade da folia
Ou a
comunhão mofada de um cibório;
Todo
ritual é tão só perfunctório:
É o
partilhar da tristeza que nos guia,
É o
extinguir-se da estrela que explodia
Que
nos produz clarão mais peremptório.
É
nesse amor empapado de tristeza
Que
se encontra a verdadeira comunhão,
De
cujo fim se tem plena certeza;
Que
tudo passa como as palmas de tua mão,
Mas a
lágrima trocada é pura reza,
Como
o sangue do olhar em brotação.
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