quarta-feira, 27 de janeiro de 2021


 

 

A Fonte do Paraíso 1 – 25 jul 2020

 

Diz o Alcorão que a Fonte Salsabil

Límpida brota no umbral do Paraíso,

De que as sombras dos crentes, num sorriso

Beberão com prazer ante o redil,

Contendo néctar mesclado a Zanzabil,

Que é o gengibre, para o paladar mais liso

De quem puder trilhar o sagrado piso,

Da impureza liberto e sem desejo vil.

 

Como é citada apenas uma vez,

Talvez a lembrem poucos muçulmanos,

Já no final da Surata Al-Insaan,

Ou do Homem, a Setenta e Seis,

Versículo dezoito em tais arcanos,

Revelados por Maomé a seu Islam.

 

A Fonte do Paraíso 2

 

Em certos pontos corresponde a Primavera,

Também citada como Sansabil Jannah;

Só tal escassa referência porém há

Dessa fonte dos crentes sempre à espera.

A Surata Setenta e Seis promessas gera

Àqueles fieis que o Paraíso abraçará,

Esse lugar em que o frio não haverá

E nem calor de equatorial esfera...

 

Mas é preciso aguardar Ressurreição,

Que os mortos esperarão o Julgamento

E só os puros serão lá admitidos,

Sem haver ali demasiada compaixão

Ou qualquer graça de pleno sentimento

Para que os maus possam ser absolvidos.

 

A Fonte do Paraíso 3

 

Essa palavra alcançou outros lugares:

Existe um Bairro Sansabil em Tehran

E tem diverso sentido no Industan.

Há muitas fontes de bizarra beberagem

De qualquer mitologia na paisagem,

Sem que pareça ser promessa vã

A Fonte da Água da Vida temporã,

Nos Evangelhos mencionada de passagem.

 

Contudo, tal espera é discutível,

Já que Deus de todo o tempo está além

E os espíritos deverão estar também,

Após libertos do peso tão terrível

Da carne e ossos dos corpos humanos,

Que iguais carregam tantos muçulmanos.

 

A Fonte do Paraíso 4

 

Os dois extremos assim mostra o Alcorão:

No inferno cresce a Árvore Zaqqum,

Que a tortura mais aumenta quando algum

Come seus frutos que mais sede dão;

No Paraíso já os salvos acharão

Essa Fonte Salsabil, que qualquer um

Que ali chegar sem esquecer nenhum

De seus deveres, já cumpridos de antemão,

 

Terá partilha desse Néctar da Vida,

Sendo as coisas assim equilibradas,

Por mais que tenham sido deformadas

Nestes desertos em que o corpo tem guarida:

Deus é clemente e misericordioso

Com quem Suas Leis cumprir bem cuidadoso!

 

NUVENS DE CRISTAL I – 26 JUL 20

 

“Tudo depende da cor do cristal”:

as coisas mudam no luzir do espelho;

em nosso mundo tudo é desparelho,

onde há deserto, talvez surja um pantanal.

Tantos desejos a espantar-se a relho,

sem saber a que levavam no final;

outros impulsos só nos causam mal,

por aceitá-los, seguindo mau conselho,

pois confundimos o bem com a beleza,

em restos de latão reflete a prata,

tantos resquícios da mais estranha natureza,

pois é quanto mais amamos que nos mata,

nessa falsa alacridade da tristeza,

que em plena luz a treva nos desata!..

 

NUVENS DE CRISTAL II

 

Diziam os Romanos ter cuidado

no que pediam, pois haver podia

qualquer deus que seu pedido escutaria,

a conceder esse bem solicitado

e as consequências que teria acarretado,

a contemplar tal petição com ironia;

e algum filósofo, destarte, lhe diria:

“Melhor não se pedir certo ou errado!”

Pois o mal poderia ser um bem,

em seu aspecto soturno disfarçado,

enquanto o bem poderia ser um mal,

traiçoeiro sendo contra nós também;

melhor aos deuses sacrifício ser alçado,

sem lhes pedirmos em troca nada igual.

 

NUVENS DE CRISTAL III

 

E embora no Evangelho haja a promessa:

“Pedi e obtereis; batei e abrir-se-vos-á”,

que pese bem a reza que fará

o suplicante, sem pedir com pressa;

que na verdade, aquilo que interessa

de forma permanente e há muito, já

foi planejado e então nos chegará,

na hora exata, sem que ninguém o peça,

pois quanto o humano possa imaginar,

já desde sempre Deus criou primeiro:

só recebemos o que Ele nos concede,

igual que aos lírios do campo em seu lugar,

ou as avezinhas em seu ninho pegureiro,

na proporção natural que tudo mede.

 

NUVENS MORTAS I – 27 JUL 2020

 

“BEIJAR O CORAÇÃO”, CARINHO HORRÍVEL

QUE ME RECORDA UM CRUEL CANIBALISMO

E LOGO EU, EM VEGETARIANISMO,

SINTO REPULSA DESSA EXPRESSÃO INCRÍVEL!

QUE MINHAS COSTELAS, INVASÃO TERRÍVEL,

AFASTADAS ME SEJAM EM EXOTISMO,

PARA ENCONTRAR O CORAÇÃO EM SEU ABISMO

EXPOSTO ASSIM A UM BEIJO TÃO TEMÍVEL!...

 

PORÉM, SE FOSSES TU, CONSENTIRIA

QUE ME CORTASSES OS OSSOS PARA O BEIJO,

NA MINHA ENTREGA PARA O SACRIFÍCIO,

NO CANIBAL AMOR QUE ME COLHIA,

NESSE INSTANTE FUGAZ DE MEU DESEJO,

TODO MEU SANGUE A CEDER-TE SEM RESQUÍCIO!

 

NUVENS MORTAS Ii

 

EU NÃO ME DROGO E NUNCA ME DROGUEI:

SE ALGO EXISTE NA VIDA QUE RESPEITE

É O QUE FOI DENTRO DA MENTE ACEITE,

MINHA PRÓPRIA INTELIGÊNCIA QUE ABRACEI;

SÓ DE UMA DROGA EU SEMPRE PRECISEI,

DO TEU AMOR, INSPIRAÇÃO PARA O DELEITE,

QUANDO TEU CORPO CONTRA O MEU ESTREITE,

NENHUM ESTÍMULO JAMAIS PRECISAREI.

 

FAZ PARTE DESSE JOGO QUE ME INSPIRE:

NESSE PENDOR, DIONISIACAMENTE,

OS VERSOS FLUEM E A MÚSICA ME VEM;

E SE TE ABRAÇO, QUE ENTÃO O MUNDO GIRE,

SÓ PENSO EM TI, MEU CORPO FAZ-SE MENTE,

NESSA EXPLOSÃO QUE SINTO EM TI TAMBÉM.

 

NUVENS MORTAS Iii

 

AS NUVENS CORREM AO SABOR DO VENTO,

EM SEUS VAPORES DE CONDENSADA MORTE,

POR MAIS QUE A ÁGUA QUE CONTÊM IMPORTE

 VIDA QUE CHOVE SEM IMPEDIMENTO;

TODO O PRAZER SENDO BREVE LINIMENTO,

UM INTERVALO NA INDIFERENTE SORTE,

ANTE A INCERTEZA UM TEMPORÁRIO CORTE,

BREVE PERFUME A CORROER O PENSAMENTO.

 

E POR MAIS QUE PENSE EM TI, MEU CORAÇÃO,

PREFERIA CONSERVAR-SE NO IMO PEITO,

O AMOR APENAS A PERCORRÊ-LO COMO LUME;

E ASSIM CONTIDO NAS VASCAS DA EMOÇÃO,

DEVORO AS NUVENS, COM PLENO DIREITO,

BEBENDO O VENTO NUM FRASCO DE PERFUME!

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