Que foi que me tocou?
Os dedos leves,
A seguir-me dos malares o
contorno,
Numa prece tão meiga e sem
retorno,
Que apenas enviar aos deuses
deves?
Que foi que me tocou?
Que dedos breves,
Velados apenas por véu
nictitante e morno
De ofídios olhos teus,
lúcido estorno
De que buscar-me o coração
te atreves?
Que foi que me tocou?
A sensação
De ter achado, com
finalidade,
A fonte meiga da emoção mais
pura?
Só sei o que senti: leve
condão,
Em suave adejo de
felicidade,
Tocou-me a face e a mágoa
assim me cura.
METAMORFOSE II (23 MAI 2010)
É impossível conviver sem
desnudar-se:
não é somente a quebra das
arestas,
nesses momentos de brigas ou
de festas,
que as reentrâncias levam a
fechar-se.
Isso é somente um tipo de
catarse,
cantada antanho em multidões
de gestas,
nas peripécias com que a
paciência testas
os pendores podados e a
espalhar-se.
Mas a vida em comum
metamorfose
provoca num e noutra sem
reserva:
algo se dá e algo se recebe,
por mais que se reprima tal
osmose,
nossas raízes se abraçam sob a
erva
e cada um o sonho alheio bebe.
METAMORFOSE III
É impossível conter essa
mudança,
que nos vem sutilmente, de
emboscada,
quando se vê, a alma está
trincada
por esse palpitar sem
esquivança,
muito diverso das trocas da
abastança,
quando o esmeril da vida
atribulada
a mente pui e a alma faz
rachada:
as lascas saem, porém não há
mudança.
É no entrechoque vital que a
gente muda,
sem sentir, sem pensar; e
até querendo,
pelo prazer de buscar tal
semelhança,
quando o caráter, aos
poucos, se transmuda
e a pele contra a pele vai
rangendo,
nessa memória comum que a
mente alcança.
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