BODAS
DE VENTO I – 3 JUN 20
Por
que o noivo deve vestir preto,
já
que preto consideram cor de luto?
Não
será um simbolismo demais bruto,
tornado
o noivo simples homem-objeto?
Porque
é de escuro que reveste o afeto,
quando
inefável transpõe viaduto,
e
incauto penetra no ansioso reduto,
nesse
momento que só devia ser dileto?
É
claro que na China era o contrário:
para
exibir o luto usavam branco;
nesse
caso seria a noiva a lastimar?
cada
cor tendo inverso o seu fadário,
no
casamento algo se vê de pouco franco,
que
melhor fôra com cuidado investigar!
BODAS
DE VENTO II
Que
coisa triste então a monogamia!
Que
metade do casal mostre tristeza,
enquanto
a outra expande sua beleza
nesse
dia que importante ser devia!...
A
gente olhando certamente julgaria
que
há sacrifício feito de nobreza:
conduz
o pai a noiva, com firmeza,
enquanto
a mãe pranteia de alegria...?
Ou é
um alívio, enfim, que sentiria,
por
ter sua filha ali desencalhada,
hoje
que o dote não mais é requerido?
Basta
uma festa ou presente serviria
para
deixar o pobre noivo consolado
por
seu futuro se achar comprometido?
BODAS
DE VENTO III
Melhor
fosse talvez poligamia antiga,
praticada
ainda por povos mais sensatos,
assim
evitando multidão de desacatos...
Que
tal duas éguas para puxar a biga?
Enquanto
o noivo, seu feliz auriga
brande
o chicote feliz de dois contratos...
Ou
quem sabe, se invertesse os fatos
poliândrica
a se tornar essa quadriga!?
Quatro
maridos, cada qual com a própria cor,
um
amarelo, como símbolo do ouro,
um
encarnado, qual prenda de um ardor,
terceiro
azul, em sinal de temperança
e
finalmente, um verde, qual tesouro
de
várias pensões recebendo a esperança!
EM PELE LILÁS I – 4 JUN 2020
Superfície de amor, na pele eu deslizo,
deslizo minha pele ao longo da tua,
meus dedos percorrem a pele tão nua,
tão nua e macia, meus dedos de riso;
com dedos de riso a pele te aliso,
ao longo dos braços percorro tua rua,
no bico dos seios instalo minha grua,
ao longo do ventre, em busca do siso
perdido nos ontens, ao longo da vida,
razão nessa vida em nada encontrada,
até tropeçar em tua pele de seda;
os dedos se curvam, alavanca perdida,
num salto meu pulso encontra a morada,
ao longo do ventre, em gentil alameda.
EM PELE LILÁS II
Depois os teus dedos me tocam de leve
os pelos dos braços, gentil seu vigor,
deslizam macios, em suave frescor
e os braços se tocam em gotas de neve;
a pele das pernas nas pernas se atreve,
na carne desliza, na ânsia do ardor,
os joelhos se encontram em prece de amor
e logo se afastam no toque mais breve.
Tal como se os dedos o cheiro sentissem
da pele de seda, enquanto teus dedos
rasgassem meus pelos, abrindo-me a pele
e ao longo dos dedos tonturas subissem,
ao oco da alma, em veneno e segredos,
na doença do amor que o destino nos sele.
EM PELE LILÁS III
Assim eu te amo e não tenho remédio!
tua pele rescende e em aurora rebrilha,
tua pele é tocaia à espera na trilha,
teus dedos me tomam no bote do assédio!
Tua pele eu assumo, perdido meu tédio,
a minha eu rejeito e tua pele perfilha
a carne da pele e indica-lhe a trilha,
o passado tão magro e o amor é tão nédio!
E assim a tua pele minha pele recebe
na pele escondida em tesouro final
e a pele na pele totalmente se perde!
E a pele da língua a língua me bebe,
a boca me engole em ternura fatal,
igual foi no antanho que hoje se herde!
MANCHAS DE ÁGUA I – 5 JUN 20
Mulher, eu me perco na água da vida
que brota da pele em ternura carnal,
a água que brota da pele em fatal
corrente de óleo em aroma perdida;
Mulher, eu me perco na pele escondida,
minha pele na pele em arcano total,
tua pele na minha, de torno a rival,
minha pele firmando em obstinação.
Nas costas eu sinto os dedos da mão,
as unhas ardentes rasgando-me a pele
porém me obstino em igual comunhão,
Em ti descobrindo minha inteira razão:
que a pele na pele inteiro me apele,
que o selo da pele inteiro nos sele!...
MANCHAS DE ÁGUA II
Pois forjo outra pele no centro da pele,
inesperada a tarefa que seja em tal hora,
a pele perdida no instante da aurora,
no ideal dessa pele que ao centro me
impele,
Igual no passado outra pele repele
inteira minha pele exposta no outrora,
da pele minha pele lançada no embora,
na pele de sangue que a pele me apele.
Ao longo do leito as manchas de água,
da pele película que minha pele guardava,
que junto da pele sua pele expulsava
E igual que minha mãe, no instante da mágoa
ao mundo lançava minha pele total,
na pele eu repito esse arcano ritual!...
MANCHAS DE ÁGUA III
Mulher, nossa pele não tem mais remédio,
criou-se outra pele no instante do assédio,
minúscula a pele que esperas ser nédio
o fruto da pele que então concebeste!
E quanto tua pele outra pele gemeste,
e a pele da pele finalmente abraçaste,
a pele da pele chorar escutaste,
para sempre perdida a pele do tédio!
As manchas de água em água lavaste
e apenas a pele que em pele geraste,
com a pele dos dedos agora acalentas,
mas a pele que um dia em tua pele tomaste
tomar novamente sequer não mais tentas,
quais manchas de água que então
descartaste.
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