AURORA DA NOITE I – 24 JUN 2020
A ilustração é uma fotografia de cerca de cem anos de idade, identificada como Louise Brooks, uma atriz do cinema mudo, e aqui incluída como uma homenagem ao transitório feminino.
Às vezes eu suspeito ter musas
concubinas
que convocar eu posso dos coxins de
meu harém
e que se achegam prestes a me inspirar
também,
cada qual a sua vertente de
prestimosas sinas...
bem gostaria eu que houvesse mesmo bailarinas
dançando em torno a mim para
atender-me bem,
em cada dança cintilante mil versos de
azevém
deixassem em seu caminho gracioso de
meninas...
não sei se só suspeito ou se crio essa
pujança,
com a qual justificasse a bizarra
variedade
dos versos que te envio em abuso de
confiança...
será que libélulas ou quem sabe?
mariposas
esparzem sobre mim essa falsa
mocidade,
depositando em minha testa a espuma de
suas rosas?
AURORA DA NOITE II
Falando francamente, a verdadeira musa
encontro dentro em mim, nas dobras de
minhalma:
é ela que me inspira e me concede a
palma,
sem negaças de amor e sem qualquer
recusa.
Não precisa essa ninfa mostrar
qualquer escusa:
ela sorri constante, em máscara de
calma
e quando me entristeço, a mente
inteira embalma,
em ária delicada de antiga
cornamusa...
Dizer que a inspiração provém de uma
mulher
não passa, bem no fundo, de um tipo de
traição
feita a essa deusa interna, a musa
complacente,
que me perdoa e envolve, em seu gentil
mister,
me acalentando sempre, em mansa
exultação,
e sempre que a recebo, demonstra-se
contente...
AURORA DA NOITE III
Difícil é dizer qual musa então seria
o ser que assim me inspira um gozo
angelical,
talvez Dominação que abranja o meu
fanal,
talvez o próprio Trono que meu cantar
vigia...
ou será que dessa musa o trono se
acharia
instalado na mente em qualquer rede
neural,
num tubo de memórias da carne cerebral
e assim a meu chamado veloz me
atenderia?
Não sei, não sei, mas sem qualquer
superstição,
não temo desvendar o seu furtivo arcano,
não temo ao decifrá-lo perder a
inspiração,
que poder algum eu tenho sobre essa
trança bela
que sobre mim desfaz, assim, ano após
ano,
a derramar-me a chuva de ardor que não
congela!
AURORA DA NOITE IV
Jurar não posso que se encontre dentro
em mim
tal musa bela, duradoura e
onipresente;
talvez algures a sua mansão se
assente,
mas contato se mantenha através de um
serafim
que voa bem suave e me observa assim,
para ver quando desejo a inspiração
jacente
nas dobras perfumadas do peplo
complacente
que a musa me abriria quando lhe peça
enfim...
não sei se é esse anjinho que vem e
traz poesia
ou se a musa sorridente pressurosa
desceria,
para beijar-me a boca em versos
magistrais
ou se de qualquer modo para si me
elevaria
e no seu leito de alabastro, em toques
divinais
a noite inteira em versos de amor me
nutriria...
HIDRA GENTIL I
A hidra a quem eu amo tem numerosos braços,
abrange a terra inteira e o verdejante mar,
um deles periscópio erguido para o
ar,
um outro qual trepano em movimentos
lassos,
das cavernas ctônicas a percorrer
espaços
mais profundos das rochas e ainda a
dominar
o passado que se foi e o futuro a nos
chegar,
toda a amplidão enfim contida em seus
abraços!
E no entretanto, quando chega para
mim,
é mais gentil e mansa que uma teia
composta dessa seda que a alma me
permeia
e ao invés de destruir, desfaz-se
inteira assim,
na mente a distribuir todo o seu
conhecimento
que mal pode alcançar meu simples
pensamento.
HIDRA GENTIL II
Porque essa é a verdadeira amante de minhalma:
jamais me deixa só, no gozo ou na
amargura,
a minha testa afaga, em fraternal
ternura,
sem nada me pedir a troco dessa
calma...
As amantes da vida querem fatias
d'alma
e nunca se contentam com a afeição mais pura:
requerem sujeição enquanto o amor
perdura,
se mostram ressentidas assim que
ardor se acalma.
A minha amante não... É fábula perfeita:
a mesma concubina frequente no meu
sonho,
com mil fisionomias procura me
agradar...
Faz parte de mim mesmo e assim não se
deleita
em caprichosa troça no instante em
que me exponho
e enquanto dá-me as asas, ensina-me a voar...
HIDRA GENTIL III
Sem essa compaixão, pouco ou nada então seria;
diuturnamente me faz repousar em seu divã;
então ela me oscula com a sua seiva sã:
dentro de mim destarte sua semente deixaria
de tantos versos que ao despertar redigiria;
a noite ela me deu e eu dou-lhe minha manhã,
a mim meiga fecunda em chuva temporã,
eu a fecundo em troca com meiga nostalgia.
Dentro de mim se expande em material presente,
cada verso que me dá com diversa exortação,
não é minha concubina, é a dama preferida,
embora eu desconfie, às vezes, sutilmente,
que a outros por igual ela ceda a inspiração,
que aos infiéis amantes também seja repartida...
TRICLÍNIO I – 26 JUN 2020
ENTRE ÉBANO E ALABASTRO ESTÁ O MARFIM,
QUE DOS TRÊS SERÁ O MAIS VALORIZADO,
UM ANIMAL PARA TÊ-LO DEVE SER SACRIFICADO
EM SUA ABRANGÊNCIA TRAZ VIDA E MORTE ASSIM;
ENTRE O NEGRO E O BRANCO NÃO HÁ QUALQUER CONFIM,
SÓ UMA MISTURA DE TOM BEM VARIEGADO:
ENTÃO SE FAZ NOSSO GENOMA MARCHETADO,
QUAL SE FECUNDAM AS FLORES DE UM JARDIM;
SE ALGUMA RAÇA HOUVERA ALÉM DA RAÇA HUMANA
SERIA IMPOSSÍVEL UMA TAL FECUNDAÇÃO;
SE ALGO SURGISSE, TERIA ESTÉRIL DESCENDÊNCIA,
UMA ETNIA INTOCADA SE MOSTRA MAIS PROFANA,
MENOS RESISTE QUANDO SOFRE A PERSISTÊNCIA
DE ALGUMA PRAGA ATROZ DE MAIOR PENETRAÇÃO.
TRICLÍNIO II
ESPERO ENTENDAM TODOS, FINALMENTE
QUE EXISTE APENAS UMA RAÇA HUMANA;
QUEM INSISTE EM COR DA PELE SÓ PROCLAMA
ESSE RACISMO QUE POSSUI INTRANSIGENTE.
E NUM PAÍS EM QUE HÁ MESCLA TÃO FREQUENTE
FALAR DE RAÇA NEGRA EM QUE SE IRMANA
CADA MESTIÇO À BIOLOGIA EMPANA,
AO DEENEÁ CONTRARIANDO TOTALMENTE.
NEM MESMO OS AMERÍNDIOS DE ETNIA PURA:
DESDE QUE FORAM NAS SELVAS ENCONTRADOS,
COM BRANCOS E NEGROS SE ACHAM MISTURADOS;
MAS É POLÍTICO INSISTIR QUE ASSIM PERDURA
TAL DEFINIR TOTALMENTE ARTIFICIAL,
MAS EM CADA BRASILEIRO SÓ VEJO O MEU IGUAL.
TRICLÍNIO III
ESPERO ESTUDEM A HISTÓRIA, FINALMENTE:
FOI UM GRANDE PROGRESSO A ESCRAVIDÃO,
ANTES DISSO, SÓ MASSACRES DE OCASIÃO
OU ENTÃO UM CANIBALISMO PERSISTENTE;
ENTRE OS GREGOS E ROMANOS, CLARAMENTE,
DOS ESCRAVOS HAVIA BRANCA MULTIDÃO,
QUAISQUER EUROPEUS OS DESCENDENTES SÃO
DESSES ESCRAVOS, INCONTESTAVELMENTE.
NA IDADE MÉDIA, ESCRAVOS EUROPEUS
ERAM VENDIDOS PARA OS REINOS NEGROS
QUE PROSPERAVAM NO GOLFO DA GUINÉ;
MELHOR TERIA SIDO ENTÃO PARA OS JUDEUS
ESCRAVOS SEREM DESSES NAZISTAS CEGOS
DO QUE LEVADOS AO EXTERMÍNIO POR SUA FÉ!
TRICLÍNIO IV
NA REALIDADE, MUITO TRABALHO ESCRAVO
FOI EMPREGADO ENTÃO PELO NACIONAL-
SOCIALISMO, COMO FORMA NATURAL
DE ERGUER FORTIFICAÇÕES ANTE O MAR BRAVO
E EM SUAS FÁBRICAS INSTALARAM COMO FAVO
DE ABELHAS OS PRISIONEIROS EM GERAL:
ESCRAVOS RUSSOS, FRANCESES E, AFINAL,
ATÉ NORTEAMERICANOS NESSE AGRAVO.
SE POR ACASO ALGUM NÃO FOSSE BRANCO
ERA DA REGRA APENAS A EXCEÇÃO.
POR QUE ENTÃO NÃO EMPREGAR A MÃO-DE-OBRA
COMO SCHINDLER FEZ, AO INVÉS DO CANCRO
DOS CAMPOS DE MASSACRE NA OCASIÃO,
MAIS QUE MALDADE, QUE TOLICE SE LHES COBRA!
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