sexta-feira, 8 de janeiro de 2021



INDIFERENÇA &+



 ILUSTRAÇÃO IDENTIFICADA COMO A MODELO ITALIANA ASIA ARGENTO

 

INDIFERENÇA I – 1º MAIO 2020

 

Se não se ama, como  dói a bruma

nesse vazio em que nos sopra o vento

por toda a mente e o coração, alento

estranho, que em pulmão nada se assuma.

Navega a mente qual deserta escuna,

qual relicário sem guardar um osso bento,

águia  ferida em seu adejo lento,

ou maré baixa entanguida numa duna.

 

Se não se ama, como gela o sangue,

coagulado de antanho, semimortas

recordações de quando se era gente...

se não se o pode ter, a mente é um mangue

de crustáceos ressequidos, raízes tortas,

acutiladas no vazio sem dor da mente...

 

INDIFERENÇA II

 

Se não se ama em ato desconforme,

que dalma a calma toda se espavente;

viver se pode, mas  é insucesso que se tente,

todo ocupado por esse vácuo enorme,

esse oco que na alma se deforme,

cada emoção ali cortada rente;

nesse pisar em lã que a gente sente,

toda razão e julgamento dorme...

 

Se não se ama, o chão acinzentado

reflete apenas  mil passos sem sentido,

o próprio coração todo cortado;

cada válvula em linfa o sopro perde,

o vapor dentre os pulmões amortecido

e igual perdida a memória que se herde.

 

INDIFERENÇA III

 

Mal se recorda que o amor nos perseguiu,

os pulmões a  estufar nessa harmonia,

que se ampliava em cantos de alegria,

de cada artéria avermelhado o fio,

que cada órgão  firmemente conduziu

em uma orquestra de afinada melodia

em que a consciência de nós mesmos se perdia:

cansaço e tédio  o amor  inteiros  consumiu.

 

Porque esse amor é exigente proprietário

sobre cada peça de sua casa vigilante

desse corpo que transformou em sua mansão;

e nos percorre com ademanes de incendiário,

nos ouvidos sempre firme, na visão constante,

sem nos perdoar por um instante a escravidão.

 

CATAPULTA  I – 2 MAIO 2020

 

Fui tomado de assalto novamente,

sem compreender esse bem inesperdo,

mal percebendo o gargalhar do fado,

sem mais agir de forma pertinente;

pois deveria ter sido tudo diferente

para mim, o amplo evento controlado,

aproveitado  o bom ensejo revelado,

para a coleta do colar de fogo ardente...

 

Mas nada fiz.  Falava sem saber

o que proferiria...  sei até

que então fingia achar-me indiferente,

mas é que tinha o cérebro a ferver

ante esse rosto, na mais perfeita fé

da idolatria de um verdadeiro crente.

 

CATAPULTA  II

 

Pois quando amor nos chega, realmente,

é mais santo que a mais pura religião,

busca no outro sua plena aceitação,

acha na outra aceitação fervente,

não nos permite alheia devoção,

ao mundo ateu se mostra complacente,

tudo colore esse amor subjacente,

em seu egoísmo marchetado de paixão.

 

Raro é que em nós vá crescendo devagar,

ante a suspeita de que, enfim, chegou

e quando o olhar de outrem nos achou,

nada mais temos a fazer senão amar...

Que coisa tola, quando assim descrita,

mas que sentida será a coisa mais bonita!

 

CATAPULTA  III

 

E quando chegam esses olhos a piscar,

as pupilas circulares escondidas,

os cílios a iniciar lutas renhidas,

ou escaramuças em que é fácil dominar,

é quando o coração, num desleixar,

aceita as cem mentiras prometidas,

diversas sempre, após serem pemitidas,

porque queremos nos deixar capturar...

 

E assim a parca teceu o meu destino,

tirou de mim o alvedrio que possuia

e me fez percorrer o fio sem fim,

já que é imanente esse bem tão pequenino,

que sempiterno e imenso então se cria,

no anseio firme de ludibriar-se assim...

 

EXPOSIÇÃO I – 3 MAIO 2020

 

Do jeito como as coisas se comportam,

se uma modelo seu book quer criar,

deve uma foto da vagina ali anexar,

em garantia do sexo que portam;

não existe dúvida de seu real formar:

hermafroditas com rapidez se cortam,

o rosto artificial mais belo abortam

de quem em corpo pretendia triunfar.

É quase obrigação tal desrecato,

bem ao contrário de tempo não distante,

em que sentavam com os joelhos apertados

e por descaso ou puro desacato,

agora os abrem para cada circunstante,

mesmo cobertos seus órgãos cobiçados.

 

EXPOSIÇÃO II

 

O problema é que tanta exposição,

desnutrida de seu pretérito segredo,

torna vulgar o que antes era ledo,

perdendo mesmo sua força de atração

e na verdade existe pouca sedução

nessa foto que tocar possa algum dedo,

não que a nudez me cause qualquer medo,

em sendo bela desperta até paixão.

Mas as estátuas e os quadros dos pintores,

mesmo mostrando uma nudez frontal,

não exageravam em expor o vaginal,

que algum recato precisam ter amores

e aquilo que se expõe a todo mundo

não mais desejo desperta assim profundo.

 

EXPOSIÇÃO III

 

Não sei sequer se desperta autoerotismo

a fenda aberta e feroz em desafio,

que a sugestão incita mais ao cio,

por mais que alguém se incline ao onanismo;

um trecho lido que descreva em realismo,

com progressiva nudez corpo macio,

para um abraço final de amor e brio,

em mim, ao menos, desperta o romantismo.

Ao ver tal exposição sinto até pena,

notando a fêmea transformada em objeto,

sem carinho inspirar e sem afeto;

não é o pudor em mim que isto condena,

mas ver o vinho azedar-se num vinagre,

sem que a visão qualquer amor consagre.

 

CACOS DE VENTO I – 4 MAI 20

 

o vento sopra forte contra a Face

e se divide em dois, igual que um Rio

ao encontrar uma pedra, em Corrupio,

como se o ar igual sólido Ficasse.

recolhe o rosto o frescor que se Estampasse

em tal assalto constituído de Arrepio,

as expressões a variar em Desafio,

conforme essa lufada lhe Agradasse

ou a rajada lhe causasse algum Desgosto,

mas o que importa é que o ranger dos Dentes,

enquanto morde o vento e o vento Mordem,

em dois a faixa rasga desse Encosto

e dois fluxos se formam, Contundentes

contra as orelhas em que assobios se Acordam.

 

CACOS DE VENTO II

 

ventos guardados ficam bem mais Fracos,

só tem a ânsia de te Acariciar,

pelas tuas faces carinhos a Soprar,

no fim das contas são lixados Cacos;

melhor então que se mantenha em Sacos,

iguais àqueles que Ulysses foi Buscar,

para as pandas velas poder-se Desfraldar,

nas calmarias a soltar seus Nacos,

sem esquecer a ambição do Marinheiro,

que ao ver o saco muito bem Guardado,

pensando haver ali qualquer Tesouro,

durante a noite achegou-se, Sorrateiro,

para os cordões desatar, tão Descuidado

que fez o barco naufragar em basto Estouro.

 

CACOS DE VENTO III

 

mas o meu vento é frio como Saraiva,

transmogrifado em sólido Incolor,

pequenos golpes a causar-me leve Dor,

são as lufadas que sentem maior Raiva

e então se partem em tais blocos de Gelo,

tombando ao chão num leve Tilintar,

sobre os artelhos nus a se Espalhar,

qual de chuva de caliça tendo o Selo

e então me abaixo e encho as Algibeiras

com esses flocos de gelo que foi Vento

e a casa os levo para meu Sustento;

em fios de seda os prendo como Esteiras,

a derretê-los em dias de Calor,

como um reforço para meu Ventilador!

 

CACOS DE VENTO IV

 

se nunca viste tais cacos de Vento,

eles se encontram enroscados nas Esquinas,

em um conluio de feras Assassinas,

a esperar em tocaia o teu Momento

e quando dobras a esquina, em Espavento

desenrolam sobre ti as suas Bobinas,

a desfiar-se em borrascas Pequeninas,

a te empurrar para trás em Desalento!

então se abraçam pelos teus Cabelos

e com eles vão tecer a própria Malha

ou arrancar da cabeça a Cobertura,

por mais que sejam gentis em seus Desvelos,

a sua potência ardilosa nunca Falha,

igual carícias de gélida Textura...

 

ENTRE AVAS E AVECÊS I – 5 MAIO 20

 

Não sei se alguém recorde que me lê

da Ava Gardner de trajeto triunfal, (*)

pelas telonas gentil mulher fatal,

antes que houvesse esse triunfo da tevê.

(*) Pronuncia-se “Êiva”.

 

Já no cinema temi sofrer de um avecê,

esse acidente vascular-cerebral,

ou de AVA, acidente vertebral-anal,

coisa bem desagradável, já se vê!...

 

Não é que Ava fosse atriz tão excelente,

porém seu rosto mutável e expressivo

e as curvas de seu corpo tão ativo

 

bater fizeram o coração de muita gente,

quando a coluna comprimiam esses assentos

a que os cinemas davam poucos provimentos!

 

ENTRE AVAS E AVECÊS II

 

Assim transitam as antigas glórias...

Quem de Gloria Grahame hoje recorda?

De Talullah Bankhead quem se acorda,

participantes de tantas histórias...

 

famas e glórias não são peremptórias:

a propaganda um belo rosto borda,

o seu sinuoso corpo nos aborda,

nessas paragens de luzes transitórias...

 

mas o cinema mais antigo era discreto,

até o beijo sendo mais um encostar,

alguma vez até com a mão a disfarçar

 

o que, de fato, era um segredo não secreto,

que fosse apenas um beijo pretensioso,

puro disfarce sem ter nada de amoroso...

 

ENTRE AVAS E AVECÊS III

 

Tais filmes em nada conduziam a um avecê,

mas dramalhões davam até “dor-de-barriga”,

confome alguns diziam, em troça a fazer figa,

talvez no AVA que mencionei mesmo se crê...

 

mas nas cenas de combate que se vê,

inicialmente só de cowboys em briga,

a pouco e pouco um realismo se consiga,

a plateia até assombrada, como se

 

realmente até mortes ali ocorressem,

mostrando horríveis as mutilações...

de modo igual que os beijos se prendessem

 

nessas bocas das atrizes sem amor,

até que o sexo explicita hoje emoções,

aberto e exposto num vácuo de calor...

 

ENTRE AVAS E AVECÊS IV

 

Porém tais cenas se costumam repetir,

até que um take agrade ao diretor;

como esperar que mostre igual vigor

protagonista a excitação fingir...?

 

Relações Públicas explicam que esse agir

é executado por dublês com mais ardor,

especialmente quando o digital pendor

fácil um rosto pode a outro substituir...

 

Embora hoje essa nudez frontal

seja essencial, em todo filme requerida,

de algum modo a ser introduzida

 

em um script, sem que seja natural:

longe o tempo que Michelle Morgan nos surpreendeu

mostrando os seios nesse orgulho que foi seu...


Nenhum comentário:

Postar um comentário