INDIFERENÇA I – 1º MAIO 2020
Se não se ama, como dói a bruma
nesse vazio em que nos sopra o vento
por toda a mente e o coração, alento
estranho, que em pulmão nada se assuma.
Navega a mente qual deserta escuna,
qual relicário sem guardar um osso bento,
águia
ferida em seu adejo lento,
ou maré baixa entanguida numa duna.
Se não se ama, como gela o sangue,
coagulado de antanho, semimortas
recordações de quando se era gente...
se não se o pode ter, a mente é um mangue
de crustáceos ressequidos, raízes tortas,
acutiladas no vazio sem dor da mente...
INDIFERENÇA II
Se não se ama em ato desconforme,
que dalma a calma toda se espavente;
viver se pode, mas é insucesso que se tente,
todo ocupado por esse vácuo enorme,
esse oco que na alma se deforme,
cada emoção ali cortada rente;
nesse pisar em lã que a gente sente,
toda razão e julgamento dorme...
Se não se ama, o chão acinzentado
reflete apenas mil passos sem sentido,
o próprio coração todo cortado;
cada válvula em linfa o sopro perde,
o vapor dentre os pulmões amortecido
e igual perdida a memória que se herde.
INDIFERENÇA III
Mal se recorda que o amor nos perseguiu,
os pulmões a estufar nessa harmonia,
que se ampliava em cantos de alegria,
de cada artéria avermelhado o fio,
que cada órgão firmemente conduziu
em uma orquestra de afinada melodia
em que a consciência de nós mesmos se
perdia:
cansaço e tédio o amor inteiros consumiu.
Porque esse amor é exigente proprietário
sobre cada peça de sua casa vigilante
desse corpo que transformou em sua
mansão;
e nos percorre com ademanes de
incendiário,
nos ouvidos sempre firme, na visão
constante,
sem nos perdoar por um instante a
escravidão.
CATAPULTA I – 2 MAIO 2020
Fui tomado de assalto novamente,
sem compreender esse bem inesperdo,
mal percebendo o gargalhar do fado,
sem mais agir de forma pertinente;
pois deveria ter sido tudo diferente
para mim, o amplo evento controlado,
aproveitado o bom ensejo revelado,
para a coleta do colar de fogo
ardente...
Mas nada fiz. Falava sem saber
o que proferiria... sei até
que então fingia achar-me
indiferente,
mas é que tinha o cérebro a ferver
ante esse rosto, na mais perfeita fé
da idolatria de um verdadeiro crente.
CATAPULTA II
Pois quando amor nos chega,
realmente,
é mais santo que a mais pura
religião,
busca no outro sua plena aceitação,
acha na outra aceitação fervente,
não nos permite alheia devoção,
ao mundo ateu se mostra complacente,
tudo colore esse amor subjacente,
em seu egoísmo marchetado de paixão.
Raro é que em nós vá crescendo
devagar,
ante a suspeita de que, enfim, chegou
e quando o olhar de outrem nos achou,
nada mais temos a fazer senão amar...
Que coisa tola, quando assim
descrita,
mas que sentida será a coisa mais
bonita!
CATAPULTA III
E quando chegam esses olhos a piscar,
as pupilas circulares escondidas,
os cílios a iniciar lutas renhidas,
ou escaramuças em que é fácil
dominar,
é quando o coração, num desleixar,
aceita as cem mentiras prometidas,
diversas sempre, após serem
pemitidas,
porque queremos nos deixar
capturar...
E assim a parca teceu o meu destino,
tirou de mim o alvedrio que possuia
e me fez percorrer o fio sem fim,
já que é imanente esse bem tão
pequenino,
que sempiterno e imenso então se
cria,
no anseio firme de ludibriar-se
assim...
EXPOSIÇÃO
I – 3 MAIO 2020
Do
jeito como as coisas se comportam,
se
uma modelo seu book quer criar,
deve
uma foto da vagina ali anexar,
em
garantia do sexo que portam;
não
existe dúvida de seu real formar:
hermafroditas
com rapidez se cortam,
o
rosto artificial mais belo abortam
de
quem em corpo pretendia triunfar.
É
quase obrigação tal desrecato,
bem
ao contrário de tempo não distante,
em
que sentavam com os joelhos apertados
e
por descaso ou puro desacato,
agora
os abrem para cada circunstante,
mesmo
cobertos seus órgãos cobiçados.
EXPOSIÇÃO
II
O
problema é que tanta exposição,
desnutrida
de seu pretérito segredo,
torna
vulgar o que antes era ledo,
perdendo
mesmo sua força de atração
e
na verdade existe pouca sedução
nessa
foto que tocar possa algum dedo,
não
que a nudez me cause qualquer medo,
em
sendo bela desperta até paixão.
Mas
as estátuas e os quadros dos pintores,
mesmo
mostrando uma nudez frontal,
não
exageravam em expor o vaginal,
que
algum recato precisam ter amores
e
aquilo que se expõe a todo mundo
não
mais desejo desperta assim profundo.
EXPOSIÇÃO
III
Não
sei sequer se desperta autoerotismo
a
fenda aberta e feroz em desafio,
que
a sugestão incita mais ao cio,
por
mais que alguém se incline ao onanismo;
um
trecho lido que descreva em realismo,
com
progressiva nudez corpo macio,
para
um abraço final de amor e brio,
em
mim, ao menos, desperta o romantismo.
Ao
ver tal exposição sinto até pena,
notando
a fêmea transformada em objeto,
sem
carinho inspirar e sem afeto;
não
é o pudor em mim que isto condena,
mas
ver o vinho azedar-se num vinagre,
sem
que a visão qualquer amor consagre.
CACOS
DE VENTO I – 4 MAI 20
o
vento sopra forte contra a Face
e
se divide em dois, igual que um Rio
ao
encontrar uma pedra, em Corrupio,
como
se o ar igual sólido Ficasse.
recolhe
o rosto o frescor que se Estampasse
em
tal assalto constituído de Arrepio,
as
expressões a variar em Desafio,
conforme
essa lufada lhe Agradasse
ou
a rajada lhe causasse algum Desgosto,
mas
o que importa é que o ranger dos Dentes,
enquanto
morde o vento e o vento Mordem,
em
dois a faixa rasga desse Encosto
e
dois fluxos se formam, Contundentes
contra
as orelhas em que assobios se Acordam.
CACOS
DE VENTO II
ventos
guardados ficam bem mais Fracos,
só
tem a ânsia de te Acariciar,
pelas
tuas faces carinhos a Soprar,
no
fim das contas são lixados Cacos;
melhor
então que se mantenha em Sacos,
iguais
àqueles que Ulysses foi Buscar,
para
as pandas velas poder-se Desfraldar,
nas
calmarias a soltar seus Nacos,
sem
esquecer a ambição do Marinheiro,
que
ao ver o saco muito bem Guardado,
pensando
haver ali qualquer Tesouro,
durante
a noite achegou-se, Sorrateiro,
para
os cordões desatar, tão Descuidado
que
fez o barco naufragar em basto Estouro.
CACOS
DE VENTO III
mas
o meu vento é frio como Saraiva,
transmogrifado
em sólido Incolor,
pequenos
golpes a causar-me leve Dor,
são
as lufadas que sentem maior Raiva
e
então se partem em tais blocos de Gelo,
tombando
ao chão num leve Tilintar,
sobre
os artelhos nus a se Espalhar,
qual
de chuva de caliça tendo o Selo
e
então me abaixo e encho as Algibeiras
com
esses flocos de gelo que foi Vento
e
a casa os levo para meu Sustento;
em
fios de seda os prendo como Esteiras,
a
derretê-los em dias de Calor,
como
um reforço para meu Ventilador!
CACOS
DE VENTO IV
se
nunca viste tais cacos de Vento,
eles
se encontram enroscados nas Esquinas,
em
um conluio de feras Assassinas,
a
esperar em tocaia o teu Momento
e
quando dobras a esquina, em Espavento
desenrolam
sobre ti as suas Bobinas,
a
desfiar-se em borrascas Pequeninas,
a
te empurrar para trás em Desalento!
então
se abraçam pelos teus Cabelos
e
com eles vão tecer a própria Malha
ou
arrancar da cabeça a Cobertura,
por
mais que sejam gentis em seus Desvelos,
a
sua potência ardilosa nunca Falha,
igual
carícias de gélida Textura...
ENTRE AVAS E AVECÊS I – 5 MAIO 20
Não sei se alguém recorde que me lê
da Ava Gardner de trajeto triunfal, (*)
pelas telonas gentil mulher fatal,
antes que houvesse esse triunfo da tevê.
(*) Pronuncia-se
“Êiva”.
Já no cinema temi sofrer de um avecê,
esse acidente vascular-cerebral,
ou de AVA, acidente vertebral-anal,
coisa bem desagradável, já se vê!...
Não é que Ava fosse atriz tão excelente,
porém seu rosto mutável e expressivo
e as curvas de seu corpo tão ativo
bater fizeram o coração de muita gente,
quando a coluna comprimiam esses assentos
a que os cinemas davam poucos provimentos!
ENTRE AVAS E AVECÊS II
Assim transitam as antigas glórias...
Quem de Gloria Grahame hoje recorda?
De Talullah Bankhead quem se acorda,
participantes de tantas histórias...
famas e glórias não são peremptórias:
a propaganda um belo rosto borda,
o seu sinuoso corpo nos aborda,
nessas paragens de luzes transitórias...
mas o cinema mais antigo era discreto,
até o beijo sendo mais um encostar,
alguma vez até com a mão a disfarçar
o que, de fato, era um segredo não secreto,
que fosse apenas um beijo pretensioso,
puro disfarce sem ter nada de amoroso...
ENTRE AVAS E AVECÊS III
Tais filmes em nada conduziam a um avecê,
mas dramalhões davam até “dor-de-barriga”,
confome alguns diziam, em troça a fazer figa,
talvez no AVA que mencionei mesmo se crê...
mas nas cenas de combate que se vê,
inicialmente só de cowboys em
briga,
a pouco e pouco um realismo se consiga,
a plateia até assombrada, como se
realmente até mortes ali ocorressem,
mostrando horríveis as mutilações...
de modo igual que os beijos se prendessem
nessas bocas das atrizes sem amor,
até que o sexo explicita hoje emoções,
aberto e exposto num vácuo de calor...
ENTRE AVAS E AVECÊS IV
Porém tais cenas se costumam repetir,
até que um take agrade ao
diretor;
como esperar que mostre igual vigor
protagonista a excitação fingir...?
Relações Públicas explicam que esse agir
é executado por dublês com mais ardor,
especialmente quando o digital pendor
fácil um rosto pode a outro substituir...
Embora hoje essa nudez frontal
seja essencial, em todo filme requerida,
de algum modo a ser introduzida
em um script, sem que seja
natural:
longe o tempo que Michelle Morgan nos surpreendeu
mostrando os seios nesse orgulho que foi seu...
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