PELES GÊMEAS I – 10 JUL 20
se o homem e a mulher coabitam Longos
períodos de vivência, lado a Lado,
seus cheiros se misturam, Conjugado
o sangue e o alimento: são dois Gongos.
seus gérmens coabitam, as Bactérias
proliferam de um na outra, então se Cruzam;
palavras trocam, hábitos Escusam
e compartilham mais tantas Matérias...
contudo as almas não dividem Cheiros,
tem outros gostos, toques e Carinhos,
as almas não se fundem, mas se Esfolam:
só quando surgem amores Verdadeiros,
é como se tais almas, seus Caminhos
entrecruzassem numa alma em que se Isolam.
PELES GÊMEAS II
os cheiros não pertencem só à Pele;
são guardados nas paredes de suas Casas,
nos tetos, nos assoalhos, quaisquer Vazas
que a permanência mais longa no ar Sele.
o som das vozes a que amor ou ódio Apele,
tambem ficam entremeados como Gazas;
talvez mais do que os cheiros sejam Rasas,
talvez num canto em teias se Compele
a voz perdida da boca Original
e o som de um beijo, por mais seja Formal:
a casa vive de seus Habitantes
e se esses partem para não mais Voltar,
conserva ainda, tal qual cão a Vigiar,
porém sem serem tão potentes como Dantes.
PELES GÊMEAS III
uma cidade igual guarda uma Película,
que sobrenada a cada Moradia,
mais nos telhados presa do que em Via,
qual protoplasma de proporção Ridícula.
em certas partes, a pele é mais Minúscula,
enquanto em outras mais se Condensaria,
um arco-íris de odores talvez Trescalaria
sobre escolas, em proporção Maiúscula.
ali se encontram camadas Superpostas,
parte alimento, em parte Dejeções,
a conferir característica às Cidades.
talvez em certos pontos te Desgostes,
cada bueiro a soltar Exalações,
cada janela a refletir as suas Maldades.
PELES GÊMEAS IV
mas o teu cheiro entranhou-se Firmemente,
não em narinas, conserva-se na Alma,
em que perdura numa graciosa Calma,
não o perfume que empregas mais Frequente,
e nem ao menos o que da carne se Pressente:
de cada traço provém que a mente Embalma,
de cada qualidade em branda Palma,
só meu espírito com certeza o Sente.
e assim me vejo emaranhado em tal Novelo,
meus fios de alma aos teus Entrelaçados,
de um olor peculiar sendo Dotados,
cada barbante a lançar a outro Apelo,
sem que sequer possam ser Ignorados,
quais duas sombras a lacrar o mesmo Selo.
ENTRE PARÊNTESES I – 11 JULHO 2020
Agora é moda usar os corretores
dentários, para as presas alinhar,
para melhores sorrisos ostentar,
abrilhantando esgares sedutores...
Não são mais só de crianças tais pendores,
vão os dentistas em adultos trabalhar,
pois de algum modo se precisam sustentar
os odontólogos que realizam tais labores...
Surgem assim tantas bocas comerciais,
na sugestão de uma existência comedida,
passada no conforto, em paz, na calma.
Belos tais dentes, mesmo nada naturais...
Mas não os meus!... Gastei a morder Vida
e se partiram, qual rompeu-se a alma!...
ENTRE PARÊNTESES II
Os canibais usavam em pendentes
belos colares feitos de marfim,
sem elefantes sacrificar assim:
das refeições conservavam muitos dentes.
E no Ceilão ainda existem muitos crentes
guardar-se algum do Buddha.
Um querubim
desceu à Terra para aliviá-lo, enfim
de odontalgia das mais impertinentes!
Quando Gautama moveu-se para a China,
ficou o dente guardado em relicário,
o tesouro principal de seu sacrário,
contradição da doutrina que ele ensina
de religião sem deuses, afinal,
porém da qual se tornou o principal!
ENTRE PARÊNTESES III
Não sei se os dentes alinham dos vampiros;
talvez algum pretenda até limar
as belas presas que têm para sugar,
na contração de hematófagos suspiros...
Só imagino se em qualquer de tantos giros
o Conde Drácula chegasse a consultar
para um molar ou incisivo obturar,
anestesia a regular os seus respiros...
E ao acordar, notasse a diferença:
“Mas quem te autorizou o atrevimento?”
“Ora, achei que mais simpático seria
“o seu sorriso... sem qualquer ofensa!”
“Crescem de novo, porém neste momento,
com esta broca teu pescoço eu abriria!...”
ENTRE PARÊNTESES IV
Que assim melhore cada qual sua dentadura,
sem esquecer de que, depois, deve escovar,
três vezes ao dia, para não cariar,
nem um bafo provocar que não se atura!
Em certos crânios ancestrais ainda perdura
uma prótese de madeira, que aplicar
conseguiu um tiradentes, e assim tornar
a mordida do cliente bem mais pura!
Naturalmente, enquanto o açúcar era raro
as caveiras conservavam muitos dentes,
sendo guardadas com carinho por parentes,
comprar dentes de estranhos sendo caro,
contribuição se pediria à vovozinha,
para da neta deixar a boca bonitinha!...
GOTAS
DE AZEITE I – 12 JUL 2020
Se
quadras não herdei de sesmaria,
Nem
formosas mansões pela cidade,
Em
minha vida obscura e sem maldade,
Tampouco
eu invejei quem mais teria;
De fato
eu sei que herdei capacidade
Maior
do que demonstra a maioria;
A mente
e o coração vejo, à porfia,
Empenhar-se
com igual perenidade;
Mas encontrei
maus fatos, circunstâncias
Que me
levaram a vida a desgastar,
Sempre
em favor dos outros, sem louvor
E ainda
me acho emaranhado em tais instâncias,
Qual
vinho bom levado a misturar
Em
coquetéis de bem dúbio valor...
GOTAS
DE AZEITE II
São bem
diversos os dons que se recebe
Em
nossas vidas amplamente desiguais;
Tenho o
que tive e já não busco mais,
Limite
existe para o vinho que se bebe...
Na
minha idade, certamente se percebe
Que
existem outros com dotes naturais,
Mais do
que os meus, em tolices consensuais
Desperdiçando,
que o valor não se concebe;
Eu
sempre soube qual o valor que tinha,
Mas
enredei-me em múltiplos cordéis,
Para
atender às demandas ao redor,
Até
aceitar a razão por que aqui vinha,
Sem
mais rancores ou lastimar anéis,
Qual
capataz do que sou possuidor.
GOTAS
DE AZEITE III
Esses
que herdaram, bem raro fizeram
Uso
adequado das possibilidades,
Limitados
a viver em sociedades,
Gastando
aos poucos o muito que tiveram;
Meus
ancestrais, contudo, me deixaram,
Nas
espirais do genoma qualidades:
Nada de
sólido, só potencialidades,
Que
somente em meus poemas se aplicaram;
Porém
percebo que não houve desperdício,
Quanto
mais escrevi, sobrou-me mais,
Por
entre os dedos correndo em cabedais
E
agrilhoado da poética no vício,
Cumpro
somente meus deveres naturais,
Sem
jamais crer ser meu qualquer resquício.
GOTAS
DE AZEITE IV
Não
obstante, é como eu fosse azeite,
Nessas
gotas que melhoram o sabor,
Mas que
sozinhas terão pouco valor,
Que
prometeram rios de mel e rios de leite;
Se meu
computador não desse aceite,
Tudo
estaria guardado e sem calor;
Tudo
pensado, não sou disso possuidor,
Não há
razão para louros em que deite;
No
tempo em que compunha ao meu piano,
Desconfiava
ser do teclado a melodia
Que tão
fácil dos dedos me brotava;
E agora
penso, talvez para meu dano,
Que
cada verso está na rede em sintonia
E que
sem mim, qualquer outro o digitava.
O ERRE PERDIDO [para Neusa Tânia]
Se meu Erre for peRdido, o que faRei?
ReconquistaR, RecuperaR, RastreaR,
ReteR?
uma palavRa mais não posso concebeR
que me indique o caminho e já nem sei
paRa o que seRve esse eRRe doRavante:
RasgaR, RoubaR, RecalcitRaR, RugiR?
ou pela falta de um eRRe peRquiRiR
onde ocultou-se esse sinal
Rascante...?
meu eRRe Risca o céu, como um
coRisco,
Rapidamente Retira a pRopRiedade,
transforma AMO em RAMO sem vaidade...
e, num Relance, peRcebo, com abalo:
que o eRRe não me Rasga, mas belisco
o céu da boca, a fim de
pronunciá-lo...
Nenhum comentário:
Postar um comentário