SILHUETAS BRANCAS I –
18 ABR 20
Se o mundo fosse
negro, a tua silhueta
seria branca em plena
solidão,
não multicor, qual
quer o coração,
forte o contorno que
tal pressão afeta;
cada linha circundante
que completa
o campo branco em sua
afirmação
a empurrar para trás a
escuridão,
nessa imagem invisível
mas dileta.
Mas sendo o mundo de
fato colorido,
a tua silhueta se
apresenta preta,
mais um borrão,
contudo impermanente;
terá o negro mais
força em seu olvido,
ganha das sombras que
ao redor projeta,
sem o multicor
resistir mais firmemente.
SILHUETAS BRANCAS II
Mais uma sombra pelo
mundo se desloca
do que uma nuvem pura
de brancor,
a recobrir quanto
existe multicor,
num movimento a que o
olhar se enfoca;
silhueta branca em seu
refúgio entoca,
sem conseguir afirmar
o seu pudor,
por mais que seja puro
o seu vigor,
ao deslocar-se, seu
contorno se reboca
com a argamassa do
mundo ao derredor,
com o arco-íris tardio
a se mesclar,
já que o branco de
toda cor é o resultado,
enquanto o negro
apenas nega a cor,
mesmo esticado em seu
longo projetar,
mas sem nada conservar
do conquistado.
SILHUETAS BRANCAS III
Silhuetas brancas irão
adsorver (*)
as cores ao redor,
cada nuance,
que em torno se
encontre a seu alcance,
silhuetas negras
somente a escurecer
e contra esse cenário
a se mexer,
sem nada conquistarem
que descanse,
mesmo na noite que
toda a cor balance,
tudo se encontra ali
para se ver.
(*) Prender a seu
redor.
Dominaria só se o
mundo fosse branco,
mas seu poder é apenas
aparente
e de nenhuma
escuritude arranco
tua silhueta a
abraçar, por mais sutil
que para mim colorida
se apresente,
numa guirlanda
reluzente como anil.
SILHUETAS BRANCAS IV
Mas tua silhueta só
existe no mental,
teu corpo é sólido a
cada vez que o beijo,
multicolorido inteiro é
meu desejo,
vermelho e rosa o seu
poder carnal;
teu vulto eu amo com
fragor real,
embora oscile, talvez,
em cada ensejo,
busca o negror em seu
fugaz adejo
e o táctil branco em
seu gozo material.
Tuas silhuetas colorizam
minha lembrança,
como translúcidas
nervuras de um arco-íris,
iguais miragens
transparentes de calor;
mas enquanto a carne
natural se alcança,
não importa a
intermitência com que gires,
cada silhueta
amplifica o meu amor.
SILHUETAS BRANCAS V
Igual silhueta enxergo
o meu cansaço,
nem pena branca nem
bloco de negror,
mais na tendência de
um pálido cinzor,
mas da fadiga me
esqueço em teu abraço;
como silhueta percebo
o doce laço
de sombra e nuvem
alternante de pendor,
a cinza pálida a
refletir fulgor,
a sombra negra
transparente a cada passo.
Como silhueta percebo
o teu regaço,
a cada vez que sobre
ele me debruço,
alabastrino seu
perfume de magia;
como silhueta percebo
o tempo escasso
em que o olhar por
sobre o teu aguço,
qual madrepérola que
na sombra refulgia.
DOR
E POESIA I – 19 ABR 2020
A
dor não passa por descrença alheia,
quando
nos olham e mesmo nos invejam,
quando
parece que os fados nos ensejam
a
riqueza que brilha e a glória que incendeia.
Quando
parece que do amor a veia
nos
enche de alegria e então alvejam,
com
dedos de rancor, por mais que estejam
tão
enganados quanto ao mal que nos anseia.
Porque
dor não se enxerga, se a coragem
nos
mantém em disfarce sorridentes,
quando
nos veem e parece nada temos,
quando
não sabem a mágoa que escondemos,
juntas
e músculos em igual miragem,
seguindo
em frente e à pena indiferentes.
DOR
E POESIA II
De
modo igual, quando alguém de dor se queixa,
podemos
encará-la em plena simpatia
ou
até mesmo partilhar com empatia,
mas
penetrar na dor ninguém nos deixa.
Por
mais que o sofrimento ali se enfeixa,
a
dor pertence somente a quem sentia;
de
fato o egoísmo até mesmo a ampliaria,
a
reafirmar sua pena a cada endeixa.
Mas
como, realmente, não se sente,
mesmo
que hoje existam aparelhos
que
nos permitam medir a intensidade,
é
qual fantasma que nunca se apresente,
salvo
quando nos pisem nos artelhos,
mas
já essa é outra dor na realidade...
DOR
E POESIA III
Tudo
encarado, a dor é mesmo um dom
que
com ninguém pode ser compartilhado
e
as próprias dores que sentimos no passado
são
endorfinadas de seu primevo som.
E
se da própria dor esquecemos o amplo tom,
nosso
consciente em breve já aliviado,
será
impossível sofrer igual cuidado
por
dor alheia, um mecanismo bom,
que
nos impede de ficarmos loucos,
sentir
a dor alheia algo de horrível,
como
diziam que na cruz Jesus sentia,
um
castigo que suportariam muito poucos;
mas
me limito a tornar a dor sensível
e
transformá-la em blocos de poesia...
DOR
E POESIA IV
Não
me refiro somente à dor moral,
que
em tese seja bastante compreensível,
lugar-comum
se afirmar ser impossível
ser
um poeta sem tal dor espiritual.
O
que eu sei é da dor mais material,
quando
em mim sofre parte perecível,
que
a utilizo como ardente combustível
para
uma resma de versos mais carnal.
Mas
tu que lês me encaras com descrença:
que
uma enxaqueca em versos se transforme!
Ou
a dor aguda que sente o pé torcido?
Mas
sempre fiz assim: que a dor pertença
ao
âmbito poético, em versos mais conforme
com
o ardor moral que mais fácil seja crido...
ADIAMENTOS
I – 20 / 4 / 20
Nunca
fujo ao trabalho, mas há coisas
que
quando posso adio constantemente,
nem
sempre a mais difícil ou mais ingente,
talvez
as rimas mais raras de se achar;
numa
expressão corrente sobram “loisas”,
que
talvez sejam “lousas” realmente;
então
as venho pospondo de indolente,
até
que solução melhor possa encontrar...
mas
tudo isso não passa de tolice,
as
vagas buscas de ritmos e rimas,
essa
ânsia de futuro e de fascínio,
porque
destino não passa de crendice,
os
fatos surgem em surtos como mimas
e
após seu auge só pode haver declínio.
ADIAMENTOS
II
Não
obstante, será que um auge existe?
Ao
menos para mim, tudo é rotina,
cada
emoção que me alegra ou me assassina
eu
transformo moralmente em meu alpiste
e
a autopsio segundo em mim insiste,
como
um pássaro cujo gorjear fascina,
mas
que canta por instinto que o domina
e
sigo essa emoção que em mim aviste.
É
mais um surto de escolhido tema,
que
em sonetos a fio então persigo,
até
que passe o seu real declínio,
mas
não porque quebrei a estranha gema,
é
que a novo surto de versos eu me ligo,
ante
o brilho a cintilar de seu fascínio.
ADIAMENTOS
III
Na
verdade, nunca pensei que fosse assim;
sempre
gostei dos versos de poetas,
mesmo
em criança, quando mais diletas
são
as histórias em prosa de aladdim...
mas
esses ritmos incorporei enfim
e
inicialmente, com intenções secretas
a
outros atribuía as próprias setas;
de
alheios versos compus música afim.
Naturalmente,
seus defeitos corrigia,
de
concordância ou qualquer rima insegura,
para
mais bela tornar minha partitura
e
aprimorava qualquer poema que trazia
algum
amigo ou amiga mais ansioso,
seu
resultado tornando mais formoso.
ADIAMENTOS
IV
E
de repente, versos próprios me saíam,
audaciosos
e até mesmo irreverentes,
pouco
importando se deixavam descontentes
a
meu redor alguns desses que os liam,
ou
que de minhas metáforas alguns riam,
nas
incertezas que a inveja traz assentes
ou
nesse espanto de versos surpreendentes;
logo
algum tema de mim já requeriam...
Mas
desde então eu já negava ser poeta
e
ainda hoje encaro em incerteza
que
essas frases de pendor iridescente
de
fato sejam minhas na indiscreta
convicção
que me impuseram tal proeza,
por
mais que a renegasse inicialmente.
VERSOS AMBARINOS I – 21 ABR 2020
Pensam alguns que só um amor apaixonado
permite a alguém redigir versos de amor
e tantos outros os declaram sem valor,
como um esforço passageiro e descuidado.
Mas não preciso me achar enamorado
para escrever tantas frases com vigor,
apenas lembro um velho encanto de calor
e por tal morta emoção sou inspirado
e nesses tempos em que nutria uma paixão
até descria de que versos majestosos
razão tivessem se não fossem amorosos...
Porém não é assim que brota a inspiração,
porque o amor de fato nunca morre,
mesmo quando entre os dedos nos escorre.
VERSOS AMBARINOS II
Não acredito que um clímax se atinja
mais permanente que transitório orgasmo;
olho ao redor, na tonteira de meu pasmo,
cada elemento a escolher do que me cinja.
É necessário, entretanto, que se finja
o desencanto contido no marasmo
e a alegria exultante do entusiasmo:
faço exercícios diários como um ninja,
mantendo assim aberto, permanente,
este canal que conduz não sei aonde,
essa pressão de uma eclusa aberta.
Embora, às vezes, por receio tente
por não saber em que lugar se esconde,
conter essa torrente em mim desperta.
VERSOS AMBARINOS III
Na verdade, uma corrente de cachoeiras,
tal e qual as Sete Quedas do Iguassu,
que uma grande barragem a nível cru
apagou de nossas terras brasileiras.
Sua erosão a meu peito pôs a nu,
mas nunca passam as águas derradeiras,
as rochas se ressaltam das pedreiras,
surgem raízes resistentes com ombu, (*)
porém o que me deixa apalermado
é a quantidade de rascunhos que guardei,
seus números a subir constantemente.
(*) Frondosa árvore típica do pampa, que cresce em solidão.
.
E assim me vejo com frequência pressionado,
pois de fazer versos novos não parei
e então me afogo em redemoinho permanente.
VERSOS AMBARINOS IV
Quase sempre passo a limpo os mais recentes,
cujos lamentos a pele inteira me percorrem;
já nas gavetas os mais antigos morrem
e é preciso replantar as suas sementes.
Ressurreições só ocorrem infrequentes
e tantos novos diariamente acorrem
que umas novas prateleiras já me forrem
e me parecem ser tarefas mais prementes.
A musa antiga era menos exigente,
porém requer para si ilustração:
guardo cem ppt’s em meu arquivo...
quando os resgato, sua fome é inclemente,
alguns me rasgam a pele e o coração,
outros me obrigam digitar com sangue vivo!
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