RÉSTIAS
DE LUZ I – 21 JUN 2020
Mais
de uma vez já estendi a mão
para
pegar um fragmento de papel
e
meus dedos não tocaram nem cordel,
mas
sorrateiro rastro da iluminação,
que
por fresta do postigo, pelo chão,
formava
uma armadilha de ouropel:
nada
de amargo, nem suave como o mel:
somente
a poeira ali meus dedos acharão...
Com
um sorriso nos lábios, me repreendo;
não
é a primeira vez que assim me engano;
o
Sol é astuto e pela menor fenda
agilmente
penetra... Logo a seguir atendo
a
meus deveres sem sofrer o menor dano
e
em breve a luz se apaga de minha senda.
RÉSTIAS
DE LUZ II
O
mais bonito é quando o sol se enfia
por
entre os ramos da vegetação,
em
especial através da galhação
de
uma árvore que imponente ali se erguia.
Não
apenas pingos de luz então se via,
que
efeito havia de uma cônica ilusão,
os
raios cruzavam ao redor em difração
e
então moeda sobre o solo aparecia...
Quando
criança eu até me iludiria,
que
algum pirata perdera ali tesouro
e
meus dedos enfiaria no capim...
Mas
ainda hoje, quantas vezes quereria
fossem
os reflexos reais pingos de ouro,
moedas
vindas para me brindar assim...
RÉSTIAS
DE LUZ III
E
quanta vez , ao longo da existência,
nós
preferimos muito mais nos iludir
que
amor eterno em nós possa persistir
que
a doença ou qualquer mal compensa...
À
memória a retornar com persistência
que
amor são pingos de sol a reluzir,
os
intervalos da tristeza a permitir
que
tais moedas alimentem nossa crença...
E
quanta vez se brinca com a esperança,
querendo
crer naquilo que é impossível
e
que por ser impossível, justifica
Nossa
certeza inefável de bonança,
já
que quanto ser possível não indica
em
nossa alma um acalento inexaurível...
TRANQUIBERNIA I – 22 JUN 20
Após um ano e até mais de hibernação,
meus rascunhos acordaram-se com fome:
por entre os dedos dia após dia some,
nesse esforço de dar a todos difusão!
Esse é o motivo de assim causar
perturbação
entre os amigos... Cada poema sei que
come
boa parcela de seu tempo e o dia
consome
dos mais gentís que me dão aceitação!...
Porém prometo que em breve chega a
hora
em que ao teclado irei menos digitar,
chegado o tempo de estancar-se o
pressionar
ou quando eu mesmo seja levado embora
para essas plagas em que só possa
esperar
qualquer ouvido em que sussurre o meu
outrora!
TRANQUIBERNIA II
Até lá irei agir com igual minúcia:
três séries enviarei pela manhã,
mais três à noite, com igual afã,
a cada dia mil palavras de pelúcia
ou então outras de maior argúcia,
heresias a envolver em branca lã,
malícias transmitidas como rã,
nesse coaxar criado em branda astúcia...
porém sem má intenção. Sou realmente
o portavoz de tempos atrasados
e se alguns versos são mais
desvergonhados,
não vão além de uma nudez
luminescente,
em que o belo e o gracioso são
louvados,
mas sem qualquer exposição mais
indecente.
TRANQUIBERNIA III
Qual tanta vemos hoje, infelizmente,
perdida assim a atração da pudicícia,
sem esperança revolta de malícia,
ao tudo ver-se e tocar-se facilmente.
Sem que pretenda aqui censura mais
valente,
que nesse agir não vejo uma nequícia,
eu só percebo é o cansaço da letícia,
quando tantos a experimentam tão
frequente.
Mais do que imagens, palavras é que
excitam,
breve desgaste a mostrar pornografia,
se margem nega para nossa fantasia;
e assim meus versos mais sensuais
suscitam
qualquer quimera subconsciente que já
havia,
curtas auroras que só teus olhos
fitam...
GOTAS
DE SALIVA I – 23 JUN 2020
Comunicar
informação só deveria
a
palavra, que em si mesma é santa;
mas
ao contrário, a mentira se alevanta
ante
o menor pretexto que a traria.
É
então que grade se constituiria,
na
falsidade que entre os dentes canta,
o
teu engano a língua alheia imanta
e
com a saliva então te iludiria!
Será
que a vida diversa não seria
se
não houvesse o artifício da mentira?
Talvez
aos outros muito mais se ofenderia
se
intensamente empregássemos franqueza,
tanta
verdade que claramente fira
aos
corações eivados de incerteza!...
GOTAS
DE SALIVA II
Até
o ponto em que a memória alcança,
constantemente
as mentiras evitei,
mas
não querendo me gabar aqui estarei:
quando
não minto encontro mais bonança.
Com
algum par a mentira sempre dança:
se
hoje eu minto, amanhã mais mentirei,
a
preservar a falsidade que criei,
bem
cansativa é de fato tal andança!...
Muito
melhor é falar sempre a verdade,
pelo
menos até o ponto que se lembre;
tem
a mentira certo grau de opacidade,
logo
os detalhes se perdem da invenção
e
é preciso que em fascículos desmembre,
até
ficar longa demais essa edição!...
GOTAS
DE SALIVA III
Se
por acaso, pelo título, pensaste
que
eu pretendia descrever o beijo,
não
era minha intenção, mas há ensejo
em
que ósculo qual mentira experimentaste.
Ou
quem sabe, foste tu que o empregaste,
mais
fácil artifício, um menor pejo
a
causar que mentira em que me aleijo:
por
um amplexo de amor já te salvaste?
Desmentir
beijo é bem mais raro precisar;
por
mais que seja uma grade de saliva,
até
o fingido beijo é bem real,
pois
já foi dado e não se o pode retomar:
sempre
algo fica dessa memória esquiva,
em
mentira de amor tão consensual!
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