VIDAS SOTERRADAS I – 31 julho 2020
Desadormeço permeio ao plenilúnio,
Circuncidado em devaneio mais concreto,
Meus olhos facetados qual inseto,
Percorrendo a escuridão num infortúnio.
Nos cantos de meu quarto o solilúnio,
Que se escondera qual defunto feto,
Sua luz nas mãos em sólido objeto,
Num cintilar constante de estrelúnio.
E um vulto condensou-se integralmente,
O seu vapor de meu sangue conformado,
O seu desejo para mim todo voltado,
Essa que amei sem nunca estar presente,
Essa que lembro de mil vidas passadas
Nas mil facetas das noites soterradas...
VIDAS SOTERRADAS II
Nela percebo não mais que desvairança,
De sonhos mal havidos um composto,
De lábios ressequidos pleno gosto,
De injúrias mastigadas em bonança...
Porém a imagem condensou-se em esperança,
Suas feições rescendendo a pão e mosto,
Tanto prazer desmembrado do desgosto,
Tanta certeza de que ao tatear se
alcança...
Que mulher é esta assim feita de penumbra,
No dilúculo da tarde moribunda,
Nessa memória dos extintos ventos?
Nesse odor que às narinas me ressumbra,
Nesse espanto que na mente se aprofunda,
Enquanto os olhos se fazem mais atentos!...
VIDAS SOTERRADAS III
Pleno e real o fantasma deste sonho,
Que sinto ainda nos dedos o macio
Da pele apeluciada... Ainda o bafio
De sua respiração... Então me ponho
Ereto diante dela... Antes dormisse,
Mas estava agora em pé e a abraçava,
Sentia-lhe a carne tenra e circundava
Com as mãos os ombros finos que cingisse
E as mãos dela percorriam-me a cintura,
Sólidas mãos em suas falanges delicadas,
E de seu beijo inda o sabor me permanece,
Tão doce a lâmia em maldição tão pura,
Criada apenas nos sabores enevoados
De meus desejos marchetados numa prece!
ESPASMO
AZUL I – 1º AGOSTO 2020
Não é no
toque que o presente está,
é
pretérito perfeito, ainda em ferrugem,
da carne
os ossos que me afeta e pungem,
gota após
gota, em lembrança que ainda há,
nessa
visão de mil sóis, que nos fará
entretecer
de rosas compostas de penugem
um amor
verdadeiro, qual nos fulgem
as visões
de um só momento ao deus-dará...
a lua
fulge bem no fundo da retina
e o sabor
do sol devoro, enquanto
o vento eu
bebo e beijo o meu espanto
e me
derramo no cintilar da dançarina,
em um
espasmo azul de puro pranto,
que me devora a
vida em lamparina!...
ESPASMO
AZUL II
Tinha
ponteiros, como duas navalhas,
que o
peito abriam para deixar recado
à vida e à
morte nesse instante consagrado,
contigo um
só, permeio às maravalhas;
a morte é
a vida que sobre mim espalhas
e a vida é
a morte nesse instante alado,
nesses
instantes em que amor é perpetrado,
os dias a
escorrer em brancas falhas...
Não que
inda viva nesse dia perdido,
na vida
atual é que morro em cada dia,
nem é no
sono que se tem descanso,
que é só
então que me percebo tido,
em
plenitudo, no espanto do remanso,
ao se apagar
a luz da estrela-guia.
ESPASMO
AZUL III
Contei em
versos. Eu fiz, no meu segredo,
mostrando
ao mundo o que ninguém sabia,
contando
ao mundo o que nem em queria,
porém o
verso me escapou, fugindo a medo.
Bem
preferia ter ficado em seu degredo,
mas enjaulado
em mim, se desfazia,
sem poder
demonstrar-se à luz do dia,
entre os
neurônios de constante enredo...
Meu
devaneio tão escuso pensamento,
que abriu
as válvulas de meu coração
e
revelou-se na fúria de um momento
e então o
poema se escapou, em confissão,
a revelar
em seu estranho julgamento,
quanto eu
amava em meu querer em vão.
EM
OXÍMOROS INCOERENTE I – 2 agosto 2020
Na
vaidade do sufrágio nunca tido
e
que de fato nunca busquei ter,
às
eleições fugindo concorrer,
na
santa paz da dor tenho vivido,
na
agitação do descanso mais comprido,
na
luz esquiva que jamais vou acender,
na
clara escuridão de meu prazer,
enquanto
a solidão tem-me acolhido,
escusa
a fome do amor já satisfeito,
na
locupletação de meu vazio,
nos
artifícios a bailar sinceridade,
no
bom sucesso de qualquer sonho desfeito,
na
vergonha permanente de meu brio,
na
exaltação de minha mediocridade.
EM
OXÍMOROS INCOERENTE II
Pois
nesse masoquismo fujo à dor
e
nesse meu sadismo espalho o bem,
nesse
advento em que a morte me contém,
no som
extinto de um futuro promissor,
em
que a verdura prospera no calor,
em
que fenece a folhagem se a água vem,
queima
a umidade a esperança além,
afoga
o fogo um vapor constrangedor
e
assim se afirma tal contrariedade,
nessa
mágoa da plena concordância,
em
que o amor seco fervilha de rancor,
da
luz brotando tal obscuridade
que
a treva brilha de insignificância,
neste
meu medo corajoso de vigor.
EM
OXÍMOROS INCOERENTE III
Quebrada
a luz, o som todo apagado,
por
vento escuro e azul feito abandono,
de
chuva verde e seda, aqui ressono,
num
palpitar de sangue coagulado;
aberto
coração, flor insincera,
centelha
fria, orgasmo insuspeitado,
lava
que brotada em pranto deliciado
pela
própria razão feita quimera
e
cego fico apenas por momentos,
a
luz enxergam ouvidos multiatentos,
o
som a percutir numa cratera
da
órbita vaga perfurada nesse instante,
pois
só concebe o verso palpitante
quem
vê na sombra o sol da primavera.
EM
OXÍMOROS INCOERENTE IV
E
nessa ausência sinto-me presente,
por
minha vida a manter-me falecido;
de
minha memória a conservar o pleno olvido
e do
vasto esquecimento estar ciente,
em
minha cegueira de luz tremeluzente,
em
meu tímpano doce gosto percutido,
no
paladar de palha o odor nascido,
em
meu olfato o som mais persistente,
que
nada tange meu tato de impaciente
preso
em calor esfuziante de um inverno,
sempre
no frio do verão sendo afligido,
perante
este poema estando ausente,
que
só a ausência o coração torna mais terno,
todo
afogado em teu olhar hoje perdido.
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