sexta-feira, 15 de janeiro de 2021


 

 

ENCABULADA I – 28 MAI 20

 

Dizem que quem para a direita olha

está pensando em inventar mentira

ou uma desculpa e suas vistas gira,

como se o couro cabeludo a si refolha.

 

Com a saliva de seus lábios molha

essa invenção com que o futuro mira,

que seu interlocutor o melhor fira,

mesmo que seja transitória bolha...

 

Ou se olhar para cima, é que procura

lembrar de algo que seja bem real;

se olhar à esquerda busca o mesmo fim.

 

Qual expressão do olhar será mais pura

em demonstrar seus sentimentos, afinal

ou os pensamentos disfarçar assim?

 

ENCABULADA II

 

Em aparência, essa jovem modelo,

que seria Alovina Slovenaja,

está com certo receio de uma vaia,

ao nos apresentar seu peito belo.

 

Envergonhada porque assim podemos vê-lo

e seu biquini segurando... que não caia!

Há alguns momentos já descartou a saia

e agora exibe os seios com desvelo...

 

Mas a expressão brejeira que ali adota

a jovem russa é de fato discutível;

não se envergonha, de fato, do impossível

 

tocar seu corpo através foto ignota

e assim expõe uma beleza que é exaurível,

enquanto sua formosura não se embota...

 

ENCABULADA III

 

Querer parece nos fazer acreditar

que realmente seja a primeira vez

em que ao mundo expõe sua lisa tês,

que ao namorado somente quer mostrar.

 

Não é dotada de uma beleza singular,

salvo a ternura que em seus olhos vês;

algum desconto é preciso que lhe dês,

talvez não esteja tão só a dissimular.

 

Condescendente, se mostra bem graciosa

essa russa, polonesa ou ucraniana,

mas seu olhar enviesado nos reclama:

 

olhos pintados de forma cuidadosa,

mas sem olhar para a câmara de frente,

como indicando ser ainda inexperiente...

 

AURORA I – 29 MAI 20

 

Eu me desperto e inteira te percebo,

qual se estivesses no mundo material,

a expressão de veraz mulher ideal

ou pelo menos, como assim concebo

e teu perfume singular até recebo,

nas minhas narinas em fremir fatal;

os olhos fecho de novo ante o fanal

e a delícia de teus lábios então bebo...

 

mas não estás aqui, és só a aurora,

rosada a penetrar em minhas pupilas,

desencadeando um vulto na memória,

que me encanta totalmente nessa hora,

fragmentos de mulher em longas filas

a recompor-se em ilusão peremptoria!

 

AURORA II

 

Mas é real essa carícia, tão real

qual se estiveras agora do meu lado,

qual se meu corpo por ti manipulado

tivesses em teus dedos de dedal...

É bem real o carinho desse ideal,

ressaibo em minha boca saboreado,

por tua língua meu queixo acariciado:

quanto eu quisera fosse um beijo material!

 

Não recordara esse beijo tão somente,

nem o toque de teus seios, tua vagina,

tangida de meus dedos, levemente,

antes lembrara o toque de tua pele,

por todo o corpo, que a mente se revele,

que para o amor completo me destina!

 

AURORA III

 

Mas para o amor completo é impossível,

toda paixão se demonstra transitória,

por mais que se apresente em plena glória,

todo o vigor hormonal será exaurível;

vem desalento a tornar tudo perecível,

em vão se busca perpetuar essa vitória,

a exaustão a se mostrar peremptória,

o amor físico é parcial no seu transível.

 

Já para o amor da mente algo difere,

não é fruto da emoção em completude,

porém folha de um amor de inteiridade;

e uma vez que tal amor nos fere,

cresce em aurora que de tudo nos escude

e nos ilude em ser amor de eternidade...

 

RAZÕES DE KAFKA I – 30 MAI 20

 

Talvez não tenhas me entendido bem

quando falei em julgamento kafkiano,

mas pensa agora em quanto mal insano

e sem motivo essa tua vida tem!

Dores diárias a te afetar também,

cefaleia, nevralgia em rosto plano,

disenteria sem razão e sem reclamo,

tanta coisinha inesperada que te vem!...

 

As palavras grosseiras que se ouve,

cem desapontamentos encontrados,

até botões a recusar ser abotoados!...

a racha desse prato em que não houve,

sequer batida a ocasionar a perda

dessa coisa tão bonita que se herda!

 

RAZÕES DE KAFKA II

 

Já sem falar de perdas bem maiores,

um resfriado que virou pneumonia,

essa perna que quebramos numa via,

as queimaduras com todos seus horrores

ou ainda ocorrências bem piores,

o diabetes de que a visão sofria,

a perda de audição que ocorreria

ou mesmo carcinomas invasores...

 

Ou a morte de alguém que muito amamos

ou um incêndio a destruir teus bens

ou tempestade a soprar desenfreada...

Quem foi que decretou todos os danos?

Qual é a acusação que de alguém tens?

Por quem te foi tal pena prolatada?

 

RAZÕES DE KAFKA III

 

Olhando em torno, da miséria a existência,

tanta gente ao teu redor que passa fome,

um acidente de avião que vidas tome,

quem decreta quem morre ou tem leniência?

Tanto mal ocorre em pura impertinência,

tanta vida que por aí sem razão some,

a pandemia que tantas outras come,

qual o mérito de qualquer sobrevivência?

 

Será que tudo é simples obra de um acaso?

Será que o céu a um perdoa e outro castiga?

Que potestade está julgando cada caso,

qual a razão por que de ti se mostra amiga,

qual a razão por que te dá felicidade

o breve amor que te consola da maldade?


Nenhum comentário:

Postar um comentário