MUNDOS PARALELOS I – 22
ABR 2020
Se em mundos paralelos
de fato existem
muitos de mim, será que
roubo de outros eus
os poemas que de fato
seriam seus
e que minhas garras
famintas ali avistem?
E se tiro esses dons
que lhes assistem,
será que tiram em troca
algo dos meus?
Foi para eles que perdi
carinhos teus
ou de outras de ti os
seus consistem?
Essa doutrina dos
mundos paralelos
não é nova em absoluto,
o Talmude
dos rabinos judeus já a
mencionou
e no poder de Deus
encontra os selos
para qualquer que o
Passado estude,
pois tudo quanto
imaginar, Deus já criou!
MUNDOS PARALELOS II
É impossível para o
humano imaginar
qualquer coisa que já
não tenha Deus criado:
cada mundo alternativo
foi moldado,
antes que o homem
viesse aqui habitar;
mas vem a física
quântica afirmar
que a cada escolha
feita por um lado
surgem dois caminhos e
outro eu alado
segue aquele que
decidimos desprezar...
antigamente se afirmava
que uma escolha
destruiria esse
possível rejeitado,
apenas havendo um
caminho a se seguir,
mas parecem ser dois
lados de uma folha,
cada um deles igualmente
confirmado,
senão o oposto nem
poderia surgir!
MUNDOS PARALELOS III
Assim a controvérsia se
destrói
entre teu
livre-arbítrio e o destino:
quando algo escolhes,
mesmo pequenino,
seu resultado o fado
teu constrói
e quando ocorre, mesmo
o que te dói,
foi consequência direta
desse tino:
não poderá jamais bater
um sino
sem vibração que a
calmaria rói...
e isso explica também a
tua oração:
se Deus te dá seja o
que for que pedes,
de uma alternativa tua
o retirara;
calcula bem, antes de
tua petição
para o outro quais
consequência medes,
que teu milagre talvez
perda lhe causara!
DORES INVASORAS I – 23
ABR 20
Sempre é possível
imaginar que a dor
seja algo estanho a
nós, uma entidade
que nos domina com
facilidade
e se alimenta da pena e
do pavor;
que não depende de biológico
teor,
mecanismo a preservar a
sanidade,
sem avisar que algum
dano nos invade,
nem diminuir assim o
seu horror...
mas que venha de fora,
realmente
e nos perturbe pela
fome sua,
tua dor criando sem
qualquer motivo,
não previsão de uma
defesa ingente,
pois nem ferida nem
hemorragia estua,
mas crave em nós a pena
como um crivo.
DORES INVASORAS II
Pois certamente já
tiveste percepção,
subitânea e totalmente
inesperada
de alguma dor mal e mal
localizada
ou de um fincão de
breve duração,
um pingo de aço nas
costas de tua mão,
uma gota de chumbo em
tua pisada,
a sensação de nevralgia
sem morada,
a sugestão de algum mal
do coração...
essas dores intestinais
que vêm e vão,
interpretadas como
gases em geral,
que examinadas não nos
causam bem ou mal,
algumas vezes uma
ardência ou comichão
ou no olhar inexistente
argueiro,
sem deixar traços, qual
fantasma arteiro?
DORES INVASORAS III
Pois certamente não
chegam como aviso
de algum espinho a
penetrar no pé,
de uma pressão a
perturbar a sé
de nossos pensamentos,
paz ou riso...
Por que razão nos dói
dente do siso
que há anos arrancado
foi até
ou a dor fantasma a
perturbar a fé
de um amputado, além do
coto liso?
Nada posso afirmar, só
desconfio
que existam dores
perdidas pelos ares,
qualquer ponto de apoio
a procurar,
um triste espectro a
tiritar no frio,
sem sacrifícios sobre
seus altares,
que fazer ninho em teu
corpo vem buscar!
REAL VALOR I – 24 ABRIL 20
Mérito e modéstia, uma aliteração
que Bulwer-Lytton nos determinou (*)
como algo de precioso que encontrou
só raramente em humana geração,
que do verdadeiro mérito a razão
quase sempre com prudência desconfiou
e de possuir tal dom raro gabou,
julgado hipótese desprovida de noção.
(*) Autor de ‘Os Últimos Dias de Pompeia”.
No verdadeiro mérito há timidez,
por sentir-se dos demais bem diferente
e o receio de inveja provocar,
sempre um mérito discreto que, talvez,
não seja insegurança ali presente,
porém faceta do próprio dom a rebrilhar.
REAL VALOR II
Modéstia não se deve desdenhar,
como qualquer conotação de falsidade;
a admiração que se desperte, na verdade,
por um mérito que se possa observar,
não é necessariamente de aceitar
por quem a recebeu com sobriedade,
pois troça teve no passado em quantidade
e seu reconhecimento é de espantar.
Até que ponto um elogio é verdadeiro,
até que ponto é admiração sincera,
sem uma mescla de despeito ou zombaria?
Há uma vantagem esperada por terceiro,
que pagando adulação, assim espera
obter seja o que for que pediria?
REAL VALOR III
Pela modéstia o mérito é avaliado
e reconhece da obra o seu valor,
mas nem por isso de seu próprio pendor:
só o trabalho deverá ser elogiado.
Quem se deixar ser por outrem adulado;
em geral, não é real merecedor,
o próprio orgulho seu dominador,
com a vaidade assentada do seu lado...
por tudo isso, não reconheço em mim
nenhum mérito dos poemas que digito,
sua valia só nos textos limitada,
sem qualquer falsa modéstia de arlequim,
mas a bandeira do soneto agito,
porque essa graça foi em mim depositada.
CAVERNA ABERTA I – 25 ABR 2020
Seis espeleólogos contra um fundo verde,
caverna antiga, ressumbrante a fadas,
a luz direta se difunde nesses nadas,
fantasmagórica cloaca que se herde,
há muito abandonada e que se perde,
paredes duras, esmeraldas marchetadas,
um sonho apenas, por granito dominadas,
umidade a escorrer que teia cerde.
As seis figuras, cabeças luminosas,
mas não de si, fulgor de capacetes
e uma réstia de luz do céu desaba
pelas fendas da caverna, prestimosas,
comendo a escuridão e as marionetes,
a luz se expande e este sonho acaba.
CAVERNA ABERTA II
Alguma vez tenho sonhos surpreendentes,
dos quais não participo, apenas vejo
personagens aleatórios nesse ensejo,
somente imagens de contorno impermanentes.
E de inopino me já me torno um dos presentes,
de perto a observá-los, não revejo
a mim mesmo de novo, qual o pejo
desses sonhares de todo incoerentes?
Que novamente ao grupo inteiro digo adeus
e estou de fora, olhando para a tela
por entre os cílios que a pálpebra revela,
sem contudo se abrir. São
sonhos meus
ou projeções de qualquer silente espectro,
do peito as cordas a tanger-me com um plectro?
CAVERNA ABERTA III
Não pretendia aqui incluir tais versos,
Do longo sonho descrever fluxo prolixo,
não me dispunha a lhe dar formato fixo,
tantos rascunhos em sua pilha imersos.
Em emoções verdigris sonhos conversos,
estalactites em visões eu mixo,
estalagmites a reter seu lixo,
enquanto os sonhos verdadeiros são dispersos.
Porém me acordo permeio à madrugada
com tais imagens verdes de espeleólogos,
a cravar-me na mente as picaretas
e assim oscilo entre este e aquele nada,
meu mundo onírico votado a arqueólogos,
que almas sem rumo escavam incompletas.
CAVERNA ABERTA IV
Não são as sombras que descreveu Platão,
nem são as sobras de anterior vigília,
talvez os flashes de
que a memória é filha,
talvez os filmes que assisti na escuridão,
somente a tela a projetar clarão,
minha própria vida contida numa pilha,
emoldurada por essa fresca bilha
que em mim derrama amores de ilusão.
Quem sabe habita serpente na caverna
e são escamas que a brilhar estão,
que interpreto como jatos de holofotes...
e se as imagens de permanência eterna
durante o sono qual de um coma são,
irá a cobra devorar-me com seus botes?
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