quarta-feira, 13 de janeiro de 2021


 

ILUSIONISTAS I – 12 MAI 2020

 

C. S. Lewis declara, firmemente

que os demônios nos inspiram, astuciosos,

dois erros especialmente perigosos,

para melhor devorarem nossa mente:

que não existem, se crer inicialmente

e assim podem mostrar-se sediciosos

e te engazoparem com impulsos maliciosos,

que irás supor serem teus, naturalmente...

 

Ou ao contrário, demonstrares teu temor,

quando te pões à sua disposição,

toda fera a atrair cheiro do medo;

a cobrar então de ti o teu fervor,

nesse sofisma sussurrado num segredo:

que “Deus perdoa, mas o diabo não!”

 

ILUSIONISTAS II

 

Nesse primeiro erro cairia eu:

não vejo por que havia de existir um mal,

contraposto ao bem mais divinal,

isto não passa de antropocentrismo fariseu!

Nunca pude recair no maniqueu:

que um poder haja supernatural,

oposto ao bem da graça espiritual,

com um poder que se compare ao Seu.

 

Se o mal existe, está dentro de nós,

não vem de algum capeta mais cruel,

as nossas culpas se enredam em mil nós!

Não precisamos de que algo a alma nos ganhe,

se qualquer raiva ou um rancor de fel

para o ódio facilmente nos assanhe!

 

ILUSIONISTAS III

 

Não é só isso.  Deus Pai é infinito,

dentro dele está absolutamente tudo

e ainda se projeta como escudo

muito além da matéria em que eu habito;

se por tal coisa dita mal eu sou aflito,

perante Deus apenas me desnudo:

que me projeta com seu amor veludo,

e Lhe agradeço com fervor contrito.

 

Pois certamente existe a tentação

e sem dúvida algum mal reveza o bem,

mas bem e mal são apenas ilusão,

mal sendo aquilo que nos desagrada,

as catástrofes e rancores que nos vêm,

não uma esfinge assim mal-encarada!

 

TEOLATRIA I – 13 MAI 2020

 

Quem ama a Deus, comete idolatria?

Parece um oxímoro a pergunta,

alguma coisa que ao oposto seu se ajunta,

como um frio quente ou calidez que é fria;

mas o Segundo Mandamento nos dizia:

“Não farás obra de escultura”, assunta,

contra adorar qualquer pedra defunta

ou prestar culto ao que não existia.

 

E no momento em que se adora a imagem

desse Jesus na cruz tornado exangue,

por mais que afirmem simbolismo apenas,

a mente encontra um ponto de ancoragem

nessa figura que nunca teve sangue,

pouco diversa dos mil ídolos de Atenas!

 

TEOLATRIA II

 

Na verdade, nem sequer o crucifixo

era adotado pela Igreja Primitiva,

pelo símbolo do peixe mais ativa

demonstração do partilhar de um fixo

conhecimento para os pagãos sem nexo,

porque Ichthys era o peixe, lenda viva

que as iniciais de Cristo então motiva,

dito puro pela forma de seu sexo.

 

Sem que o macho com a fêmea se encontrasse;

porém tal significado é secundário,

que ninguém peixe em seu pescoço carregasse,

sendo apenas um sinal que desenhavam

e a ser por força do perigo necessário,

os que mostravam rápido o apagavam.

 

TEOLATRIA III

 

Hoje em dia, em que vemos tanta igreja

entulhada de imagens adoradas,

em que populações desorientadas

acendem velas a qualquer santo que ali esteja,

depois que o Segundo Mandamento seja

por Tomás de Aquino, de formas descaradas,

da lista antiga cortado e deformadas

as palavras que Moisés a nós enseja,

 

sou mesmo um tolo por chamar de idolatria

essa figura torturada sobre o altar,

bem mais que símbolo, uma identificação,

que dupla ainda torna essa heresia,

qual se pudera humanas dores suportar,

qual fez Jesus no momento da paixão!

 

HERÉTICOS I – 14 MAI 2020

 

A Arte e a Natureza são deuses dos ateus,

Flora e Fauna por antigos adoradas,

as criações a elas consagradas,

como os jardins e pomares dos Egeus;

já as artes entre Helenos e os Aqueus,

eram tidas pelos deuses inspiradas,

pelos Romanos bem menos respeitadas,

só executadas pelos escravos seus.

 

Com exceção, é natural, da literária,

que inicialmente era tão só poesia:

Ênio escrevia gigantescas epopeias,

depois Catullo e Horatio, em obra vária

e até a oratória de Cícero se lia

e ainda de Eneias as longas odisseias.

 

HERÉTICOS II

 

Longe de mim desdenhar qualquer das duas,

que grande apreço eu voto à escultura,

especialmente àquela que figura

o corpo humano, com precisão de puas,

aos modelos dos Gregos, em suas ruas

e nos seus templos, mais do que a pintura,

que após milênios, bem rara existe pura,

salvo as guardadas do Sol ou sob as luas...

 

e muito amo toda a literatura,

que a mais vulgar esforço humano representa

e do rolar dos séculos ainda espia;

à contemporânea, minha mente mais atura,

mas um diamante nessa ganga ainda atenta,

sempre a herdeira de um passado que nos guia.

 

HERÉTICOS III

 

E a Natureza certamente eu amo,

desde os gelos do Himalaya até os desertos,

meus sentimentos para o verde abertos:

frondosa árvore qual irmã eu chamo;

porém não lhe idolatro cada ramo

ou que os labores sejam recobertos

por um desprezo de intelectuais incertos:

um equilíbrio em tudo é que proclamo.

 

Porque proclamam o retorno à natureza,

sem perceber que a cultura das cidades

de longe prolongou a vida humana;

e idolatrar Picasso, com certeza,

tolice e efeito das hereticidades

retorcidas da forma mais insana!...


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