ESTÁTUA NA PRAIA I – 6 JUN 20
Enquanto as ondas túrbidas avançam,
ela imóvel permanece sobre a areia,
o imaginar inteiro me incendeia
a contemplar seus membros que
descansam.
Seus braços lisos para trás se
lançam
e dos cabelos a desatada teia
contra a areia se roça, grega déia;
em tal reflexo os meus olhos dançam,
que raramente encontrei tal
perfeição
e assim pousada nessa firme posição
para sempre até parece que estará.
O adorno dessa praia foi plantado
por um qualquer escultor maravilhado
por tal lembrança que sua vida
encantará.
ESTÁTUA NA PRAIA II
Ali parece estar fincada eterna,
mais que Afrodite dos Helenos
permanente,
mais que Astarteia seu corpo ali
presente,
mais do que Freiya, em sua presença
hodierna.
As deusas do passado na caverna
já se erodiram aos poucos, na
plangente
mutação da memória desfacente,
mas ainda brotam da lembrança
interna,
porque queríamos de fato, intensamente
ter entre os braços uma deusa
antiga,
tal qual ansiavam os nossos
ancestrais.
Deusas de carne a receber,
placidamente,
tais ilusões que seu ideal consiga
idolatrar em heresias naturais.
ESTÁTUA NA PRAIA III
Mas não se pode é esperar jamais
que essa jovem de formosos ademanes,
identificada como Hellen Chabannes,
em seu porvir guarde as formas
siderais.
São formosuras, ai de nós! Sempre
mortais,
desvanecidas quais os velhos manes,
em cuja adoração não mais te afanes:
só por décadas possuem dons perenais
e se essa luz do sol se refletir
sobre sua pele para ser capturada
por leve toque em botão obturador,
Ela perdura além do seu dormir,
estátua viva pelas ondas moldurada,
mesmo incapaz de conceder-te o seu
amor.
ESTÁTUA
DE CRISTAL I – 7 JUN 20
Bem
desejara que a estátua fosse minha
e
que por Tu a pudesse então chamar,
que
então viria, sorridente, me abraçar,
nesse
ademane de imortal rainha!
Mas
a maior das ilusões é pequeninha,
não
existe aurora que possa perdurar,
não
tem paciência o sol em seu cruzar,
logo
do zênite sua esfera se avizinha
e
pouco após já encontra o dealbar,
na
falsa aurora do crepúsculo final
e
a luz se esvai de encontro à sua silhueta.
Nem
há esperança de um novo despertar,
pela
manhã sua majestade de fanal
já
não encontro a me esperar dileta.
ESTÁTUA
DE CRISTAL II
Assim
procuro guardar em mim a imagem,
gravada
em jóis de permanência rara,
âmbar
talvez, de transparência clara,
talvez
rubi de rubra beberagem.
Talvez
o ônix dos cabelos sem contagem,
talvez
safira lapidada em cada apara
ou
algum topázio que o coração prepara,
em
sua esperança concreta de miragem.
Mas
se esmeralda for, igual que Flora,
será
então sínople, o verde da heraldia,
para
esse graal de carne minha heresia.
Mas
esta lenda de amor pertence ao outrora,
sua
formosura guardarei só na lembrança,
enquanto
década após década me alcança.
ESTÁTUA
DE CRISTAL III
Mas
com tijolos de amor cimentado a quimera,
eu
construo esmeralda de crivo singelo,
perfurada
sem pena, um abrigo e castelo
para
o amor mais veraz e emoção mais sincera.
Que
viesses morar, então, quem me dera!
nessa
gruta esverdeada aporias teu selo,
enfim
derretido o rigor de teu gelo,
em
marco perene ao final desta espera.
Mas
ai! só me sobra o punhado de poeira
que
um dia de antanho já foi esmeralda
e
agora se espalha na palma da mão!
Só
me resta colar os meus lábios na beira
da
taça apinhada de pó feito em calda,
engolindo
os cristais da final ilusão!
ESTÁTUA
DE ESPERA I – 8 JUN 2020
Voltei
a essa praia e tão só maresia:
na
areia aureolada um baço contorno,
em
vão caminhei, dolente, no entorno,
só
grãos derramados da estátua vazia,
foi
presa somente na fotografia
a
imagem agreste de seu corpo morno,
na
mente gravada num pálido forno,
por
que essa espera de que inda a veria?
Nudez
sobre a praia é hoje comum,
processo
gradual que se fez velozmente,
primeiro
a cintura, depois porta-seios,
até
tal momento de adorno nenhum,
o
corpo mostrado de forma imponente,
da
madre secreta seus íntimos veios...
ESTÁTUA
DE ESPERA II
Engolindo
os cristais de minha fina ilusão,
dilacero
a mim mesmo sem nada encontrar
de
qualquer sentimento, sem nunca te achar,
na
moenda feliz da infeliz emoção.
Cimentei
com amor e quimera a paixão,
mas
não consegui quem viesse habitar
a
esmeralda vazia que soube escavar,
essa
espera de ti foi total sem-razão.
Aguardei
tanto tempo, sem poder encontrar
a
irmã de minhalma nos ínvios caminhos:
tornei-me
o ponteiro das várzeas do tédio;
e
contudo ainda espero que exista um lugar,
em
que possa dizer, de permeio a carinhos:
“Mulher,
eu te amo e não tenho remédio!”
ESTÁTUA
DE ESPERA III
Para
mim a nudez feminina é sagrada,
quer
seja menina, quer seja madura,
na
carne da velha a beleza mais pura,
sem
ser por vaidade, somente mostrada.
Nela
vejo os cristais de minha raça, mais nada;
se
for muito bela, há uma certa tortura,
de
não poder tê-la, tão frágil agrura,
mas
seja quem for, é por mim respeitada.
Cada
corpo que vejo reforça os cristais
ao
longo dos olhos, o eterno museu,
da
lágrima plena em sais naturais.
Cristais
de bdélio ou talvez crisopraso
ou
de calcedônia, seu dom todo meu,
que
apenas contemplo no aguardo do ocaso.
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