quinta-feira, 28 de janeiro de 2021


 

 

COFRES DE CRISTAL I – 28 JUL 2020

 

Eu busco apenas o orifício de tua mente,

eu só quero penetrar entre os cabelos,

cruzar teus ossos no espoucar frequente

de alma contra alma jazendo em cerebelos...

 

Apenas quero introduzir-me em teus desvelos,

sem qualquer lubricidade inconveniente,

quero o rasgo multicor da alma dolente,

entretecido pela mente em sonhos belos...

 

Porque os corpos se entrelaçam no jamais,

nessa loucura de um viver a sós,

em um tornados só  em breve insensatez;

já os orifícios se misturam muito mais,

são alma e espírito atados nesses nós,

nessa surpresa que ao despertar revês.

 

COFRES DE CRISTAL II

 

Talvez mal o “orifício” interpretaste,

em tua leitura inicial deste poema;

não me refiro à desvairada gema

que qual tesouro no corpo conservaste.

 

Sendo mulher, em tal jóia pensaste,

igual ao escrínio que de Pandora a pena

de tantos males distribuiu à cena

do infeliz mundo, qual decerto te lembraste.

 

Mal preciso referir que o belo escrínio,

chamado antigamente de “boceta”

e que o povo transformou em palavrão,

foi um cofre de cristal de tal fascínio,

lançando ao mundo tanta dor secreta,

sendo a esperança o derradeiro turbilhão.

 

COFRES DE CRISTAL III

 

Já na segunda leitura percebeste

que o orifício era tão só alegoria,

que nem sequer ao forâmen referia,

por que impulsos à carne a mente ateste.

 

Mas quando leste dos “desvelos”, concebeste

inicialmente de teus membros a harmonia;

mas em tudo referi-me, em elegia,

que só julgava que tua mente concedeste,

 

para que as duas, de fato entrelaçadas,

tivessem completado o ideal platônico

das duas metades após séculos reunidas,

não em dois corpos com carnes mutiladas,

mas mente a mente nesse beijo harmônico,

em que as almas por almas são nutridas...

 

FLORES NEGRAS I – 29 JUL 2020

 

Preso no enredo dessa liberdade,

meu espírito se desfaz e flutuará,

nesse agridoce sonho de saudade,

pois tudo o que se foi não voltará.

 

Pelas ladeiras do amor deslizará,

por mais que amor ressumbre falsidade,

mas pouco importa, quando um beijo dá

algum consolo à luz dessa inverdade.

 

Pois tudo passa, bem facilmente até

e como se desmancha essa paixão

que um dia devorou o ser inteiro!

 

Resta o carinho, no amargor da fé,

amor mentindo em consideração,

no triste espasmo de um sonho derradeiro!

 

FLORES NEGRAS II

 

Pois todo sangue tem coagulação.

aglutinogênios a beijar aglutininas

e essa tua mente com que me fascinas

hematomatizou-se igualmente num borrão.

 

Pois todo cérebro tem em si circulação

e às vezes sofre de crises repentinas,

morrendo em parte suas redes pequeninas

que conservavam a constância da emoção.

 

E dessa forma, até o amor se coagula,

qual de uma mente à outra a comunhão,

por mais ardente então fosse a mútua gula.

 

E surge assim essa bizarra liberdade

das duas metades que se separarão,

ante a secura final de sua ansiedade.

 

FLORES NEGRAS III

São flores negras as quimeras coaguladas,

pois a vida nesse sangue permanece

e dele brotam em obscura prece,

final rebento das mentes abraçadas.

 

E eu não queria ter desagrilhoadas

as minhas mãos quando o amor teu desfalece;

eu queria, eu te juro, é que pudesse,

ter essas mãos para sempre aprisionadas,

 

no calabouço de tua mente altiva,

jamais pedindo que me desses alforria,

mesmo sentindo como esvai-se o ardor.

 

Mas que a anuência se tornasse rediviva,

pois a tua mente eu sempre buscaria,

por mais achasse em sua ternura um amargor.

 

TELEX I – 30 JUL 20

 

Hoje pretendo enviar-te uma mensagem

que não te alcançará pelo correio,

nem haverá um telefone de permeio,

nem celular, nem tablet de passagem;

talvez Telex ainda achasse na garagem,

envolto em poeira, mas cumprido o asseio,

então pudera servir-me desse meio

para achegar-me a ti com mais coragem...

 

Simplesmente porque sei que não existe

em tua casa ou no posto de trabalho,

outro artefato que a possa receber.

Porém a inadequação assim insiste

em querer te apresentar, num ato falho,

tal confissão que nem sei como fazer!

 

TELEX II

 

Sei que é tolice, mas o distanciamento

social me impede de te procurar,

salvo em disfarce que pudesse achar,

motoboy  fingindo ser em tal momento;

mas se pudesse, sem impedimento,

até um ramo de flores te levar,

a minha língua não saberia destravar

e em balbucio prestaria juramento...

 

Pois quando amor nos avassala o peito,

é mais difícil certas coisas pronunciar;

de confissão fácil, melhor é desconfiar;

esse que fala pode não estar sujeito

ao domínio de um amor inteiramente,

sendo volúvel o que sua língua mente!...

 

TELEX III

 

Contudo, eu sei que desse amor suspeitas

e ainda aguardas um pedido de namoro,

da iniciativa tomar tendo decoro

e à longa espera ainda hoje te sujeitas,

pois declarar-me já tentei em outras feitas

ou pelo menos, dizer quanto te adoro,

mas no momento de falar, demoro

e minhas sentenças brotam tão mal-feitas!

 

Portanto esperas, a me dar qualquer sinal

que assim afaste meu desencorajamento,

até que eu possa enfrentar essa quimera,

de teu amor já me servindo de fanal

que me recebas a sorrir cada momento,

por impaciente que já esteja essa tua espera!

 

TELEX IV

 

Confio em ti, que de esperar bem sabes

e que tanto, de confiar, tens esperado

e que tanto, de me amar, tens sopesado

a escala de valores, em que acabes

a dar-me um certo valor de que te agrades

mais que outros pesos que na vida tens achado

e que dentro ao coração tens bem guardado

um beijo azul que em certo dia vades

 

inteiro dar-me, da esperança rica,

que me guardaste na riqueza da confiança,

 que razão plena tenha dado à tua esperança;

confia em mim, porque confiar se aplica

ao meu amor, embora cheio de esquivança,

quanto a certeza de teu amor me indica.


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