sexta-feira, 1 de janeiro de 2021


 

 

DIGITADOR AUTORIZADO I – 4 ABRIL 2020

 

De meus amigos Andréia e Wayne, falecidos,

alguns poemas digitei por compaixão;

no mundo onírico pedi-lhes permissão

e a concederam, com sorrisos comedidos...

Essas sombras desbotadas seus ouvidos

me prestaram, em plena comunhão:

“Prosseguir podes a realizar tua intenção,

já não podemos ser por vivos percebidos...”

 

Destarte, de permeio à multidão

de meus sonetos tão objurgatórios,

recentemente incluí poemas seus,

com o devido crédito, que aí estão

no meu blog e em outros pontos meus,

nessa rede de alcances decisórios...

 

DIGITADOR AUTORIZADO II

 

Não se pense que aqui haja zombaria,

muito ao contrário, já que constantemente

eu afirme que esta obra não pertence,

jamais a mim, mas que de algures me descia

e certamente, alguma noite, eu estaria

a Noosfera a percorrer tranquilamente,

e meus amigos a mente me convence

ter encontrado durante o tempo de estadia...

 

Talvez seja o imaginar, tão simplesmente,

mas nenhures nas arcadas de minha mente

encontro os rastros de tal inspiração

e assim suspeito, muito leve esta incerteza,

que poetas mortos derramam sua beleza

contra meus dedos, a sugerir divulgação...

 

DIGITADOR AUTORIZADO III

 

Deste modo, assim encontro uma ocasião,

por rara seja, devido a meu egoísmo,

de revelar o intermitente saudosismo

e de um terceiro digitar composição,

que autorizada pela divina mão

decerto foi, que a Palavra é Cristianismo,

mas também o Judaísmo e o Islamismo,

o Brahmanismo ou qualquer outra religião

 

que a empregue em maneiras benfazejas,

sem intenções de forma alguma malfazejas,

ou até mesmo em panteísmo material;

e como creio, talvez contra a razão,

que almas mortas permanentes nunca estão,

ainda as encontro nesse mundo espiritual.

 

CUTELO I – 5 ABRIL 2020

 

Amor de faca tem sabor agudo e arcaico:

meu coração cortado em dois no meu desgosto,

meu sangue a derramar Frumento e Mosto, (*)

no eletrizante cintilar de arco voltaico...

não redigi meus versos em hebraico,

nunca o falaram as peças de meu rosto

e agora que estou perto do sol posto

só magnifico a Deus em gesto laico,

 

que nunca foi ministro e nem profeta,

nem monge fui e nem um sacerdote,

não fui rabino ou imã que o Islã afeta;

fui tão somente sacrifício, quando o amor

foi arrancado de meu peito em cruel bote,

por um cutelo aberto em meu horror!

(*) Pão e Vinho.

 

CUTELO II

 

Pois todo amor completo e verdadeiro,

se brota dalma, também vem do coração,

se a mente assopra, insufla meu pulmão

e dele participa o corpo inteiro;

assim, se algum cutelo vem ligeiro

e me corta meio-amor numa ablação,

cardiotomia parcial nessa ocasião,

meu corpo ao meio rasgando, carniceiro,

 

metade minha vai com ela no momento

e nem sei se deixou-se a sua metade,

seria igual ao meu seu sentimento?

E em carne viva no poema me apresento

e sobre areias de papel, em veleidade,

hemorragio meu visceral padecimento.

 

CUTELO III

 

E por mais que isto seja alegoria,

não sei até que ponto o meu Platão,

tão idealista, recortou seu coração,

nesse mito secular que transmitia,

sedulamente a descrever o que sentia,

de sua caverna as sombras sem razão,

de sua Atlântida a arcana sedução...

até que ponto as suas crenças descrevia?

 

Porem ao menos esta tornei minha,

que realmente senti-me decepado,

quando o amor se foi, desenfreado,

que a carne inteira a preencher-me vinha:

e quando meço o que deixou-me agora,

sei que a metade melhor levou-me embora.

 

IMPRESSÃO I – 6 ABRIL 2020

 

Para onde iriam meus versos, se algum dia

alguém se decidisse a publicar?  E que controle

sobre eles eu teria, favor que me console

do olhar alheio a que impressão os exporia?

Pois que de fato, de gostar não saberia

se os prendessem para a vista dessa mole (*)

de olhares baços, ou que algum verso enrole

qualquer pedaço de carne sem magia!...

(*) Penhasco; qualquer coisa imensa ou numerosa.

 

Algo assim cansei de ver.  Pisei até no rosto

de minha irmã, impresso num jornal...

Por que meus versos teriam igual destino?

Que se reduzam meus sonhos ao desgosto

de “sentina nerudiana” em seu final...? (*)

Melhor que forrem os sapatos de um menino!

(*) Alusão à “sentina de escombros” de Pablo Neruda.

 

IMPRESSÃO II

 

Já tantas vezes estive em lançamentos,

provei do vinho e comi os salgadinhos...

Em lenta fila se aproximaram meus vizinhos,

seu autor a elogiar por uns momentos,

que ali escrevia seus agradecimentos

e o autógrafo lhes dava em seus carinhos,

identificados por cartões e alguns risquinhos

que organizador lhe repassava nos eventos...

 

para os livros serem postos em estantes,

na maioria nunca mais seriam abertos,

tal o destino corriqueiro da poesia...

Por que me iria submeter a tais instantes?

Os compradores em condescendência espertos,

tão gentilmente a esconder sua zombaria!...

 

IMPRESSÃO III

 

Mais um motivo que só os envie pela rede;

talvez não os leiam os alvos a quem envio,

mas certamente não os irão lançar ao rio

de uma sarjeta em que o descarte fede...

salvo se algum que meus poemas pede

se abalance a imprimir, num arrepio

e após lido o seu completo desafio,

para sua lata de lixo o então degrede...

 

Um certo esforço teriam nisso de empregar

e é mais provável que sejam apenas apagados,

mas não em um dia de chuva pisoteados

para no assoalho de algum táxi os pés secar,

como eu pisei nos traços empapados

de minha irmã, que só reconheci após pisar...

 

TAPETES DE FLORES I – 7 abril 2020

 

As rosas da paineira cor-de-rosa

são sonhos em botão de travesseiros,

cascas o lar de pequenos marinheiros

a navegar em pocinha esplendorosa,

criança a impulsioná-las, prestimosa...

já os espinhos desafiam pegureiros,

mas as painas desafiam os cordeiros,

da mesma lã de parênquima rugosa.

 

Suas flores a compor tapeçarias,

mais belas que as de Penélope tecidas,

tapetes largos espalhados a capricho,

qual orvalho embutido em pedrarias,

tantas pétalas nos caminhos embutidas

que logo murcham e a seguir se tornam lixo.

 

TAPETES DE FLORES II

 

Todavia, esse é um fenômeno natural,

que as flores descem em abraços de sementes;

se sobre a terra se desgastam, redolentes,

deixam de si descendência ocasional...

bem mais diverso esse tapete artificial,

que com carinho desenham tantos crentes,

com serragem e anilinas atraentes,

da procissão desmanchados no final...

 

À frente os padres ou o bispo triunfal,

algumas vezes a pisotear um cristo,

com mais frequência um desenho de pombinha;

mesmo sem ter essa intenção real

de considerar isto blasfêmia não desisto

e o caminhão de lixo pela rua se avizinha...

 

TAPETES DE FLORES III

 

Melhor ver a buganvílea desprovida

de seus vestidos nas aleias de uma praça

ou os ipês nas calçadas em desgraça,

sempre um processo para perpetuar a vida

e se cada calçamento impede a lida

das mil sementes, que ao solo então se faça,

sem nova vida brotar, pela vidraça,

por alguns dias as contempla, comovida,

 

qualquer mulher de coração romântico,

como se fosse o cortejo de um castelo

que assim trilhasse seu príncipe encantado,

dentro da alma de matrimônio um cântico,

já preparando o buquê de seu desvelo,

até o altar por seu carinho consagrado...


Um comentário:

  1. Li no e Mail, mas preferi comentar aqui. Achei muito interessante essa perspectiva do autor sobre os poemas de outrem. Um brinde ao leitor. Gostei de todos, mas elejo Tapetes de flores. Parabéns

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