REMO SOLITÁRIO I – 15 MAIO 2020
Contra a corrente eu remo, contra a corrente;
Contra a corrente eu vou, intermitente;
Intermitente eu vou, frequentemente,
Frequentemente me esforço em meu bracejo.
Contra a corrente eu vou, sempre fremente,
Fremente eu remo e nado, independente,
Independente das vagas, tão somente,
Mantendo o ponto de que a margem vejo.
Todo esse esforço apens por manter,
Por manter o mesmo ponto, sem progresso,
Sem progresso, bem sei, mas conservando,
Conservando a coragem, perpétuo meu correr
Meu correr contra a corrente e sempre meço
Sempre meço meu esforço... ainda remando.
REMO SOLITÁRIO II
Os meus poemas, eu sei perfeitamente,
Que estão fora de moda no presente,
Tantas rimas e ritmos que frequente
Assim emprego nos versos que redijo.
Toda a corrente a inverter conscientemente,
Voltando a um século nesta minha corrente,
Em minha corrente a insistir teimosamente:
Teimosamente minha poesia ao mar alijo.
Alijo ao mar da rede, mais profundo,
Mais profundo que todo o mar salgado,
Mais salgado que a corrente de meu pranto,
Esse meu pranto que combate o desencanto,
O desencanto de ver-me um dia triunfado,
Ter triunfado no espetáculo do mundo.
REMO SOLITÁRIO III
Contra a corrente emito minha opinião,
Contrária mesmo àquelas que hoje são
Propaladas com a maior aprovação,
Pois não me deixo influenciar pelo que dizem.
Ridendo castigat
mores – dir-me-ão
Os meus antigos em sua trocista afirmação;
Mas não castigo os costumes que hoje estão
Pelo riso ante os caminhos em que pisam.
Pois seriamente demonstro ser contrário
E que me podem facilmente ignorar;
Do establishment não mais se
ouve falar,
Mas seu poder é permanente e multifário;
Pouco me importa, sou eu mesmo e quanto penso
Proclamarei por mais que esse nevoeiro seja denso!
VARAL DE CULPAS I – 16
MAIO 2020
Temos na vida
acompanhamento processual,
No qual todos só
defendem a outra parte;
Advogado nos dão sem
qualquer arte
Juiz escolhem de
qualquer vara criminal,
A todos punição há de atribuir
em seu final,
Contraventores ou não;
sempre reparte
Suas penas sobre nós;
não há, destarte
A menor apelação do
tribunal.
E nem se encontram, no
código penal,
Quaisquer figuras
jurídicas cabíveis,
Porque os castigos são
bem impertinentes,
Realmente em loteria –
tanto o mal
Quanto o bem a
sentenciar, indiferentes,
Tais magistrados em
acórdãos discutíveis.
VARAL DE CULPAS II
Mais discutível é quem
tais juízes sejam
Esses que marcam das
vidas as sentenças;
Seriam as Parcas, das
velhas lendas densas,
Onde quer na Noosfera
que hoje estejam?
Ou os Três Juízes do
Inferno, esses que ensejam
As penas a quem praticou
quaisquer ofensas,
Indiferentes às
súplicas mais tensas,
Ao desespero de quem os
pés lhes beijam?
Radamanthys de Wyvern,
ou Radamanto;
Aiacos ou Éaco, que
dizem de Garuda,
Minos do Grifo, que
bebe o nosso pranto?
Porém não creio nesse
Hades dos Helenos,
Mas a suspeita de
minhalma não desgruda,
De o Inferno já ser
este em que habitamos...
VARAL DE CULPAS III
Pois certamente
encontrei adversários
Que tanta vez me
atrapalharam sem motivo,
Salvo seguindo do
interesse próprio o crivo:
Por que no mundo encontrei
tantos contrários?
Sempre recordo esses
Tronos multifários,
Dominações e
Potestades, nesse ativo
Descrever hierarquias
angélicas, em vivo
Transformar o
espiritual em iguais atuários
Aos tais que existem em
qualquer democracia,
Se não corrupta, pelo
menos burocrática
E tais causídicos e
tais legisladores
Agem do modo que Kafka
descrevia: (*)
Nunca nos fazem
acusação mais tática,
Nossos desejos
espezinhando constritores!
(*) Franz Kafka em Der
Prozess descreve um julgamento sem acusação.
DESPLÁGIO I – 17 MAI 20
eu até mesmo gostaria de plagiar
alguns poemas dos outros que me
envolvem,
essas palavras que no entorno se
dissolvem,
me agradaria, num repente, de imitar...
mas nada encontro que dali possa
copiar,
bem maiores as metáforas que revolvem
meu pensamento, que examinam e devolvem
essas ideias prosaicas, desprovidas de cantar...
mas há muito me tornei o porta-voz
dos mortos envolvidos em mordaças,
dos animais de ilustrações escassas,
dos vegetais a espreitar de pinha e noz:
esses falam por mim em suas pirraças,
por minha saliva reidratados velhos pós.
DESPLÁGIO II
certos poetas contemporâneos admiro,
mas nenhum deles é desses medalhões
a que a crítica dirige as ovações
e os mestres universitários em seu giro,
forçando sobre os alunos seu respiro:
que bons cronistas foram, têm razões;
porém poetas proclamar às multidões,
por contrafação política é o que miro.
posso às vezes, honestamente, até encontrar
em algum romance ou em livro de história
ou em opúsculo científico uma
ideia,
de cujo texto dedico-me a pinçar,
certamente a atribuir devida glória,
que não citar sua fonte é coisa feia!...
DESPLÁGIO III
mas essa frase ou, simplemente, ideia
eu desenvolvo muito além da origem;
discordo às vezes do ponto que me impingem,
vou certamente lhes expandir prosopopeia;
também de história que o imaginar ateia,
contos de fadas que já pouco vigem
ou que os desenhos animados cingem,
furtando um pormenor de arguta
veia;
e desde o original, devolvo a forma,
em versos fáceis de se assimilar,
sem realmente saber se alguém as conta,
ou se a poética para prosa se retorna,
quando à criança se busca cochilar
e algo mais excitante ali desponta!...
ANTOLOGIAS
I – 18 MAI 20
participei
de mais de vinte antologias,
mediante
solicitar dos editores
e
seus convites variados de pendores
sempre
aceitei com quaiquer ressalvas frias.
por
que queriam as minhas elegias
incluir
entre suas páginas de autores,
muito
diversos dos meus seus esplendores
e de
tão vária qualidade as suas valias?
em
geral, quem se quer ver publicado
foi
mordido pelos bichinhos da vaidade:
contra
os meus sempre esguicho inseticida;
mas
se não visse valor no resultado
deste
meu fluxo de tanta variedade,
cada
poema teria há muito destruído.
ANTOLOGIAS
II
vários
autores de sentido inverso
se
acham mesclados em um só volume;
eu
apenas condescendo o meu perfume
borrifar
sobre este banho controverso;
sei
muito bem a que grau se faz diverso
aquilo
que escrevi do alheio lume,
contudo
oculto no possível o azedume
de me
encontrar em berço tão perverso.
sei o
que sou – se querem misturar-me
em
massa humana que tanto se afligia,
porque
esses querem, afinal, ser publicados,
tenho
somente meu sorriso a consolar-me:
minha
vida é pouca para a obra que nutria,
suor
e cinza de mistura em meus traçados!
ANTOLOGIAS
III
mas
tanta gente eu vejo em desespero,
querendo
ver seu belo nome impresso;
que o
meu imprimam de fato sequer peço,
somente
leiam-se os veros é o que espero;
assim
nas redes e em meu blog eu gero
versos
antigos , após quebrar seu gesso;
novos
envio para os ares e raro o cesso ,
mesmo
os que julgo não ser mais que lero-lero!
mas
como tanta vez já no passado declarei,
dos
poetas mortos me julgo o porta-voz
e não
me gabo de ter dos versos a autoria;
mas
para essa incumbência me entreguei
e não
mais quero me mesclar com alheios dós,
demais
já sendo os que a vida me daria!
ANTOLOGIAS
IV
certamente
vejo aqui repetições
de
tanta voz que em mim receberia;
como
saber de quem tal verso me viria,
na
estratosférica rotação de vibrações?
mas
em geral, minhas admirações
são
despertadas por cada voz que pediria
que
digitasse o que a mim sussurraria,
à ideologia mesmo a fazer admoestações.
e com
esta explicação repetitiva,
não
me pretendo sequer justificar,
mas
sim a autores que nem sequer conheço,
mas
cujas vozes recebi de oitiva,
pelos
dedos da mão a registrar:
mereçam
eles todo o teu apreço!
A PORTA DA
ALEGRIA I – 19 MAI 20
Da felicidade a
porta só se abre para fora,
qual
Kierkegaard, o melancólico, queria,
já que o
filósofo para dentro não podia,
por mais que
experimentasse em qualquer hora.
É tão somente o
exterior que nos devora;
por breve tempo
toda luz cintilaria
do desejo que a
felicidade nos traria,
para fechar-se
nos ergástulos do outrora...
perdoe-me o
filósofo, mas sinto em mim
essa emoção do
total contentamento,
mesmo se a vida
não me dê qualquer razão;
o mal externo a
atuar-me pouco, assim,
quando me
infunde esse pleno sentimento
que brota firme
de meu coração.
A PORTA DA
ALEGRIA II
Ou então brota
de meu fígado hormonal,
pois facilmente
produzo as endorfinas,
que à sensação
de felicidade trazem rimas
e assim me
iludem constantemente até o final.
Dizem que toda a
sensação espiritual
depende mesmo
dessas sutís enzimas,
o êxtase
religioso em nossas sinas
e o amor de
feromônios consensual.
Tanto o mais
puro quanto o amor sexual,
o amor de uma
visão da natureza,
o prazer pela
leitura da poesia,
tudo surgindo da
mesma fonte original
pelo fígado
controlada com certeza,
como um filósofo
chinês já nos dizia!
A PORTA DA
ALEGRIA III
É bem verdade
que, permeio à pandemia,
melhor será não
se louvar nada chinês,
sequer a seda e
a porcelana que, bem vês,
talvez
transportem mais vírus de alergia!
Quem sabe mesmo
se até sua filosofia
contaminar não
nos pode por sua vez!
felicidade é tão
somente isso que crês,
mas em estado
físico igual se basearia.
De qualquer
modo, eu sou equilibrado,
feliz me sinto a
maior parte do tempo:
com coisas
simples, de fato, me contento,
mas quando por
qualquer mal sou afetado,
não me deprimo,
sinto raiva em contratempo
e me endorfino
ao lançar versos ao vento...
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