AS UVAS
VERDES I – 21 SET 2020
A parábola
das uvas e a raposa
há muitos
séculos La Fontaine nos deixou;
bem
conhecido é o que nos ensinou:
queria o
animal comer uva saborosa,
mas sua
parreira, em lide prestimosa,
o viticultor
bem alto colocou
e cada cacho
maduro se formou
alto do
chão, na armada cuidadosa!
Contudo, o
faro da raposa a seduziu,
buscando em
vão os troncos a galgar
e para os
galhos tentou em vão pular...
E,
finalmente, o bichinho desistiu.
“Estão
verdes!” – declarou, se consolando;
lambendo os
beiços de desejo, foi marchando...
AS UVAS
VERDES II
É tão
frequente não podermos alcançar
o quando
mais queremos nesta vida;
somos
forçados a triste despedida,
sem dar por
satisfeito o desejar.
De muitas
formas nos podemos consolar,
qualquer
desculpa em nós dando guarida:
“Talvez
fizesse até mal se conseguida”;
“Eu não
queria realmente isso alcançar...”
Outros
ficam, ao contrário, ressentidos:
“Por que os
outros têm, mas eu não posso?”
Terreno
fértil para a demagogia.
O candidato,
para ter votos obtidos,
promete a
todos, “por um projeto nosso,
darei as
uvas que você tanto queria!”
AS UVAS
VERDES III
Ou o consolo
se vê na religião:
“Nunca os
bens da Terra poderão comprar
a mansão celeste
que vais habitar!...”
Ou de forma
mais explícita o Alcorão
jardins promete
que rios fecundarão,
que um harém
de virgens vai povoar,
mais outras
bênçãos que ainda possa derramar
o Deus altíssimo
de poderosa mão...
Melhor,
porém, se esquecer consolação
e laborar
para obter o que se quer,
pois o
viticultor traz uma escada,
põe em seu
cesto, com uma espécie de podão,
cacho após
cacho de uvas a colher,
já estão
maduras e não precisa de mais nada!
INTIMAÇÃO I – 1981
O que eu sinto por ti é sensação completa,
Temor que me reflui da veia ao coração
E o esôfago me galga, pejado de emoção,
Ao fundo da garganta, novela tão repleta
De estranhas sensações, serpente se avizinha,
Distende-se e recolhe-se e a gorja me bloqueia,
Num frio que me devora e gelo que incendeia
E volve ao coração, na sanha que continha...
Enquanto um calafrio me sobe ao cerebelo,
Vindo desde a medula; assim, eu me desvelo,
Ao tempo que um tremor provém, testicular,
Subindo do intestino, chega até o paladar,
Passando pelo estômago; o corpo todo, inteiro,
A partilhar de ti o desejo em que me abeiro!
INTIMAÇÃO II – 22 set 2020
Porém não posso afirmar, cinicamente,
Que amor seja tão somente a expressão
De um desejo carnal. Há nele aceitação
De cada nervo ou osso ali presente.
Sem dúvida, é sensual o que se sente,
Mas não se deixa limitar por sensação
Tão rasa e simples, qual chamam de ‘tesão’;
Não esse impulso em nós amplo e abrangente.
Ninguém duvida de que a pele participe
Ou que a espinha percorram arrepios,
Numa alternância de calores e de frios
E que cada músculo do corpo então se equipe
Para cumprir a antiga dança primordial
Que dominou, um por um, cada ancestral.
INTIMAÇÃO III
E quem duvida que amor envolva o coração,
Vezes sem conta em metáfora incluído,
Por mais que tenha seu papel bem diminuído,
Firme se assanha ainda ali a palpitação.
E participa desse amor cada pulmão;
Desde o fígado tanto hormônio a ser vertido
Na corrente sanguínea, para o ritmo querido
Se manipule a fim que cumpra a sua função.
Sempre se busca mais veloz respiração
Para o inconsciente desejo de combate,
Sem que ninguém seja morto nesse abate,
Salvo o exército de soldados da emoção,
Ao invés de clarim, escutando a campainha,
A informar que o amor nosso se avizinha!...
INTIMAÇÃO IV
Talvez me afirmes que tudo isso é coisa só,
Tantos aspectos da sanha do desejo,
O corpo todo a preparar-se para o ensejo
Desse combate secular perante o pó...
Talvez de insetos menciones teres dó,
Um dia apenas fatídico de um beijo,
Sua reprodução cumprida nesse adejo,
A Natureza a esmagá-los qual a mó.
Mas certamente há algum dihidroperidino,
Provavelmente cápsula será de anlodipino
Que então reduza do sangue essa pressão.
Mas não da alma, que tem outra adrenalina,
Nem do espírito que nos toca outra canção,
Sempre que amor nos chega e nos fascina!...
PROMESSAS I -- 23 SET 20
Ainda hoje não entendo bem a
aceitação
pela mulher de religião tão masculina,
promessa escassa para a mente
feminina,
tendo em vista o que afirma o
Alcorão.
Esse livro venho lendo em
atenção,
bem mais feroz cada promessa que
destina
que as da Biblia ou que o Talmude
ensina;
do quente inferno faz constante
descrição
e embora insista que Allah seja
clemente
e misericordioso, vejo ali pouco
perdão;
só um julgamente perante o Deus
potente,
depois de única e final
ressurreição,
castigo aos maus e recompensa a
cada crente.
PROMESSAS II
Mas a mulher tem papel só
secundário
e sempre deve submeter-se a seu
marido,
seu desejo é para ter filhos
concebido
e após a morte será envolta em
seu sudário,
sem que fique muito claro o seu
fadário;
será que vai para o jardim já
obtido
pelo seu cônjuge, caso seja este
absolvido
ou seu destino será mais
atrabiliário?
Certo é que nas mesquitas só num
canto,
geralmente um corredor ou
sobreloja,
sempre coberto por muxarabis,
ficarão aos mulheres com seu
pranto,
enquanto no saguão é que se aloja
cada um dos homens, por mais que
sejam vis.
PROMESSAS III
Decerto meu entender ainda é
incompleto
e deveria até me dar por
satisfeito
por ter nascido homem, mesmo que
sujeito
aos Cinco Pilares do Islã, em dom
secreto;
talvez a Shariya pendor tenha
mais dileto
para as mulheres, em seu texto
mais perfeito
o seu destino a descrever mais
escorreito,
em mais claro e favorável objeto.
Mas pessoalmente, eu considero
que a mulher
é superior ao homem em cada
aspecto:
sem o seu ventre, não existiria
sequer
um ser humano; e é para mim
sagrada
e assim a encaro com respeito
circunspecto,
por mais que a tenha nos braços
como amada.
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