quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021


 

 

AS UVAS VERDES I – 21 SET 2020

 

A parábola das uvas e a raposa

há muitos séculos La Fontaine nos deixou;

bem conhecido é o que nos ensinou:

queria o animal comer uva saborosa,

mas sua parreira, em lide prestimosa,

o viticultor bem alto colocou

e cada cacho maduro se formou

alto do chão, na armada cuidadosa!

 

Contudo, o faro da raposa a seduziu,

buscando em vão os troncos a galgar

e para os galhos tentou em vão pular...

 

E, finalmente, o bichinho desistiu.

“Estão verdes!” – declarou, se consolando;

lambendo os beiços de desejo, foi marchando...

 

AS UVAS VERDES II

 

É tão frequente não podermos alcançar

o quando mais queremos nesta vida;

somos forçados a triste despedida,

sem dar por satisfeito o desejar.

De muitas formas nos podemos consolar,

qualquer desculpa em nós dando guarida:

“Talvez fizesse até mal se conseguida”;

“Eu não queria realmente isso alcançar...”

 

Outros ficam, ao contrário, ressentidos:

“Por que os outros têm, mas eu não posso?”

Terreno fértil para a demagogia.

 

O candidato, para ter votos obtidos,

promete a todos, “por um projeto nosso,

darei as uvas que você tanto queria!”

 

AS UVAS VERDES III

 

Ou o consolo se vê na religião:

“Nunca os bens da Terra poderão comprar

a mansão celeste que vais habitar!...”

Ou de forma mais explícita o Alcorão

jardins promete que rios fecundarão,

que um harém de virgens vai povoar,

mais outras bênçãos que ainda possa derramar

o Deus altíssimo de poderosa mão...

 

Melhor, porém, se esquecer consolação

e laborar para obter o que se quer,

pois o viticultor traz uma escada,

 

põe em seu cesto, com uma espécie de podão,

cacho após cacho de uvas a colher,

já estão maduras e não precisa de mais nada!

 

INTIMAÇÃO I – 1981

 

O que eu sinto por ti é sensação completa,

Temor que me reflui da veia ao coração

E o esôfago me galga, pejado de emoção,

Ao fundo da garganta, novela tão repleta

 

De estranhas sensações, serpente se avizinha,

Distende-se e recolhe-se e a gorja me bloqueia,

Num frio que me devora e gelo que incendeia

E volve ao coração, na sanha que continha...

 

Enquanto um calafrio me sobe ao cerebelo,

Vindo desde a medula; assim, eu me desvelo,

Ao tempo que um tremor provém, testicular,

 

Subindo do intestino, chega até o paladar,

Passando pelo estômago; o corpo todo, inteiro,

A partilhar de ti o desejo em que me abeiro!

 

INTIMAÇÃO II – 22 set 2020

 

Porém não posso afirmar, cinicamente,

Que amor seja tão somente a expressão

De um desejo carnal. Há nele aceitação

De cada nervo ou osso ali presente.

 

Sem dúvida, é sensual o que se sente,

Mas não se deixa limitar por sensação

Tão rasa e simples, qual chamam de ‘tesão’;

Não esse impulso em nós amplo e abrangente.

 

Ninguém duvida de que a pele participe

Ou que a espinha percorram arrepios,

Numa alternância de calores e de frios

 

E que cada músculo do corpo então se equipe

Para cumprir a antiga dança primordial

Que dominou, um por um, cada ancestral.

 

INTIMAÇÃO III

 

E quem duvida que amor envolva o coração,

Vezes sem conta em metáfora incluído,

Por mais que tenha seu papel bem diminuído,

Firme se assanha ainda ali a palpitação.

 

E participa desse amor cada pulmão;

Desde o fígado tanto hormônio a ser vertido

Na corrente sanguínea, para o ritmo querido

Se manipule a fim que cumpra a sua função.

 

Sempre se busca mais veloz respiração

Para o inconsciente desejo de combate,

Sem que ninguém seja morto nesse abate,

 

Salvo o exército de soldados da emoção,

Ao invés de clarim, escutando a campainha,

A informar que o amor nosso se avizinha!...

 

INTIMAÇÃO IV

 

Talvez me afirmes que tudo isso é coisa só,

Tantos aspectos da sanha do desejo,

O corpo todo a preparar-se para o ensejo

Desse combate secular perante o pó...

 

Talvez de insetos menciones teres dó,

Um dia apenas fatídico de um beijo,

Sua reprodução cumprida nesse adejo,

A Natureza a esmagá-los qual a mó.

 

Mas certamente há algum dihidroperidino,

Provavelmente cápsula será de anlodipino

Que então reduza do sangue essa pressão.

 

Mas não da alma, que tem outra adrenalina,

Nem do espírito que nos toca outra canção,

Sempre que amor nos chega e nos fascina!...

 

PROMESSAS I --  23 SET 20

Ainda hoje não entendo bem a aceitação

pela mulher de religião tão masculina,

promessa escassa para a mente feminina,

tendo em vista o que afirma o Alcorão.

Esse livro venho lendo em atenção,

bem mais feroz cada promessa que destina

que as da Biblia ou que o Talmude ensina;

do quente inferno faz constante descrição

e embora insista que Allah seja clemente

e misericordioso, vejo ali pouco perdão;

só um julgamente perante o Deus potente,

depois de única e final ressurreição,

castigo aos maus e recompensa a cada crente.

 

PROMESSAS II

Mas a mulher tem papel só secundário

e sempre deve submeter-se a seu marido,

seu desejo é para ter filhos concebido

e após a morte será envolta em seu sudário,

sem que fique muito claro o seu fadário;

será que vai para o jardim já obtido

pelo seu cônjuge, caso seja este absolvido

ou seu destino será mais atrabiliário?

Certo é que nas mesquitas só num canto,

geralmente um corredor ou sobreloja,

sempre coberto por muxarabis,

ficarão aos mulheres com seu pranto,

enquanto no saguão é que se aloja

cada um dos homens, por mais que sejam vis.

 

PROMESSAS III

Decerto meu entender ainda é incompleto

e deveria até me dar por satisfeito

por ter nascido homem, mesmo que sujeito

aos Cinco Pilares do Islã, em dom secreto;

talvez a Shariya pendor tenha mais dileto

para as mulheres, em seu texto mais perfeito

o seu destino a descrever mais escorreito,

em mais claro e favorável objeto.

Mas pessoalmente, eu considero que a mulher

é superior ao homem em cada aspecto:

sem o seu ventre, não existiria sequer

um ser humano; e é para mim sagrada

e assim a encaro com respeito circunspecto,

por mais que a tenha nos braços como amada.

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