PÉROLAS VERMELHAS VII – 12 nov 20
Assim entoo canção mais merencória,
de permanente ausência aceitação,
no amor do verso somente a comunhão,
de nosso amor gentil prece mortuária,
do amor que já pertence à nossa história,
hoje somente o amor imginário da emoção,
não mais que amor relembrado sem paixão,
amor-recusa em branca ação peremptória.
Nem foi por mim, nem por ti, só recusado
pelos estranhos caprichos de meu fado,
pelas razões manipuladas pelo teu,
rosas que murcham, violeta que morreu,
pérolas vermelhas em plena fantasia,
que na quimera a mente ainda me cria...
PÉROLAS VERMELHAS VIII
Nem sei se algures eu volto a te encontrar,
visão de um dia e logo após distante;
separação foi da boda a celebrante,
para outros vultos levar-nos a abraçar;
e nem ao menos vou ao fado mendigar,
sabe melhor que eu tal deus gigante,
com mil faixas compondo cada instante,
esquivamente a permitir-nos abraçar.
A gente escolhe ou deixa-se escolher
em qual das faixas do destino se deslize,
já inevitavelmente e sem remédio
sendas fechando que se pudesse percorrer
que outro solo indicariam que se pise,
até o instante do derradeiro tédio...
PÉROLAS VERMELHAS IX
Como se aguarda o que podia ter sido!
Como se quer levantar perdido véu,
que nem se sabe nos levaria ao céu
ou a destino cruelmente desvalido!...
Ai, como há ânsia do possível pretendido!
Cada um de nós o verdadeiro réu
que as demais faixas deixou seguir ao léu,
na escala cinza há um arco-íris escondido?
Então se pensa nesse beijo nunca tido,
qual o sabor da perdida ptialina, (*)
para que lábios a língua então se inclina?
O ‘céu da boca’ é o palato ali contido,
esse nome que na infância alguém ensina,
comparado ao do azul mais desabrido...
(*) Substância salivar que inicia o processo digestivo.
PÉROLAS VERMELHAS X – 13 nov 20
Eu me surprendo a cada vez que escrevo
sonetos para ti, de quem me privo
no rebanho de quimeras em que vivo,
na inquietação que no meu peito levo;
nem sei se algum amor ainda te devo,
nem sei se em mim ainda existe amor ativo,
nem sei se em ti fulgor oscila redivivo,
sonho casual com que a mente apenas cevo...
A verdade é que o amor ainda alimenta
destes meus dedos esquivos os trejeitos,
meus hieróglifos se pintam sem cessar,
sem perceber qual o alvo que se atenta,
nos rios sem água de que percorro os leitos
e só a encontro após longo escavar...
PÉROLAS VERMELHAS XI
Pois ainda busco em tua face a inspiração,
estou seguro de que a reconheceria,
passadas décadas, no acaso em que a veria,
mudada mesmo pela humana variação;
meus lepidópteros desejos não se vão
desse anseio cerebral, que ainda buscaria
do beijo imagem que não existiria,
real porém em meu cardápio de ilusão.
Assim te vejo, meiga e saturnina,
algo severo no mais belo sorriso,
algo de meigo no mais feroz zangar;
meu pensamento exausto ainda se inclina,
reconhecendo aonde quer que piso
as marcas de teus pés para apanhar...
PÉROLAS VERMELHAS XII
Pois tal amor que te pareça fantasia
é bem real nos recônditos neurais;
não sei contudo, se nos teus, jamais
sobre algum canto mais simples de harmonia;
jogral ainda eu sou, na mesma melodia
de tantos versos simplesmente fantasmais,
breves visões espelhando as perenais,
em que tua face na mente ainda sorria.
No fim da tarde, ainda ouso confessar,
a falsa mágoa de insincero romantismo
nesses poemas em que teu rosto espelhas,
caótica esperança de um tempo milenar
em que acharia finalmente, em realismo,
esses teus beijos de pérolas vermelhas!...
URBANIDADE I – 14 NOV
2020
Carinho de minha mãe
recordo pouco,
sempre envolvida em
mil atividades,
eu me sentia um
estorvo, nas idades
em que criança tende
a chorar mais rouco,
na ânsia por
afeto. Esse amor louco
que descrevem nas
mães, as suas bondades
suas justificativas
aonde quer que vades,
até aos crimes
mostrando ouvido mouco,
eu nunca
usufrui. Foi mãe severa,
revoltada por não ter
o que queria,
sem receber da vida o
que esperava,
que até me fez
desistir do amor a espera,
a um ponto tal que
nem sequer podia,
acreditar que alguém
enfim me amava.
URBANIDADE II
E quem diria que ao
receber o bem
que mais eu desejara,
descobrisse
a diferença que
havia, que fugisse
entre meus dedos seu
palpitar também?
Que ao receber um
novo amor, porém,
um novo ciclo o meu
viver cumprisse
e então buscasse o
quanto ainda crisse
me ser possível nesse
amor recém?
Assim correm os dias,
tudo passa,
a ânsia do desejo, a
perda e a dor,
só não nos passa é a
monotonia,
que por mais que se
lute ou que se faça,
a cada dia nos segue
o seu langor,
um tempo apenas que a
noite já anuncia.
URBANIDADE III
Fui dessa forma menos
competitivo
no mercado do amor,
só me aprestei
quando certeza de
aceitação detectei,
sem me jogar por toda
parte, num esquivo
procurar da conquista
o dom furtivo,
mas raras vezes foi
que me enamorei,
o alheio amor foi
sempre o que esperei
de qualquer relação o
dom definitivo.
Agindo assim sem
ciúme e sem maldade,
satisfeito com o amor
que recebia,
meu próprio amor me
esforçando por sentir,
em atitude de total
urbanidade,
nesse sincero amor
que assim fingia,
sincero e falso amor
igual a usufruir...
EM NOJO HUMILDE I – 15 NOV 20
O Eu Fecal, quando sai, vem bem quentinho
e em sua essência está o vigor da vida,
essa parte de nós, que oferecida
dar não queremos, em pendor mesquinho,
mas traz células de nós, o pão e o vinho
que não se pôde aproveitar, perdida
sua substância para nós, retida
sua energia, só lançando ao redemoinho
o que não mais queremos, tão ingratos
somos nós todos, já que alguém nos quis
lançar ao alagadiço dos adeuses,
que de real nem sabemos quais os fatos
que nos deram a vida; e quem nos diz
que não sejamos o Eu Fecal dos Deuses?...
EM NOJO HUMILDE II
Eu não blasfemo a sós.
Existe a lenda
da Tartaruga Cósmica potente,
que em certa ocasião ficou doente
e a diarreia espalhou nessa prebenda,
toda a galáxia formando nessa senda;
em certa estrela nesse então nascente
um sistema planetário está presente,
até encontrar-se, numa oculta fenda,
uma geleia a trepidar de protoplasma,
última herdeira do quelônio sideral,
que aos éons tomou de si consciência...
E a mente humana em tanto orgulh orgasma,
como se fosse destinada ao imortal,
tão somente por ter certa inteligência!...
EM NOJO HUMILDE III
Já os helenos, com maior delicadeza,
relatam cabra, que chamaram de Amalteia,
ama de leite de Zeus, nessa epopeia
que a Via Láctea gerou com mais certeza,
o “Caminho do Leite” tendo mais nobreza
que a concepçao do Eu Fecal ateia,
gotas de leite espirradas nessa ideia,
quando o deusinho, sem grande gentileza,
largou a teta da cabra e foi brincar!...
Vem a Escritura bem contrário a ensinar,
que somos frutos do pó e da saliva;
algum orgulho mesclado em humildade,
que dessa baba divina a imortalidade
tornou possível a inteligência viva!...
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