quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021


 

 

O PESO VERDE DA ESPERANÇA I – 24 SET 20

 

Eu tinha uma esperança pequenina,

não mais que cintilar de fantasia:

“talvez seja amanhã o caro dia

em que se há de transformar minha dura sina!”

Eu tinha essa esperança, luz divina

a rebrilhar no túnel e até cria

se completassem os anos da vazia

palmilhação que meu caminho percorria.

 

Mas o que eu vi, ao longo do caminho,

foi que esperança é apenas adiamento,

o que jamais nos leva à saciedade;

mas não lastimo a perda do carinho,

pois o que tive conservo ao pensamento:

do que não tive sinto apenas pré-saudade...

 

O PESO VERDE DA ESPERANÇA II

 

Todos conhecem a lenda de Pandora,

seduzida pelo Titã Epimeteu,

que a abrir seu escrínio convenceu,

todos os males lançando assim embora;

ficou somente ali a esperança nessa hora,

bem depressa ela o chou e então prendeu;

naturalmente isolada, ela cresceu

e se escapou do cofre sem demora...

 

Mas por que os demais males saíram

e só deixaram no fundo a esperança,

no desatino que para a fuga avança?

O que os Helenos certamente viram,

Foi que de todos, era o mais pesado,

batendo em fúria no cofre assim fechado!

 

O PESO VERDE DA ESPERANÇA III

 

Muitas versões explicam que a esperança,

de um jeito ou doutro, conseguiu sair;

talvez forçasse o ferrolho a explodir,

talvez, em fantasmagórica esquivança,

atravessasse a própria tampa sem tardança;

ou então Pandora decidiu de novo abrir,

toda iludida de esperança conseguir,

que lhe pudesse conferir nova bonança.

 

Porém foi este realmente o seu pecado;

os demais males bem podemos controlar,

na maioria, a sua influência é breve;

mas o peso da esperança é inusitado:

só por momentos se mostra a verdejar

e então resseca para que o vento a leve.

 

O PESO RUBRO DA ESPERANÇA I – 25 SET 2020

 

Pouco importa, afinal, que me deseje,

já me encontro derruído e sem valia;

toda a esperança que eu amei um dia

esfez-se em cinza, sem que mais se enseje;

não é desesperança que me beije,

mas a constatação que só poesia

não conquista corações, nem a energia

se renova após que a vida nos aleije.

 

Tudo não passa dessa constatação

que da esperança não nos falte o alimento,

mas ricos bens ela nunca nos dará;

seu peso é demasiado e não fará

mais que acenar com a sorte de um momento,

para depois nos afundar no coração.

 

O PESO RUBRO DA ESPERANÇA II

 

Sobre Pandora existe ainda outra versão:

o seu escrínio é tão somente alegoria,

sendo seu ventre que nos referiria

de Epimeteu a maliciosa sedução,

que conseguiu, com cínica evasão,

afastar dela os mil receios que lá havia

e finalmente a engravidar a convencia,

tão sorrateira sua argumentação.

 

Pandora viu nesse filho a esperança,

que de algum modo se fosse nele realizar;

passado o tempo, chegou-lhe essa criança,

que para sempre a iria escravizar,

pois coração de mãe nunca se cansa

de a realidade do mundo contrariar...

 

O PESO RUBRO DA ESPERANÇA III

 

Assim ocorre também com todos nós:

a dor do parto bem depressa é esquecida,

ante a esperança nessa pequena vida,

dos dissabores mal se calculam os nós;

os homens, por igual, seguem empós,

só imaginando dos males dura lida,

mas a mulher, a seguir, tem incontida

certeza da tocaia em duras mós,

 

que a si mesma e aos filhos acometem

e assim expressa maior perturbação

perante os males que no porvir espreitarão,

enquanto falsas esperanças se intrometem,

seu peso rubro anulando a precaução,

com maus sorrisos que a todos nos afetem.

 

O PESO AZUL DA ESPERANÇA I – 26 SET 2020

 

Estranha amada que me quis um dia,

naquela noite estranha ensimesmada,

estranha em seu frescor de madrugada,

mais estranho o clangor de sua alegria;

e como foi estranho o que dizia!

Como era estranha a face contemplada,

como era estranho que eu não dissesse nada,

mas apenas degustasse a estranha via!

 

Porque alegria de esperança sempre é estranha

e mais estranho que guardasse o bom-humor,

nessa estranheza de meu contentamento,

que fosse estranha essa emoção tamanha,

na esperança desse estranho amor,

amortalhado em mais estranho julgamento.

 

O PESO AZUL DA ESPERANÇA II

 

A esperança jamais é felicidade,

somente a ilusão de ser feliz,

que a esperança, de fato nunca diz,

salvo num beijo tricolor de falsidade;

dizem ser verde esse anseio, na verdade

um firme gancho na ponta do nariz;

que seja rubra já afirmar eu quis,

vermelho o sangue de sua crueldade.

 

Mas é igualmente azul em sua tocaia

essa armadilha que nos apresenta,

de que possamos esperar nos caia

qualquer desejo que do céu se atenta,

sempre à socapa nos guardar a vaia,

por entre os dentes a derramar-se lenta.

 

O PESO AZUL DA ESPERANÇA III

 

E no entretanto, quando a espera chega,

a qual nós cremos como realizável,

que seja o azul do céu claro e saudável,

para a visão real do mundo ela nos cega;

a esperança em manto azul se entrega,

igual que amante em adiamento afável,

cada momento dessa espera tributável,

juro e desdém em cada bem que lega.

 

Muito melhor seria encontrarmos outro mal,

que se saiba ser mau e que se enfrenta,

ou por ser forte demais nos desalenta,

do que essa dama em seu blau de carnaval,

que nos sugere muito mais do que acomete,

porém que nunca nos dará quanto promete.

 

O PESO COBRE DA ESPERANÇA I – 27 SET 2020

 

São seus caprichos, afinal, todos os versos;

enferrujou-se a fonte, era de cobre,

azinhavrada a inspiração que sobre,

no verdigris de estanhos perispersos;

em fragmentos de lata vão dispersos

e a oxidação da alma me recobre;

já não encontro lustro que me dobre

de novo à senda de meus brilhantes terços.

 

Talvez um dia, caso leiam meus escritos,

Dirão: “Foi uma fase que passou, coitado!

Igual que nós, foi infeliz, sofreu!...”

Mas não foram reais mágoas esses gritos,

não mais que aborrecimento descuidado

dessa esperança que dentro em mim nunca viveu.

 

O PESO COBRE DA ESPERANÇA II

 

Porque a esperança, sendo um mal, é criatura,

fora de nós tendo existência bem concreta,

não sendo apenas um fatiar da alma secreta:

além de nós, mui certamente, ela perdura.

Se assim não fora, essa esperança impura

por que a cada coração humano afeta?

Ao longo arco-íris dos males só completa

e meigamente a vida torna ainda mais dura...

 

Que ninguém pense que esperança é só emoção,

é mais anel bem apertado de latão,

cujos aros apertam firme e vêm cortar;

melhor seria que de alumínio fosse,

sua tirania talvez mostrasse um teor doce

e bem melhor nos deixasse trabalhar.

 

O PESO COBRE DA ESPERANÇA III

 

Mas a esperança, embora tênue e bela,

tem de forte metal a rigidez;

é de pensar que não foi o titã quem fez

o seu pecado cometer essa donzela;

talvez de dentro ela mesmo então apela,

achando estreita demais sua pequenez

e do escrínio no interior encontre arnez,

puxado então para afrouxar sua sela...

 

Para o mundo assim soltando os companheiros,

depois surgindo falaz em solução,

que ao invés de auxílio, mas nos perturbaria.

O fato é que os humanos seus herdeiros,

sem esperança contra os males, com razão,

bem mais firmeza cada qual demonstraria...


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