O PESO VERDE DA ESPERANÇA I – 24
SET 20
Eu tinha uma esperança pequenina,
não mais que cintilar de
fantasia:
“talvez seja amanhã o caro dia
em que se há de transformar minha
dura sina!”
Eu tinha essa esperança, luz
divina
a rebrilhar no túnel e até cria
se completassem os anos da vazia
palmilhação que meu caminho
percorria.
Mas o que eu vi, ao longo do
caminho,
foi que esperança é apenas
adiamento,
o que jamais nos leva à
saciedade;
mas não lastimo a perda do
carinho,
pois o que tive conservo ao
pensamento:
do que não tive sinto apenas
pré-saudade...
O PESO VERDE DA ESPERANÇA II
Todos conhecem a lenda de Pandora,
seduzida pelo Titã Epimeteu,
que a abrir seu escrínio
convenceu,
todos os males lançando assim
embora;
ficou somente ali a esperança
nessa hora,
bem depressa ela o chou e então
prendeu;
naturalmente isolada, ela cresceu
e se escapou do cofre sem demora...
Mas por que os demais males
saíram
e só deixaram no fundo a
esperança,
no desatino que para a fuga
avança?
O que os Helenos certamente
viram,
Foi que de todos, era o mais
pesado,
batendo em fúria no cofre assim
fechado!
O PESO VERDE DA ESPERANÇA III
Muitas versões explicam que a
esperança,
de um jeito ou doutro, conseguiu
sair;
talvez forçasse o ferrolho a
explodir,
talvez, em fantasmagórica
esquivança,
atravessasse a própria tampa sem
tardança;
ou então Pandora decidiu de novo
abrir,
toda iludida de esperança
conseguir,
que lhe pudesse conferir nova
bonança.
Porém foi este realmente o seu
pecado;
os demais males bem podemos
controlar,
na maioria, a sua influência é
breve;
mas o peso da esperança é
inusitado:
só por momentos se mostra a
verdejar
e então resseca para que o vento
a leve.
O PESO RUBRO DA ESPERANÇA I – 25
SET 2020
Pouco importa, afinal, que me
deseje,
já me encontro derruído e sem
valia;
toda a esperança que eu amei um
dia
esfez-se em cinza, sem que mais
se enseje;
não é desesperança que me beije,
mas a constatação que só poesia
não conquista corações, nem a
energia
se renova após que a vida nos
aleije.
Tudo não passa dessa constatação
que da esperança não nos falte o
alimento,
mas ricos bens ela nunca nos
dará;
seu peso é demasiado e não fará
mais que acenar com a sorte de um
momento,
para depois nos afundar no
coração.
O PESO RUBRO DA ESPERANÇA II
Sobre Pandora existe ainda outra
versão:
o seu escrínio é tão somente
alegoria,
sendo seu ventre que nos
referiria
de Epimeteu a maliciosa sedução,
que conseguiu, com cínica evasão,
afastar dela os mil receios que
lá havia
e finalmente a engravidar a
convencia,
tão sorrateira sua argumentação.
Pandora viu nesse filho a
esperança,
que de algum modo se fosse nele
realizar;
passado o tempo, chegou-lhe essa
criança,
que para sempre a iria
escravizar,
pois coração de mãe nunca se
cansa
de a realidade do mundo
contrariar...
O PESO RUBRO DA ESPERANÇA III
Assim ocorre também com todos
nós:
a dor do parto bem depressa é
esquecida,
ante a esperança nessa pequena
vida,
dos dissabores mal se calculam os
nós;
os homens, por igual, seguem
empós,
só imaginando dos males dura
lida,
mas a mulher, a seguir, tem
incontida
certeza da tocaia em duras mós,
que a si mesma e aos filhos
acometem
e assim expressa maior
perturbação
perante os males que no porvir
espreitarão,
enquanto falsas esperanças se
intrometem,
seu peso rubro anulando a
precaução,
com maus sorrisos que a todos nos
afetem.
O PESO AZUL DA ESPERANÇA I – 26
SET 2020
Estranha amada que me quis um
dia,
naquela noite estranha
ensimesmada,
estranha em seu frescor de
madrugada,
mais estranho o clangor de sua
alegria;
e como foi estranho o que dizia!
Como era estranha a face
contemplada,
como era estranho que eu não
dissesse nada,
mas apenas degustasse a estranha
via!
Porque alegria de esperança
sempre é estranha
e mais estranho que guardasse o
bom-humor,
nessa estranheza de meu contentamento,
que fosse estranha essa emoção
tamanha,
na esperança desse estranho amor,
amortalhado em mais estranho
julgamento.
O PESO AZUL DA ESPERANÇA II
A esperança jamais é felicidade,
somente a ilusão de ser feliz,
que a esperança, de fato nunca
diz,
salvo num beijo tricolor de
falsidade;
dizem ser verde esse anseio, na
verdade
um firme gancho na ponta do
nariz;
que seja rubra já afirmar eu
quis,
vermelho o sangue de sua
crueldade.
Mas é igualmente azul em sua
tocaia
essa armadilha que nos apresenta,
de que possamos esperar nos caia
qualquer desejo que do céu se
atenta,
sempre à socapa nos guardar a
vaia,
por entre os dentes a derramar-se
lenta.
O PESO AZUL DA ESPERANÇA III
E no entretanto, quando a espera
chega,
a qual nós cremos como
realizável,
que seja o azul do céu claro e
saudável,
para a visão real do mundo ela
nos cega;
a esperança em manto azul se
entrega,
igual que amante em adiamento
afável,
cada momento dessa espera
tributável,
juro e desdém em cada bem que
lega.
Muito melhor seria encontrarmos
outro mal,
que se saiba ser mau e que se
enfrenta,
ou por ser forte demais nos
desalenta,
do que essa dama em seu blau de
carnaval,
que nos sugere muito mais do que
acomete,
porém que nunca nos dará quanto
promete.
O PESO COBRE DA ESPERANÇA I – 27 SET 2020
São seus caprichos, afinal, todos os versos;
enferrujou-se a fonte, era de cobre,
azinhavrada a inspiração que sobre,
no verdigris de estanhos perispersos;
em fragmentos de lata vão dispersos
e a oxidação da alma me recobre;
já não encontro lustro que me dobre
de novo à senda de meus brilhantes terços.
Talvez um dia, caso leiam meus escritos,
Dirão: “Foi uma fase que passou, coitado!
Igual que nós, foi infeliz, sofreu!...”
Mas não foram reais mágoas esses gritos,
não mais que aborrecimento descuidado
dessa esperança que dentro em mim nunca viveu.
O PESO COBRE DA ESPERANÇA II
Porque a esperança, sendo um mal, é criatura,
fora de nós tendo existência bem concreta,
não sendo apenas um fatiar da alma secreta:
além de nós, mui certamente, ela perdura.
Se assim não fora, essa esperança impura
por que a cada coração humano afeta?
Ao longo arco-íris dos males só completa
e meigamente a vida torna ainda mais dura...
Que ninguém pense que esperança é só emoção,
é mais anel bem apertado de latão,
cujos aros apertam firme e vêm cortar;
melhor seria que de alumínio fosse,
sua tirania talvez mostrasse um teor doce
e bem melhor nos deixasse trabalhar.
O PESO COBRE DA ESPERANÇA III
Mas a esperança, embora tênue e bela,
tem de forte metal a rigidez;
é de pensar que não foi o titã quem fez
o seu pecado cometer essa donzela;
talvez de dentro ela mesmo então apela,
achando estreita demais sua pequenez
e do escrínio no interior encontre arnez,
puxado então para afrouxar sua sela...
Para o mundo assim soltando os companheiros,
depois surgindo falaz em solução,
que ao invés de auxílio, mas nos perturbaria.
O fato é que os humanos seus herdeiros,
sem esperança contra os males, com razão,
bem mais firmeza cada qual demonstraria...
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