quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021


 

 

SÃO BARTOLOMEU (24 AGO 79)

 

Nascido de mulher, igual como tu és,

Eu tenho teus suores, teus medos, teus receios,

Sou vesgo, como tu: zumbaias, devaneios

Compõem-me a liturgia das mais perdidas fés.

 

Nascido eu sou do esperma, nascida és tu também

E nosso ovulejar repete, em nossa vida,

Falópico trajeto, na trompa adolescida,

Ao útero saltar de nosso amor que vem

 

Tingir-se de placenta, em plena madurez,

Nutrir-se em alheio sangue de alheia fluidez,

Nos meses que compõem, em seu nutrir de feto,

 

O mesmo sonho humano, fervido no embrião,

Que a nós nos refecunda, em tangencial afeto

E à morte nos expulsa, no fim da gestação.

 

SÃO BARTOLOMEU II  (2 JUN 10)

 

Nascido para a morte, tão logo vejo a luz,

meu corpo em expansão de pura distropia,

rancor desse universo amante da entropia,

em mim se manifesta no fado a que conduz.

 

Um saquitel de sonho, invólucro de mus-

go, em pele transformado, quimera de elegia,

na fluidez sublime desgasto essa energia

que em mim se concentrou enquanto amor reluz.

 

Porém, para nascer, matei os meus irmãos:

somente eu penetrei no óvulo materno,

que todos temos culpa desse primeiro incesto.

 

Milhões que pereceram, sem terem corações,

para que eu visse hoje o dealbar do inverno,

igual que tu culpado de um fratricida gesto.

 

SÃO BARTOLOMEU III

 

Não é de admirar que tais competidores,

que soubemos alcançar a luz deste fanal,

assim permaneçamos gulosos, vencedores,

após romper membranas, sem lamentar o mal

 

causado à nossa mãe, rompendo-lhe o canal:

que egoístas somos todos, nascemos entre dores,

de sangue recobertos ao mundo natural,

na esperança de à luz alçar-nos quais condores.

 

Por isso, ainda lutamos, quebramos os espaços,

sem grande desperdício de humana simpatia...

E o mesmo repetimos, a cada geração,

 

abraçados assim todos, na busca dos regaços,

em novo desafio às leis dessa entropia,

enquanto nos perdure o bater do coração.

 

 


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