PARADOXO DO PEDIGREE I
19 NOV 2020
Corre em nossa família lenda antiga:
que no século dezenove, um marinheiro
embriagou-se no Porto e bem ligeiro
fugiu para o interior da terra amiga.
Consideraram desertor esse
estrangeiro,
Padraic Geddes é o nome a que se
liga;
e temendo a marinha que o persiga,
refugiou-se em um lar hospitaleiro.
A barba ruiva e seus cabelos louros
não eram raros por demais em
Portugal,
terra de Godos, antes que de Mouros;
trocou seu nome para Patrício Guedes,
sendo comum essa forma desigual,
a diferença de umas letras só o que
pedes.
PARADOXO DO PEDIGREE II
Foi bem na época de Napoleão nas guerras:
os arquivos de batismo eram queimados,
os nobres portugueses refugiados,
cruzando o mar às brasileiras terras.
Patrício Guedes mudou-se para as serras
de Trás-os-Montes; seus ares educados,
fortes músculos ao trabalho dedicados
deram-lhe esposa em portuguesas barras.
Criou família no interior de Villa Rica,
em Villarinho de São Romão, pequena aldeia,
aliado ao velho tronco dos Teixeiras;
foi avô me meu avô, tudo me indica,
ou talvez bisavô, na antiga teia
dessas velhas raízes pegureiras... (*)
(*) Montanhesas
PARADOXO DO PEDIGREE III
Foi desse modo que, por capricho do
destino,
que esse velho irlandês, um bom
católico,
conseguiu inscrever-se no bucólico
registro paroquial como inquilino...
Foi o medo da forca e o desatino
de bebedeira de caráter hiperbólico
que nova vida lhe deram no apostólico
cadastro de batismo em trato fino.
Talvez sessenta anos depois, três
descendentes,
dois irmãos e uma irmã, para o Brasil
se transferiram, em busca de fortuna;
e aqui me encontro, o filho dessas
gentes,
se é que houve o irlandês, toque
sutil,
numa noite escapando de sua escuna...
PARADOXO DO PEDIGREE IV – 20 nov 20
De outro lado da família, corre a lenda
de um diplomata suíço, destacado
para Beirute, pela Cruz Vermelha,
em que os Maronitas outra senda,
diversa do Corão, nesta agenda
por Cristianismo Ortodoxo controlado,
um firme grupo que antiga crença espelha,
a contrariar a Muçulmana tenda...
Deste modo, uma jovem Maronita,
de sobrenome Karan, muito instruída,
foi trabalhar justamente no escritório
a que fora destacado, nesta escrita,
Ernst-Dieter Hartmann, de conhecida
família dona de importante empório...
PARADOXO DO PEDIGREE V
Apaixonou-se, enfim, perdidamente,
o diplomata pela secretária
e ela por ele, nessa consuetudinária
expressão que se empregava
antigamente...
A família da menina, infelizmente,
não concordou com o casamento: era
nefária
a opinião Maroniya, tendo por
ordinária
a religião Católico-Romana dessa
gente.
E o diplomata convenceu a sua amada
para fugir com ele, era abastado,
num barco comprou passagem de antemão
e certo dia, em plena madrugada,
encontraram-se no porto, com cuidado,
sendo casados pelo próprio
Capitão!...
PARADOXO DO PEDIGREE VI
Muito romântica essa lua-de-mel,
num navio a cruzar o Mediterrâneo,
coisa pouco comum no coetâneo
mundo forjado por época cruel.
Para surpresa do Suíço, no enxaimel
da casa que tinha em Frauenfeld sua família,
foram mal recebidos, na homilia
de um preconceito Católico sem quartel.
Casar com “Turca” ainda pior do que Judia,
essas ao menos entendiam o alemão
e conheciam os costumes europeus;
e de nada adiantou a explicação
de que Latifa era cristã na ortodoxia:
o diplomata foi expulso pelos seus!...
PARADOXO DO PEDIGREE VII – 21 nov
2020
Mas Latifa Karan Hartmann uma tia
tinha em Pelotas, no Brasil do sul;
Ernst vendeu seus bens e o par, exul,
em outro barco empreendeu do mar a
via...
Cruzaram três semanas, noite e dia,
até chegarem pelo Oceano azul,
a uma cidade do Rio Grande do Sul,
que acesso fácil a Pelotas permitia.
Lá o Suíço abriu uma ferragem
e zangado com a família, ele trocou
o sobrenome para Duro; e gravidez
notou
em sua jovem esposa, ainda na
passagem;
e no devido tempo, essa menina
teve uma filha, a quem chamaram
Ernestina.
PARADOXO DO PEDIGREE VIII
Muito depois, já chegada à puberdade,
Ernestina conheceu a Dário Humberto,
um homem viajado e bem esperto,
na Sorbonne diplomado Summa
com Laude!
Namoraram e casaram de verdade,
logo ganharam um nenê, por certo,
fruto do amor que aos dois trouxera perto,
foi Alayde, minha mãe, minha saudade...
Mas pouco tempo depois, veio o destino
passar a foice na feliz trindade,
pois Ernestina morreu num acidente,
Dário Humberto deixado em desatino,
que entregou a filhinha, em tenra idade,
á guarda de suas tias, bem contente!
PARADOXO DO PEDIGREE IX
Meu avô, com os lucros da ferragem,
comprara um conversível, ou “barata”,
assim chamado por troça bem gaiata,
pelo povo que invejava a sua
linhagem.
Carro longo e vermelho e, com
coragem,
meu avô o dirigia, nessa data
em que os carros eram raros; só a
nata
da juventude a ter neles passagem.
E foi assim que a tragédia aconteceu:
Ernestina no banco da direita
e meu avô correndo em desafio;
a porta mal fechada então cedeu,
minha avó foi lançada à rua estreita,
o crânio a rebentar no meio-fio!...
PARADOXO DO PEDIGREE X – 22 nov 2020
Meu outro avô viera já de Portugal,
com irmão e irmã; era
alfaiate,
para fugir das guerras ao combate,
que assolavam o seu país natal.
Logo seguiu a senda natural,
abriu um armazém, lançou-se ao embate,
comprou casas, fazenda e até um abate; (*)
casou-se em boa família, mas fatal
(*) Matadouro, açougue
foi seu destino, pois era diabético
e ninguém ainda descobrira a insulina:
uma ferida em seu pé nunca fechou;
operado várias vezes, qual morfético,
cortaram-lhe aos poucos, triste sina!
Aquela perna que aos poucos gangrenou!
PARADOXO DO PEDIGREE XI
São essas lendas que ouvi de meu avô,
mas é a história de minha mãe que me
fascina;
Libanesas sendo as tias da menina,
sempre o apelido de “turca” ela
escutou.
E fez meu pai jurar, quando mudou,
que na cidade a que agora se destina
não contasse a ninguém a antiga sina
e somente o nome do pai ela adotou.
Foi meu pai que me contou sobre
Ernestina:
sendo a troca de nome então difícil,
foi simulada uma hipotética adoção;
só com o nome do pai ficou a menina,
até adotar o do marido, coisa fácil,
não sendo o nome de minha predileção.
PARADOXO DO PEDIGREE XII
E aqui estou eu, William Lagos:
sou Luis por meu avô, do outro Humberto
e meu padrinho William Thomas foi esperto,
introduzindo seu nome em nossos pagos.
Sou assim herdeiro destes três Reis Magos,
sem ganhar deles qualquer cofre aberto,
tão somente o seu dom de amor incerto
por tantas coisas que ganharam meus afagos...
Amei mulheres, sim, amei a história,
a arte e os livros, a música e a poesia,
toda a ciência, toda a tecnologia,
que nos trouxe até esta época de glória,
mas a razão de meu perpétuo afeto,
é que minhalma eu derramei neste soneto!
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