ruas esvaziadas I – 1º dezembro 2020
contudo, muito cresceu a minha cidade,
com tanta gente a nos chegar de fora,
novos fantasmas trazendo a cada hora,
não mais tão limpa como esteve, na verdade,
quando eu e meus duplos, com serenidade,
a percorríamos constantes nesse outrora,
penados e poltergeister
a mandar embora,
sem mais assombro de sua iniquidade;
mas agora, na mortalha da pandêmica,
proibiram mesmo que se saísse à noite
e até perdi o livre impulso de sair;
com máscara, minha visão é mais anêmica
e já não posso perceber com igual acoite
esses fantasmas que costumava perseguir...
ruas esvaziadas II
porém eu vejo, espigado à minha janela,
os meus próprios fantasmas encolhidos,
em seu destino final aqui reunidos,
buscando em vão minha presença na viela;
pela fresta das vidraças podem vê-la,
mas não se podem sentir mais acolhidos,
não saio à rua e se sentem reprimidos,
uns com os outros se abraçam em gavela.
e se lhes abro a persiana em boas-vindas,
nao se animam a erguer-se desde o chão,
não se atrevem a aceitar minha proteção
e suas tarefas já lhes parecem findas,
mas já foram de mim e não se afastam,
somente o brilho de meus olhos pastam...
ruas esvaziadas III
mas certamente jamais me farão mal
com sua tênue e infeliz proximidade,
tantos de mim já absorvi, na realidade,
tantos de mim já morreram sem sinal!
os anos passam de forma consensual
com os tempos de mim sem ter bondade,
sem indiferença nem vezos de maldade
e a cada tantos anos, de forma natural,
eu morro um pouco e em parte continuo,
não mais os doppelgänger
reconhecem
nesta figura que os contempla da janela
o caminhante cujo passo firme e duo
era tão forte!... e apenas estremecem,
sob essa chuva argêntea que os congela!
vocabulário I – 2 dez 2020
há milênios os artifícios dos helenos
criaram metáforas e mil alegorias,
palavras tendo para o quanto sentirias,
todos nós somos gregos, nalma ao menos,
as diferenças sendo coisas de somenos,
lá no fundo as mesmas crenças que terias
às dos gregos sem temor compararias,
ambos podendo confabular serenos.
todo o terreno filológico é comum,
como os termos inventados para tudo
que utilizas em raciocínio, não me iludo.
a diferença é que de tantos, sempre algum
já não usamos mais, que é assim sutil
dos helenos sua linguagem tão viril!...
vocabulário II
cada expressão utilizada na poesia
já foi por tais antigos abordada,
em muitas outras sem sequer ser aplicada,
quem lembra um poema chamado prosodia?
prosódia ainda se emprega, à revelia
do sentido em que de início foi criada
por baquilides e por alceu normalizada:
não a pronúncia, mas estrofes que se cria...
de modo idêntico, até mesmo em teologia,
as vertentes foram sendo desvirtuadas:
elêusis só “advento” no início indicaria;
por kyrie eleison
dizem “senhor, tem piedade”
mas é “vem, senhor” junto a nós fazer moradas,
qual Maranatha em
hebraico se diria!...
vocabulário III
e de igual modo, também na filosofia,
pois “peripatético” somente significava
“andar ao redor” do jardim em que se achava
o filósofo de quem o romantismo se inicia,
mas muita gente até mesmo julgaria
designar seu sistema que legava,
porém platão de caminhar gostava
e suas aulas em movimento ditaria!...
igual pertence a cada ideologia
o emprego puro e simples de “querigma”,
ou a pregação de quanto defendia,
mas pensam referir-se só ao cristão,
a defender seus dogmas em sintagma:
tratado exato por sua classificação.
temáticas I – 3 dezembro
2020
todo o poder da
linguagem me enaltece,
eu a quero para mim,
com suas mazelas;
conservo os versos
em barracos de favelas
e os adjetivo ponho
em tríduo de uma prece,
mas é em preposições
que a bênção desce,
diretamente nas
adverbiais estelas,
amortalhada em
prosopopeias belas,
em cada hiato a
insurreição se tece!...
e enquanto banho a
mente com figuras,
no mesmo ritmo com
que a língua cresce,
surgem novas
palavras, novas falas,
nessas metáforas de
anacreses puras,
que tal sinédoque
nunca mais me cesse,
na metonímia de
pronome em que resvalas!
temáticas II
não pretendo as
figuras de linguagem
os os vícios de
tanto barbarismo
aqui exemplificar em
solecismo,
não é minha intenção
nesta mensagem;
mas sim a minha
inteira vassalagem
à língua portuguesa
em seu modismo,
aqui aplicada por
mim ao sonetismo,
contracorrente, a
defendê-lo com coragem!
sei muito bem que
surgiu esse costume
e por longo já ser,
pensam ser certo,
de serem frases
soltas no deserto
de uma página em
branco, sem que rume,
espontaneamente para
um belo cume,
que em progressão à
bela chave traga acerto.
temáticas III
feroz defendo a
minha língua lusitana
e seus formatos de
maior beleza,
não apenas de
camões, isto é certeza,
mas certamente por
inventiva italiana;
e ainda defendo a
imaginação romana
no romantismo e por
igual a crueza
do amor carnal em
sua plena madureza:
com os poetas do
lácio assim me irmana.
há uma década nada
escrevo realmente
em temática pura de conotação
sexual,
não que acredite ter
no passado agido mal,
mas simplesmente que
me inspiro diferente,
um pouco no sensual,
outro no espiritual,
tão variegado é
nosso amor onipresente!...
temáticas IV
mas quando a
inspiração se me apresente,
de novo obras
carnais escreverei;
no pornográfico
jamais descambarei,
por mais que o tédio
nesse destino tente!
mas o erótico
conservo em mim latente
e cedo ou tarde a
ele eu voltarei,
tantos temas
proibidos já abordei,
até as funções
excretórias, realmente!
mas como sempre afirmo,
sou atuado
por requisitos de
cem poetas mortos
e raramente os meus
próprios versos tortos
eu introduzo em um
campo tão variado;
mas da palavra eu
continuo enamorado,
nenhuns rascunhos
reduzindo a abortos!...
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