terça-feira, 23 de fevereiro de 2021


 

 

FANTASMAGORIA I – 27 NOV 2020

 

Existe grande variedade de fantasmas;

os mais comuns são os que nunca falam,

tais como os poltergeister, mas que abalam

o equilíbrio de teus óticos quiasmas;

em sua presença pressentida pasmas,

quando nos cantos das mansões estalam,

pelo canto dos olhos te embaralham

e julgas serem pestanas seus miasmas.

 

Outros existem, pobres almas infantis,

que jazem quietas em cantos solitários,

porém teus cães assustam e assombram gatos,

outros nas lâminas prisioneiros vis

de teus espelhos, com ou sem sudários,

que te contemplam em tímidos recatos...

 

FANTASMAGORIA II

 

Existem aqueles a guardar tesouro,

que conseguem, certas vezes, te empurrar,

que tua visão sabem obnubilar,

que não permitem a tomada de seu ouro;

outros ainda de mais áspero couro,

que  em seu local de morte vêm pairar

e mal percebem o estarem a assombrar,

sem se saberem da morte no desdouro...

 

Existem aqueles que buscam o assassino

e com astúcia procuram sua vendetta,

pois não conseguem tocar o material;

nos devaneios encontram seu destino,

no sobressalto de sua missão secreta,

fortes remorsos de cunho espiritual!...

 

FANTASMAGORIA III

 

Alguns existem que marcham pelas ruas,

sempre invisíveis sob a luz do sol,

desvanecidos sempre no arrebol,

mas quase materiais à luz de luas...

E existem ainda aquelas sombras nuas

que nos teus sonhos penetram qual farol

e no teu corpo se comportam igual crisol,

sua energia carregando como gruas:

 

tais são os íncubos, do sexo masculino

e as súcubos, de feminino porte,

dos fantasmas os realmente perigosos,

mas para cumprirem tal destino,

algum orgasmo te dão de qualquer sorte,

da coorte fantasmal falsos esposos!

 

FANTASMAGORIA IV – 28 nov 2020

 

Igual existem os fantasmas de afogados,

que vêm às praias quase congelados;

batem às portas tais entes apressados,

qual se estivessem chegando de viagem...

Caso os parentes os recebam, com coragem,

chegam até das lareiras à paragem

e se lamentam por perderem a passagem

 

para os portos que pretendiam alcançados;

mas não aceitam comida e nem bebida

e nem sequer a proteção de um cobertor,

só ante o fogo se buscam aquecer

e para espanto da família ali reunida,

vão derretendo diante do calor,

só a água do mar no piso ali a escorrer...

 

FANTASMAGORIA V

 

Mas outros aparecem nas lareiras,

por entre as chamas, como a crepitar

ou de suas dores a se lamentar,

porque morreram em incêndios ou fogueiras

e se buscam espantá-los com lenheiras,

o corpo inteiro já começam a mostrar

logo em fumaça a se volatilizar,

gemendo sempre, até que as derradeiras

 

brasas do fogo se consumam finalmente

e depois disso, não conseguem retornar

tais pobres almas de carnes calcinadas,

mas enquanto a fogueira está presente,

por algum tempo podem ainda aconselhar

as gentes ao redor talvez recompensadas.

 

FANTASMAGORIA VI

 

Essa é a origem dos fogos nos altares,

qualquer espírito a se fingir de deus

capaz de proteger os servos seus,

que alimentam seus turíbulos talares

com óleo santo, lenha ou carvoares,

as pitonisas a falar ao povo em véus,

provocando a impiedade dos ateus,

depois, sem pejo, se perdem pelos ares;

 

não sendo em nada seres materiais,

mas não mais que fumaça condensada,

sem que sejam tampouco espirituais;

algumas vezes tal pira alimentada

por carne humana em sacrifícios anormais,

qual de Moloque a adoração foi celebrada.

 

FANTASMAGORIA VII – 29 nov 2020

 

O que mais temem os fantasmas é viver

sua meia-vida, que tampouco é morte;

muitos se queixam dessa amarga sorte,

trazem correntes de constante padecer;

e há fogos-fátuos de ríspido poder,

dos vagalumes a mostrar material porte,

outros pertencem à fosfórica coorte,

verdes na noite ou de amarelo parecer;

 

ainda outros vagueiam pelos ares,

esses que dizem almas ser penadas,

qual para o voo de penas precisassem;

sob as estrelas em seus contemplares,

numa extensão de longas revoadas:

contra ciprestes talvez se contemplassem...

 

FANTASMAGORIA VIII

 

Esses que uivam pelas tempestades

são para o norte, aos poucos, atraídos

e em vastas multidões são envolvidos,

congregações do lado oposto ao Hades;

esses fantasmas nos céus assim perdidos

durante as noites iluminam as cidades,

boreais auroras brilhando sem maldades,

frágeis sementes de verões falidos...

 

Mas quando um deles escapa ao artifício,

vê-se atraído por arpões ou elmo,

iguais coroas a circundar tua fronte;

dizem as lendas que aportam malefício

halos impuros ditos Fogos de Santelmo,

que os veleiros perseguiam no horizonte...

 

 FANTASMAGORIA IX

 

Comuns ainda são fantasmas de ilusões,

de sentimentos esquecidos dispersados,

muitos rancores ali igual conservados,

muitos amores, falecidas suas paixões;

de tristezas se congregam multidões,

não de alegrias: desapontos assanhados,

humilhações e terrores massacrados,

milhões de filhos de nossos corações,

 

que se projetam de um olhar, ferozes

ou nos escorrem no bafo das narinas,

gotas de pranto a remoer cada carinho,

que pela morte transformam-se em algozes,

assombrando os garotinhos e as meninas,

quais manchas negras em lençóis de arminho.

 

FANTASMAGORIA X – 30 nov 20

 

A todas essas criaturas encontrei,

algumas fortes como elementais,

outras quase esmaecidas no jamais,

mas por entre suas garras deslizei,

meus pesadelos calmamente controlei,

fossem da noite, fossem devaneais,

incorporados bons eventos aos demais

e a meu redor, com firmeza, os dominei.

 

Em cada esquina de rua os destrocei,

enviados para um nada aniquilado,

destituídos de morte ou de pecado;

minha cidade inteira assim limpei,

mas nada fiz nos umbrais de tua cidade,

não cabe a um só redimir a humanidade!

 

FANTASMAGORIA XI

 

Pois muita vez eu percorri caminhos

que já houvera antes palmilhado,

vendo sombras caminhando do meu lado,

muito mais próximas que quaisquer vizinhos:

os meus andares de antanho comezinhos,

que iguais calçadas haviam demandado

e a mesma chave no portão tinham girado,

mãos sobrepostas como véus de linhos...

 

Absorvi cada um dos abantesmas,

fortalecido contra dores alheias,

que com nosso olhar múltiplo desfiz,

as vias esvaziadas de si mesmas,

somente prédio e calçadas, veias

em que mostrei que podia o quanto quis!

 

FANTASMAGORIA XII

 

Meu pluriverso, portanto, depurei,

trezentos e tantos milhões exorcizei,

tantos os deuses que em Bhârat eu achei, (*)

mas que não pude realmente venerar;

e nessas noites de sereno a mastigar,

ou quando a chuva escorre sem parar,

garoa ou geada no meu madrugar,

todo fantasma venci quando o enfrentei,

 

meu Ahram totalmente reencarnado, (+)

vagas as penas de gemido atribulado,

cheia contida por eclusa de emoção,

sem mais alma de judeu, mouro ou cristão

e enquanto marcho pela noite a esmo,

somente encontro os fantasmas de mim mesmo...

(*) Nome verdadeiro da Índia.

(+) Acampamento ou aldeia.

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