FANTASMAGORIA I – 27 NOV 2020
Existe grande variedade de fantasmas;
os mais comuns são os que nunca
falam,
tais como os poltergeister, mas que abalam
o equilíbrio de teus óticos quiasmas;
em sua presença pressentida pasmas,
quando nos cantos das mansões
estalam,
pelo canto dos olhos te embaralham
e julgas serem pestanas seus miasmas.
Outros existem, pobres almas
infantis,
que jazem quietas em cantos
solitários,
porém teus cães assustam e assombram
gatos,
outros nas lâminas prisioneiros vis
de teus espelhos, com ou sem
sudários,
que te contemplam em tímidos
recatos...
FANTASMAGORIA II
Existem aqueles a guardar tesouro,
que conseguem, certas vezes, te
empurrar,
que tua visão sabem obnubilar,
que não permitem a tomada de seu
ouro;
outros ainda de mais áspero couro,
que
em seu local de morte vêm pairar
e mal percebem o estarem a assombrar,
sem se saberem da morte no
desdouro...
Existem aqueles que buscam o
assassino
e com astúcia procuram sua vendetta,
pois não conseguem tocar o material;
nos devaneios encontram seu destino,
no sobressalto de sua missão secreta,
fortes remorsos de cunho
espiritual!...
FANTASMAGORIA III
Alguns existem que marcham pelas
ruas,
sempre invisíveis sob a luz do sol,
desvanecidos sempre no arrebol,
mas quase materiais à luz de luas...
E existem ainda aquelas sombras nuas
que nos teus sonhos penetram qual
farol
e no teu corpo se comportam igual
crisol,
sua energia carregando como gruas:
tais são os íncubos, do sexo
masculino
e as súcubos, de feminino porte,
dos fantasmas os realmente perigosos,
mas para cumprirem tal destino,
algum orgasmo te dão de qualquer
sorte,
da coorte fantasmal falsos esposos!
FANTASMAGORIA IV – 28 nov 2020
Igual existem os fantasmas de
afogados,
que vêm às praias quase congelados;
batem às portas tais entes
apressados,
qual se estivessem chegando de
viagem...
Caso os parentes os recebam, com
coragem,
chegam até das lareiras à paragem
e se lamentam por perderem a passagem
para os portos que pretendiam
alcançados;
mas não aceitam comida e nem bebida
e nem sequer a proteção de um
cobertor,
só ante o fogo se buscam aquecer
e para espanto da família ali
reunida,
vão derretendo diante do calor,
só a água do mar no piso ali a
escorrer...
FANTASMAGORIA V
Mas outros aparecem nas lareiras,
por entre as chamas, como a crepitar
ou de suas dores a se lamentar,
porque morreram em incêndios ou
fogueiras
e se buscam espantá-los com
lenheiras,
o corpo inteiro já começam a mostrar
logo em fumaça a se volatilizar,
gemendo sempre, até que as
derradeiras
brasas do fogo se consumam finalmente
e depois disso, não conseguem
retornar
tais pobres almas de carnes
calcinadas,
mas enquanto a fogueira está
presente,
por algum tempo podem ainda
aconselhar
as gentes ao redor talvez
recompensadas.
FANTASMAGORIA VI
Essa é a origem dos fogos nos
altares,
qualquer espírito a se fingir de deus
capaz de proteger os servos seus,
que alimentam seus turíbulos talares
com óleo santo, lenha ou carvoares,
as pitonisas a falar ao povo em véus,
provocando a impiedade dos ateus,
depois, sem pejo, se perdem pelos
ares;
não sendo em nada seres materiais,
mas não mais que fumaça condensada,
sem que sejam tampouco espirituais;
algumas vezes tal pira alimentada
por carne humana em sacrifícios
anormais,
qual de Moloque a adoração foi
celebrada.
FANTASMAGORIA VII – 29 nov 2020
O que mais temem os fantasmas é viver
sua meia-vida, que tampouco é morte;
muitos se queixam dessa amarga sorte,
trazem correntes de constante
padecer;
e há fogos-fátuos de ríspido poder,
dos vagalumes a mostrar material
porte,
outros pertencem à fosfórica coorte,
verdes na noite ou de amarelo
parecer;
ainda outros vagueiam pelos ares,
esses que dizem almas ser penadas,
qual para o voo de penas precisassem;
sob as estrelas em seus contemplares,
numa extensão de longas revoadas:
contra ciprestes talvez se
contemplassem...
FANTASMAGORIA VIII
Esses que uivam pelas tempestades
são para o norte, aos poucos,
atraídos
e em vastas multidões são envolvidos,
congregações do lado oposto ao Hades;
esses fantasmas nos céus assim
perdidos
durante as noites iluminam as
cidades,
boreais auroras brilhando sem
maldades,
frágeis sementes de verões falidos...
Mas quando um deles escapa ao
artifício,
vê-se atraído por arpões ou elmo,
iguais coroas a circundar tua fronte;
dizem as lendas que aportam malefício
halos impuros ditos Fogos de
Santelmo,
que os veleiros perseguiam no
horizonte...
FANTASMAGORIA IX
Comuns ainda são fantasmas de
ilusões,
de sentimentos esquecidos
dispersados,
muitos rancores ali igual
conservados,
muitos amores, falecidas suas
paixões;
de tristezas se congregam multidões,
não de alegrias: desapontos
assanhados,
humilhações e terrores massacrados,
milhões de filhos de nossos corações,
que se projetam de um olhar, ferozes
ou nos escorrem no bafo das narinas,
gotas de pranto a remoer cada
carinho,
que pela morte transformam-se em
algozes,
assombrando os garotinhos e as
meninas,
quais manchas negras em lençóis de
arminho.
FANTASMAGORIA X – 30 nov 20
A todas essas criaturas encontrei,
algumas fortes como elementais,
outras quase esmaecidas no jamais,
mas por entre suas garras deslizei,
meus pesadelos calmamente controlei,
fossem da noite, fossem devaneais,
incorporados bons eventos aos demais
e a meu redor, com firmeza, os dominei.
Em cada esquina de rua os destrocei,
enviados para um nada aniquilado,
destituídos de morte ou de pecado;
minha cidade inteira assim limpei,
mas nada fiz nos umbrais de tua cidade,
não cabe a um só redimir a humanidade!
FANTASMAGORIA XI
Pois muita vez eu percorri caminhos
que já houvera antes palmilhado,
vendo sombras caminhando do meu lado,
muito mais próximas que quaisquer vizinhos:
os meus andares de antanho comezinhos,
que iguais calçadas haviam demandado
e a mesma chave no portão tinham girado,
mãos sobrepostas como véus de linhos...
Absorvi cada um dos abantesmas,
fortalecido contra dores alheias,
que com nosso olhar múltiplo desfiz,
as vias esvaziadas de si mesmas,
somente prédio e calçadas, veias
em que mostrei que podia o quanto quis!
FANTASMAGORIA XII
Meu pluriverso, portanto, depurei,
trezentos e tantos milhões exorcizei,
tantos os deuses que em Bhârat
eu achei, (*)
mas que não pude realmente venerar;
e nessas noites de sereno a mastigar,
ou quando a chuva escorre sem parar,
garoa ou geada no meu madrugar,
todo fantasma venci quando o enfrentei,
meu Ahram totalmente
reencarnado, (+)
vagas as penas de gemido atribulado,
cheia contida por eclusa de emoção,
sem mais alma de judeu, mouro ou cristão
e enquanto marcho pela noite a esmo,
somente encontro os fantasmas de mim mesmo...
(*) Nome verdadeiro da Índia.
(+) Acampamento ou aldeia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário