INSPIRADOR I – 24 set 2007
[Para meus dois amigos, Sappho e Alkayos]
coroadas de cachos e gavinhas
as pisoeiras esmagam frescas
uvas,
nas largas bordalesas: longas
linhas
de esguichos as recobrem; como
luvas
avermelham seus braços; tais
quais meias
lhes sobem pelas pernas, quase
ao ventre,
enquanto Tu, Dionysos,
incendeias
o fértil vinho que o
fermento adentre.
após ser esmagado, ferve o mosto
e em álcool se transmuta,
numa calma
transformação, que me afogueia o
rosto,
ao ver meus sonhos a Teus pés
imersos;
porque uvas não são: é o sangue
dalma
que se fermenta em vinho nestes
versos.
INSPIRADOR II (18 JUL
16)
à noite, enquanto
dançam vagalumes,
chovem estrelas contra
a pradaria;
fazem grinaldas as
pisoeiras, à porfia:
cada uma colhe mais
gotas desses lumes.
mil fogos-fátuos em
tuas mãos assumes,
cada gavinha um novo
mosto fia,
enquanto Tu, Dionysos,
em homilia,
para as cirandas
aloucadas rumes.
e cada estrela que se
faz cadente
se embrenha nas
macegas com cometas,
para gerar um novo astro
iridescente;
e como estrelas,
escorrem de meus dedos
as mil fagulhas,
inspirações completas
desse uso sedutor de
Teus segredos.
INSPIRADOR III
e quando a aurora
chega, já afogueadas,
as pisoeiras se banham
nas lagoas,
compartilhando entre
si histórias boas
das suas guirlandas de
fogo apisoadas,
suas faces inda do
luar iluminadas,
adquirindo nuances já
de broas
e a Ti, Dionysos,
tecendo vastas loas,
sob o solar suas faces
mais rosadas.
e dos raios do arrebol
seus cintos tecem
para prender as túnicas
flutuantes,
enquanto à granja, bem
cansadas, descem
e eu me limito,
enquanto as luzes crescem,
aos restos das
guirlandas delirantes,
que meu próprio
cansaço nalma aquecem.
INSPIRADOR IV
e sob o sol do meio-dia, ali
sesteias,
a barba rubra dos grumos de teu
mosto,
a ressonar sem tristeza, em puro
gosto,
dos novos sonhos a tecer Tuas
teias,
que a nova noite ingênua já
incendeias
nas derradeiras candeias do sol
posto
ao próprio vento, perfumado
rosto,
dentes brilhantes com que a mim
enleias.
ah, Dionysos, que seria dos
poetas
se não bebessem de Ti
embriaguez?
e mesmo os monges, nas preces
das completas,
o que fariam sem o mosto que
lhes dês?
cantam meus versos as preces
mais completas,
porque, se creio em Ti, em mim
Tu crês!
A PIRA DE SAPPHO = SAFO
Segundo o ponto de vista de Alkayos = Alceu
Ainda sinto o toque de
teus lábios
nos ossos de meu rosto,
tal o básico
sabor de um sonho, que
me mantém só,
afastado do orgulho,
como os sábios.
Ainda sinto o beijo dos
teus olhos;
em minhas narinas eu conservo
o fálico
ardor de um sol que já
se fez em pó,
sol de madeira, sol dos
santos óleos
que teu sudário absorve,
uma resina
fluindo na fumaça, nesse
pálido
odor que me enche o
peito e não faz bem,
que a solidão imensa
descortina.
Quiseste-me cremar,
cremo-te agora:
as chamas te consomem,
quão inválido
sente-se aquele que hoje
aguardar tem
da flama o apagar que já
te leva embora.
A deusa te levou, nessa
frequente
escolha aleatória, nesse
mágico
soprar da vida o fio
fugaz enfim,
e eu fico aqui, nos versos
impotente.
Depois de contemplar-te
o rosto exangue,
queria enfim, neste
momento trágico
[morreste por um outro,
não por mim],
apagar esses fogos com
meu sangue.
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