sábado, 6 de fevereiro de 2021


 

 

INSPIRADOR I – 24 set 2007

 [Para meus dois amigos, Sappho e Alkayos]

 

coroadas de cachos e gavinhas

as pisoeiras esmagam frescas uvas,

nas largas bordalesas: longas linhas

de esguichos as recobrem; como luvas

avermelham seus braços; tais quais meias

lhes sobem pelas pernas, quase ao ventre,

 

enquanto Tu, Dionysos, incendeias

o fértil vinho que o fermento adentre.

 

após ser esmagado, ferve o mosto

e em álcool se transmuta, numa calma

transformação, que me afogueia o rosto,

ao ver meus sonhos a Teus pés imersos;

porque uvas não são: é o sangue dalma

que se fermenta em vinho nestes versos.

 

INSPIRADOR II (18 JUL 16)

 

à noite, enquanto dançam vagalumes,

chovem estrelas contra a pradaria;

fazem grinaldas as pisoeiras, à porfia:

cada uma colhe mais gotas desses lumes.

mil fogos-fátuos em tuas mãos assumes,

cada gavinha um novo mosto fia,

 

enquanto Tu, Dionysos, em homilia,

para as cirandas aloucadas rumes.

 

e cada estrela que se faz cadente

se embrenha nas macegas com cometas,

para gerar um novo astro iridescente;

e como estrelas, escorrem de meus dedos

as mil fagulhas, inspirações completas

desse uso sedutor de Teus segredos.

 

INSPIRADOR III

 

e quando a aurora chega, já afogueadas,

as pisoeiras se banham nas lagoas,

compartilhando entre si histórias boas

das suas guirlandas de fogo apisoadas,

suas faces inda do luar iluminadas,

adquirindo nuances já de broas

 

e a Ti, Dionysos, tecendo vastas loas,

sob o solar suas faces mais rosadas.

 

e dos raios do arrebol seus cintos tecem

para prender as túnicas flutuantes,

enquanto à granja, bem cansadas, descem

e eu me limito, enquanto as luzes crescem,

aos restos das guirlandas delirantes,

que meu próprio cansaço nalma aquecem.

 

INSPIRADOR IV

 

e sob o sol do meio-dia, ali sesteias,

a barba rubra dos grumos de teu mosto,

a ressonar sem tristeza, em puro gosto,

dos novos sonhos a tecer Tuas teias,

que a nova noite ingênua já incendeias

nas derradeiras candeias do sol posto

 

ao próprio vento, perfumado rosto,

dentes brilhantes com que a mim enleias.

 

ah, Dionysos, que seria dos poetas

se não bebessem de Ti embriaguez?

e mesmo os monges, nas preces das completas,

o que fariam sem o mosto que lhes dês?

cantam meus versos as preces mais completas,

porque, se creio em Ti, em mim Tu crês!

 

 A PIRA DE SAPPHO = SAFO

Segundo o ponto de vista de Alkayos = Alceu

 

Ainda sinto o toque de teus lábios

nos ossos de meu rosto, tal o básico

sabor de um sonho, que me mantém só,

afastado do orgulho, como os sábios.

 

Ainda sinto o beijo dos teus olhos;

em minhas narinas eu conservo o fálico

ardor de um sol que já se fez em pó,

sol de madeira, sol dos santos óleos

 

que teu sudário absorve, uma resina

fluindo na fumaça, nesse pálido

odor que me enche o peito e não faz bem,

que a solidão imensa descortina.

 

Quiseste-me cremar, cremo-te agora:

as chamas te consomem, quão inválido

sente-se aquele que hoje aguardar tem

da flama o apagar que já te leva embora.

 

A deusa te levou, nessa frequente

escolha aleatória, nesse mágico

soprar da vida o fio fugaz enfim,

e eu fico aqui, nos versos impotente.

 

Depois de contemplar-te o rosto exangue,

queria enfim, neste momento trágico

[morreste por um outro, não por mim],

apagar esses fogos com meu sangue. 

  


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