HASTES DE MUSGO I (4 abr 11)
(Inspirado por Catulo e sua Lésbia ou
Clódia)
(A ilustração é identificada como Anne-Sophie Lubeck)
Quando teus lábios meigamente beijo,
cresce a maré por toda a minha boca.
As ondas se acumulam e me espouca
o trovejar cintilante desse ensejo,
que me percorre o corpo e então eu
vejo,
no maremoto da esperança louca,
a inundação que a alma inteira toca
e meu egoísmo inteiramente aleijo.
Eu deixo de ser eu na tempestade
que me escorre pelo braço desde os
dedos,
que me desce pelo tronco em enxurrada.
Eu me transformo em ti na saciedade,
enquanto bebo a um por vez, os teus
segredos
e enquanto eu mesmo me derreto em
nada.
HASTES DE MUSGO II
Mas sabes bem a forma como agiste
e ainda ages, por mais que digas não.
Toda mulher manipula o coração
de quem a ama, tal como consiste
a própria tessitura da ilusão,
essa trama de prata com que urdiste
essa falsa esperança que persiste,
mais forte ainda por tanta negação.
Houve momentos de glória e de
estultícia
que me fizeste vivenciar nessa
odisseia,
minhas naves enfunadas por bisonhos
ventos, a esconder tanta malícia,
no fervor indiferente dessa teia
que presidiu a hecatombe de meus
sonhos.
HASTES DE MUSGO III
Mas o gosto de teus lábios na memória
ainda guardo, em toque permanente.
De certo modo, ainda estás presente,
por mais que eu saiba tão só ser
ilusória
a tua presença, fragrância desultória
em minha lembrança, mas remanescente;
em minha boca, meus lábios, cada
dente
traz o ressaibo de tal sombra
incorpórea.
Pois foste apenas um sonho de
passagem,
alimentando assim a tua vaidade,
enquanto eu totalmente me entregava,
bebendo areia, como água de
miragem:
fulva quimera a prejulgar realidade
em mil caprichos que tão mal
interpretava.
HASTES DE MUSGO IV – 4 dezembro 2020
Foram hastes de musgo, só visíveis
quando se olha firmemente e bem de perto.
O teu amor precisava ser desperto
e observado em cuidado imperecível.
Mas colocaste barreira intransponível:
só me querias ver quando deserto
teu coração, a outrem sempre aberto,
se achava de presença disponível...
E como te furtaste a tal ensejo,
voltada a interesses que se alternem,
trocados sempre com vivacidade!...
Macio o musgo, meigo como um beijo;
mas suas hastes só com esforço se discernem,
no latejar consensual da intimidade...
HASTES DE MUSGO V
Tal como chamam o divórcio consensual,
quando ambos em separar se acordem
e com os termos materiais ali concordem,
por mais quebrado seu elo espiritual.
Mas no divórcio das almas, no total,
ainda que corpos eventualmente abordem,
em recaída de sexual desordem,
orgasmo tendo violento e material,
até que ponto é concreto esse prazer
que nos percorre o corpo totalmente,
que faz a mente explodir e cintilar?
Ou so é amor abstrato que se quer,
nesse prazer de instante, simplesmente,
sem no outro corpo realmente se mesclar?
HASTES DE MUSGO VI
Não passa o musgo de suave cobertura
sobre qualquer superfície recoberta,
veludo verde a requerer alerta,
contendo o tronco ou a pedra bem mais dura.
Hastes de musgo são a ilusão mais pura,
tão fácil de se crer se não se acerta
o passo firme a repelir a queda incerta
que lança ao solo em inesperada agrura.
E contudo em tuas roupas, em teus braços,
sou recoberto por tal sonho verde,
como se a queda fosse esmeraldina;
contra o musgo do chão duros abraços,
mas contra o musgo avermelhado perde
a nossa pele a escorregar na concubina...
HASTES DE MUSGO VII – 5 dez 2020
Também o amor é só leve cobertura,
a disfarçar o quando está subjacente,
como chave para o sexo premente,
beijo e saliva de consistência pura,
em que a atração subliminar perdura
e se acaricia o marfim de cada dente,
que ossos sejam a gente nem
pressente,
somente anseia pela caverna escura,
em que se encontra, sorrateira, a
queda,
que nos recobre de encarnado, peregrina,
igual que o musgo, de pelos
recoberta...
Ai, que vitória, no instante em que
nos ceda
outra saliva de rescaldo esmeraldina,
dura e macia enquanto jaz aberta!...
HASTES DE MUSGO VIII
E enquanto essa caverna traz amor,
despencar nesse abismo mais queremos,
são de rubi as paredes que lambemos
e a nós o fogo lambe em seu ardor!
Nada no mundo mais belo que essa flor
que nos recebe e nela nos perdemos,
até que nosso anseio completemos,
o corpo inteiro impante de suor...
Mas quando amor não há e só desejo,
não é de musgo coberto, mas de limo
e nossa queda se mostra bem mais
dura,
paralelepídos a retribuir o beijo,
osso e granito para o nosso mimo,
saudade inglória que não mais
perdura!
HASTES DE MUSGO IX
Assim
te busco, minha doce meretriz,
que para mim somente não consigo;
nada me cobras pelo teu abrigo,
sem para outrem ser igual nutriz!...
E cada vez que beijo a tua cerviz,
percebo nela, para meu perigo,
odor alheio, para meu castigo,
de quem um dia, igual a mim, te quis!
E a quem mostraste generosidade
tal como a mim, para meu despeito...
Mas como anseio por teu suave peito!
Que fosse meu com exclusividade,
mas teu sorriso se faz resvaladio,
meu pé resvala, perdido todo o
brio...
HASTES DE MUSGO X – 6 dez 20
Hastes de musgo contemplo na
epiderme,
porém somente, no traçar do beijo,
o que contemplas em mim, no tal
ensejo?
Meu verde limo escorrendo como verme?
O que contemplas se o beijo teu
alterne
com outras bocas, sem sentir nojo nem
pejo?
Até que ponto se deflora meu desejo,
ao imaginar outra carne no teu cerne?
Que alguém mais ali tenha
escorregado,
sem tanto amor igual que este que
sinto:
sentir em ti o gosto de outro homem?
Até que ponto um amor se faz pecado,
quando a mim mesmo a esperança minto
de que esses outros nunca mais te
tomem?
HASTES DE MUSGO XI
Afinal, quantos dizem que a esperança
é verde, a projetar um bom destino?
Mas o azinhavre é também esmeraldino
e seu provar só desgosto nos alcança!
Existe verde nessa iridescente dança,
com que os insetos, de cricrilar tão
fino,
as luzes trocam de rebrilho
pequenino,
são vagalumes que o coração relança,
nesses desenhos tão débeis do verão,
nessas noites de zéfiros abafados,
que não refrescam, mas esquentam
mais.
Existe verde no amor em brotação,
mas há desdém de tons amarelados
nessa esperança ancorada no
jamais!...
HASTES DE MUSGO XII
Não obstante, teus lábios são carmim,
toque de verde só na maquiagem
com que teus olhos ressaltes em
miragem
de que piscassem tão somente para
mim.
Porém há mais de um jardineiro no
jardim
não posso a todos expulsar por mais
coragem,
porque bem sei repreenderias tal
visagem,
arroxeados os teus lábios carmesim...
Porque se espalha o musgo da ambição
e te recobre inteiramente o coração,
ali formando esmeraldinas ilhas,
sem contentar-se com um simples
beija-flor,
disposta sempre para mais amor,
nessa tua inundação de maravilhas!...
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