PERSISTÊNCIA I – 23
NOV 20
Eu procurei, ao longo
de minha vida,
mudar a educação, que
ainda me pareça
ter sido errada, mas o
sulco que se esqueça
permanece sempre
aberto, ainda incontida
essa fome de levar-me
à mesma lida
de ser o que não sou e
assim não cessa
essa luta dos
neurônios, por mais cresça
em mim resolução
consciente e definida.
Por isso durmo pouco, antes
que a garra
de um passado que
incompleto demoli,
novamente me ponha
entre suas presas,
mas para mim mesmo
corto toda a amarra
das falsas crenças que
tanto combati
e fortaleço
diariamente minhas defesas.
PERSISTÊNCIA II
Mas certas coisas
sempre permanecem,
umas que aceito e
outras que não quero
e as que não quero mostram
desejo fero
de retornar, por mais que
elas se esquecem;
o meu consciente
enfrentam e então descem,
ou melhor sobem, em
pensamento mero;
de novo expulso, em
julgamento austero
e as devolvo ao
calabouço em que padecem.
Mas as que aceito, ainda
busco cultivar,
qual tenho feito ao
longo de minha história,
porém com seus
parâmetros reformados,
dentro de ideais que
hoje tenho consagrados,
por esse mínimo que assim
possa recobrar
dos obscuros atoleiros
da memória...
PERSISTÊNCIA III
Por certo já foi dito,
antigamente:
“Deem-me a criança até
os seus seis anos
e a conduzirei,
segundo os planos
que concebi para ela
calmamente”,
sendo a primeira
infância coisa ingente
na formação de todos
nós, humanos;
então se formam as
certezas e os enganos;
desarraigados hão de
ser dificilmente.
E por maior o esforço
que se faça
por uma nova tessitura
se compor,
sobem do fundo, em
sediciosa traça,
certas insídias
implantadas pelos pais,
de que temos
claramente que dispor,
mas que te segum aonde
quer que vais!
CONSTATAÇÃO FINAL I – 24 NOV 2020
Estando em fase de autorrevelação,
coisa que, no geral, busco evitar,
ninguém escuto aqui a me assoprar,
salvo os alvéolos que moram no pulmão;
eu já contei não ter tido a recepção
que o amor de mãe tende a manifestar;
outros interesses a costumavam ocupar
e não me deu a necessária aceitação.
Foi minha tia Caíta, Maria Clara,
que igual a mãe se comportou comigo,
nesse período em que mais precisava,
da própria mãe sendo o afeto coisa rara;
porém de fato, condená-la não consigo,
pois seu martírio é que me revelava...
CONSTATAÇÃO FINAL II
Era meu pai filho único de minha avó,
que com feroz ciúme a defendia
e se pudesse, nem permitiria,
seu casamento, preferindo ficar só
com ele; e de minha mãe não tinha dó.
Hoje uma coisa absurda eu contaria,
pois na noite de núpcias ela se queixaria
que seu colchão era duro que nem mó...
E por incrível que pareça, ela insistiu
em dormir nessa noite com o filho!...
Minha pobre mãe sentiu-se rejeitada!
E minha avó, anos a fio, interferiu
na persistência desse infausto trilho,
sem com a nora jamais ser conformada.
CONSTATAÇÃO FINAL III
Não sei se Alayde, minha mãe, a ela perdoou,
mas acometeu-a um câncer do intestino;
em sua velhice, teve Caíta igual destino,
e a meia-irmã, Lydia, tal mal também levou;
de todas as três foi Alayde quem cuidou,
fazendo a higiene, num perdão mais fino
que se verdadeiro fosse, em peregrino
amor cristão que a cada uma demonstrou.
Ao mesmo tempo, tivera boa educação,
bem preparada, era excelente pianista
e até sonhara em tornar-se concertista,
porém meu pai massacrou-lhe essa noção:
devia ajudá-lo em seu trabalho material:
não foi por mim que frustrou-se no final...
CONSTATAÇÃO FINAL IV
Porém depois que minha irmã nasceu,
teve sérios problemas na ossatura,
durante anos a usar quente armadura,
pois um colete ortopédico recebeu;
só imagino o quanto ela sofreu
e não me espanto que comigo fosse dura;
com minha irmã foi diversa a sua postura,
mas não me atrevo a dizer que a escolheu.
Embora aos poucos, tirasse meus brinquedos
e os desse a ela, que logo os estragava,
mas depois disso, já me deu mais atenções
e sem dúvida, me apoiou nos anos ledos,
em que então para a música me inclinava,
dedos artríticos a executar composições!
ESCOAMENTO I – 25 NOV 20
As pirraças da luz me molham o espírito,
me empurra a chuva, em voo bem traiçoeiro,
flutuo nas gotas, como em fresco travesseiro,
sou transformado em apenas mais um dígito
e é o vento que me empapa em peripático
desabrochar das ráfagas, fagueiro;
dessa epifania o solitário marinheiro,
não mais do que um paráclito patético!...
A luz ressoa em cada conjectura,
meus ossos lançam chispas de amargura,
sou uma pandorga anestesiada pelos sonhos,
flébil espectro aguardando a desventura,
enquanto a Terra se desfaz em conjuntura
e eu me desfaço em gárgulas risonhas!
ESCOAMENTO II
A água passa por mim, iluminada
e a luz feroz me percorre num momento,
cada gota a encontrar em mim assento:
sou o conduto final dessa enxurrada!
Só o vento me perturba quase nada,
qual se minha carne fosse duro impedimento
e a luz da chuva um torrencial portento:
a água em arco-íris dança de extasiada!
Eu sou a gárgula de minha própria catedral,
em minha boca mastigo Quasimodo,
em meus cabelos alicerço a Notre-Dame!
Que não me leve a mal esse ancestral,
do qual sei que descendo de algum modo
e que me agita em seu pessoal reclame!...
ESCOAMENTO III
Também ele foi poeta e foi famoso,
porém a vida ganhou com suas novelas,
na maioria realmente muito belas,
mesmo dos versos a se mostrar mais orgulhoso.
Mas que fazer, se nem sequer esse vaidoso
público parisiense, que podia compreendê-las,
não pagaria ao autor só para lê-las,
poesia sempre um investimento tenebroso!
Me satisfaço em ser somente escapamento
da chuva alheia dos mil versos de espanto:
por minha boca de gárgula corre a luz
e o vento, em frustração, percorre lento
meus membros monstruosos em acalanto,
enquanto esse coral de mortos me conduz!...
CÁDMIO I – 26 NOV 2020
O Cádmio é um sólido, metal de transição,
em combinação com o Zinco é encontrado;
por muito tempo sendo um isótopo julgado,
de águas subterrâneas pode ter obtenção,
mais da precipitação do Zinco ou sua destilação;
não é solúvel e assim se acha concentrado,
em plantas e animais, mesmo aves no mercado,
quando tóxico será se imoderada sua ingestão.
Mas é essencial para nossa corporal função,
Exatamente não se sabe como; sendo branco-azulado
como corante azul por Van Gogh foi empregado;
Friedrich Stromeyer o isolou e a sua obtenção
determinou para a soldagem e a galvanoplastia,
para pilhas, televisores e atômica fissão nos serviria.
CÁDMIO II
Seu nome vem de kadmein
ou Calamina,
antigo nome ao Carbonato de Zinco aplicado,
em semicondutores igualmente é empregado
e finalmente até a padrão do Metro se destina,
que a Conferência de Pesos e Medidas determina,
tendo sido esse padrão assim classificado
como a linha espectral do elemento aqui nomeado,
em mil novecentos e vinte e sete, porém foi pequenina
a aceitação deste padrão, logo a seguir modificada,
mas nem por isso perdeu sua importância.
Oligoelemento biológico que nos é essencial,
mas consumido de uma forma imoderada,
como qualquer outra coisa em imbalância,
causa moléstias e mesmo pode ser fatal.
CÁDMIO III
Sempre se encontra em relação parcial
com a lenda de Kadmos, de Tebas fundador;
do alfabeto primitivo teria sido o criador,
filho de Agenor de Tiro e Teléfassa; na fatal
ocasião do rapto de Europa pelo Zeus real,
com Fênix e Cílix, seus irmãos, foi receptor
de uma ordem de seu pai, feroz senhor,
que não voltassem sem a irmã livre do mal.
Depois de realizarem os três longa procura,
desistiram e fundaram três cidades,
Fênix pai dos Fenícios, Cílix dos Cilícios;
O Oráculo o local adequado então apura
e Kadmos fortaleza ergueu de qualidades,
Tebas surgiu de Kadmeia nos resquícios.
CÁDMIO IV
Europa nunca pelos irmãos foi encontrada,
que Zeus na ilha de Creta estabeleceu
qual sua rainha e nessa terra concebeu
três semideuses pela semente consagrada,
Minos, Radamanto e Sárpedon; mas desvendada
por Hera a sua origem, aos três ela escolheu
para juízes do Hades, que logo os recebeu;
Zeus não se opôs, mesmo estando
disfarçada
sua aparência em touro... Cadmos matou um dragão
e com seus dentes semeou vasta plantação,
de que nasceram fortes guerreiros, os Espartos;
Cadmos serviu a Ares oito anos por tal infração,
Mas Zeus lhe deu Harmonia, em gentil compensação,
Que cinco filhos lhe gerou depois, em fáceis partos...
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