NUVENS DE AZEVICHE I –
28 AG0 20
Das nuvens desce a
chuva. Quem a manda
é o Senhor dos Céus,
seja qual for;
para quem a Deus
contempla com amor,
Ele é o Senhor de toda a
pluvial banda.
Alguns antigos criam
antes em nefanda
entidade, que
recompensava seu frescor
aos que a reverenciavam
com temor
e tempestades sobre o
chão desanda
como castigo, ou apenas
por maldade;
para a ciência será a
Dama Natureza,
em nada tida como
sobrenatural,
já que explicam com
minuciosidade
os processos dessa chuva
de riqueza,
nada mais que uma
ocorrência material.
NUVENS DE AZEVICHE II
As nuvens brancas são,
naturalmente,
o objeto mais frequente
das poesias;
descrevem as suas danças
às gurias
de forma alegre e até
luminescente;
lá existem anjos de
labor frequente,
formas a dar-lhes
consoante as fantasias;
quando se juntam mais,
em certos dias,
coloram-nas de negro,
para assombrar a gente!
E o céu azul foi por
igual louvado.
do qual as nuvens todas
se afastaram,
embora seja talvez sinal
de seca;
mas nem por isso se
abala o enamorado
e do azulejo do céu
tambem cantaram
e da luz solar a cobrir
tudo em clara beca!
NUVENS DE AZEVICHE III
Dizem que os poetas
andam com a cabeça
nas nuvens... e em
função do ceticismo,
surgiu a moda do
nefelibatismo, (*)
a que significado não
interessa,
somente o som
apresentado nessa peça,
num desafio de um certo
nihilismo,
usando termos criados
por modismo,
embora o ritmo do poema
não se esqueça...
Contudo, as nuvens nunca
foram de azeviche,
por mais escuras que
pareçam na ocasião,
por mais potente que
seja o seu trovão
e nem tampouco nos
derramam piche,
porém a água bendita
desde os céus,
quando mais negros
pareçam seus troféus!
(*) Eles afirmavam que
nuvem em grego era “nefélia”.
GOTAS DE CHAMAS I – 29 AGO 20
Em tua metempsicose me incendeio,
psicopompa de minha azul estrada; (*)
mesmo que amor enfim não leve a nada,
nessa ânsia pelo ventre me escandeio;
mesmo não tendo o meu, eu beijo o
alheio
amor que vejo a meu redor qual fada,
flutuando irrefletida e ensimesmada,
que sem querer do estro me abre o
veio. (+)
Já nem ouso mais querer nem esperar
ver a meu lado a alma reencarnada,
arrancada de mim em priscas eras
e me limito apenas a espalhar
o som brejeiro da palavra alada,
que molhei em meu sangue e lanço às
feras.
(*) Condutora de almas.
(+) Inspiração poética.
GOTAS DE CHAMAS II
Mas a lembrança de ti sobre mim
chove,
qual forja ardente de saudade impura,
qual esperança que ainda vã perdura,
qual desalento que jamais se move,
qual um anseio que minhalma escove,
qual brasa viva em vasta queimadura,
qual chama líquida em plena
varredura,
saraiva em flama que meu peito sove;
gotas de chamas são estas saudades,
desde a mente vão pingar no coração,
cada lágrima a molhar ideal desfeito,
cada talho a borbulhar iniquidades,
cada brasa a penetrar no meu pulmão,
cada fuligem a colorir-me o peito.
GOTAS DE CHAMAS III
E permanece em mim essa miragem:
sei muito bem que não existe chama,
somente o ardor que sobre mim derrama
a cada vez que me encontra de
passagem;
gotas de chamas sendo apenas essa
imagem,
mas que ilumina uma temível flama,
que vem do talho que minha carne
irmana
a tições negros consumidos na
voragem.
Psicopompa bem sei que tu não és:
mesmo que julgue te achar
reencarnada,
não mais espero a condução ao
paraíso;
mas ainda sigo o rastro de teus pés,
e por respeito, só a seu lado piso:
marcas de fogo ao longo da calçada!...
GOTAS DE ESCALADA I – 30 AGO 2020
Nessa emoção feroz que tanto me
avassala,
busquei um dia, enfim, no mais
urgente assédio,
a torre expugnar fortíssima do tédio
homiziado em tua alma – aveludada
sala!
Que o gélido esplendor da morte mesmo
abala,
o hóspede soturno a expulsar do
prédio,
ao alburno contumaz aplicando meu
remédio
e a mente te deixar, assim, plena de
gala!
Lancei-me em catadupas de ardor e de
lascívia;
condescendeste, então, da mente
incerta e vaga
os portais a me abrir, assim como se
apaga
a luz dessa tristeza, em brilho de
lixívia
e o tédio retalhei com o látego de
espelho
dos farrapos de minhalma tecendo um
brando relho.
GOTAS DE ESCALADA II
Mas não se escala alma que tenha a
luz perdida
com garras de alpinista, com ganchos
ou com cordas,
que a vida adormecida só com ternura
acordas,
com paciência só ressurge a alma
desvalida,
pois nela é necessário que luz seja
vertida,
com sangue de escalada que de teus
lábios mordas,
é com sístole e diástole que seus
píncaros abordas,
porém tendo blandícia, sem batalha
ser renhida;
ao longo dos andaimes pinguei minha
escalada,
gota após gota, ampliando lentamente
com cada pingo brando as torres desse
assédio,
plataforma foi de beijos a construir
escada,
o entusiasmo de seu peito acendendo
gentilmente,
pintando de alvaiade os muros de seu
tédio.
GOTAS DE ESCALADA III
Até a última gota enfim se despejar
e o lento coração em mim se
concentrar,
mas tão descrente ainda do que podia
me dar,
seu tédio condensado em brancos
comprimidos,
surgindo de sua boca os tons desiludidos,
aos poucos na saliva os sons
reconhecidos,
na comissura dos lábios sorrisos
comedidos,
quase sem crer, enfim, poder de novo
amar;
porém dei tanto amor, que a meu amor
amou,
bem mais por certo que a quem amor
doou,
seu tédio para mim a servir numa bandeja;
e de tanto dar-lhe ânimo, meu ânimo
perdi
e de tanto dar-lhe amor, de amor me
consumi,
gotas de tédio em mim, quando minha
boca a beija.
GOTAS DE ESPAÇO I – 31 AGO 20
também aqui existe um fragmento
que me disponho a revestir de meu
lamento,
da vida brava que tanto me acenou
as forças vivas da mente me esgotou
e só me fez comer cacos de espelho;
e em plena juventude fez-me velho,
tão acendrado na chama da poesia,
na sombra morta da vã filosofia,
psicológica essa zombaria
do sepulcral amor pela elegia,
que reconheço, incontestavelmente,
abriu-me um oco no interior da mente,
em que pululam, quais vistas em cine
dezenas de esperanças de biquini;
então aspiro os seus suores e farejo
odores mais secretos que não vejo,
nem a saída da jaula que me encerra,
que a inteligência assombra e mesmo
aterra!
GOTAS DE ESPAÇO II
de certo modo, foi tétano que tive,
perante portas abertas me contive,
como se os dedos paralisassem-me da
mão,
em seu lugar a deixar-me infecção,
mas os contemplo e vejo que ainda os
tenho,
são outros dedos que a lamentar eu
venho;
dedos da mente, talvez, dedos da
alma,
dedos cortados na indiferente calma
ou, quem sabe, cortaram-me os
artelhos,
passadas trôpegas, quais são passos de
velhos;
não sei se a alma ainda tem os pés,
nada é descrito pelas arcanas fés,
embora digam que os arcanjos se
envergonham
e um par de asas sobre artelhos
ponham,
com outro par os rostos a cobrir,
visões divinas a não se permitir,
mas quem sou eu, sem sequer um par de
asas,
somente a andar por estas plagas
rasas?
GOTAS DE ESPAÇO III
pelas grades da jaula me transeptam
gotas de espaço que ao redor
conectam,
por um momento a trazer-me
inspiração,
logo a seguir, provocando expiração,
leve tortura com que o espaço insiste
em me dizer que algo de externo
existe,
além dos arames de ouro da gaiola,
além do grude do solo que me cola,
porém sem deslocar os meus grilhões,
nem dar-me chaves que abririam os
portões;
e até queria possuir asas de anjos
e não as seis atribuídas aos
arcanjos;
e então percebo que é tudo fantasia
e que a ferrugem já tudo corroía:
posso cruzar a galé como um fantasma,
mas que ante a levadiça ingênuo
pasma,
sem ao ar circundante dar abraço
em seu temor inexperiente desse
espaço!
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