domingo, 7 de fevereiro de 2021


 

 

estranhezas 1 – 1º setembro 2020

sempre achei engraçada essa expressão,

até corrente, de “plantar-se bananeira”.

a explicação que há mais corriqueira

é que a bananeira, para ter reprodução

não tem semente e por essa razão

deve-se a planta revirar inteira,

depois de dar seu cacho, hospitaleira,

e de cabeça para baixo, na ocasião

enfiar na terra... mas não é a sua cabeça!

será a copa da bananeira, apenas,

antes que o pé inteiro se apodreça...

isto é questão de simples semelhança:

algum gaiato que assistiu tais cenas

e que de fazer troças não se cansa!

 

estranhezas 2

nunca eu tal posição experimentei

quando era moço e não será agora;

bananeira no pátio, em certa hora,

até já tive, mas de nada aproveitei;

logo depois que para a casa me mudei,

a minha esposa, sempre firme esta senhora,

mandou a árvore cortar, sem mais demora;

ou é um arbusto?  de fato, já nem sei.

a bananeira já tinha dado cacho

e embora fosse até decorativa,

pelo menos, a meu modo de encarar,

não nos daria novas frutas para o tacho

e deu lugar a decoração mais viva:

flores bonitas para o nosso olhar!...

 

estranhezas 3

comum também é o termo despectivo

com que às vezes se marca pessoa

que já não pode realizar uma obra boa,

seja escritor ou poeta meio esquivo,

seja um cientista não mais produtivo,

seja operário a quem cansaço roa

e hoje só possa fazer serviço atoa:

também se diz do aposentado ou do inativo...

seria bom que, após seu falecimento,

de cabeça para baixo esse defunto

pudesse ser plantado e assim ressuscitar,

mas nunca soube desse acontecimento

e o melhor é concluirmos este assunto,

que já ficou de pernas para o ar!...

 

OBESIDADE I – 2 SETEMBRO 2020

 

Não me recordo jamais que a obesidade

tema frequente da poesia tenha sido

e muito menos que este tema proibido

seja estético em nossa atual normalidade.

 

Mas ocorre que por mim foi traduzido

um artigo sobre a felina integridade:

gatos obesos em “regimicidade”...

(E é nisso que meu tempo vai perdido!

 

Que sirva ao menos para este soneto

de inspiração humilde e até furtiva;

desses serzinhos gorduchos num momento

talvez até me identifique em tom secreto:

quem sabe eu queira uma dieta esquiva

de WhiskasTM  a ganhar bom tratamento!

 

OBESIDADE II

 

Por muito tempo, certo grau de obesidade

sinal foi tido de ter-se boa saúde;

tuberculose a causar magreza rude,

que as magras transmitiam na verdade!

 

Demonstrou Rubens bastante afinidade

pelo tecido adiposo, que assim escude

os ossos da modelo a quem desnude,

senhoras gordas e cheias de vaidade!

 

Mas geralmente se associa à gravidez

esse aumento do abdômen em geral;

quando os “desejos” são bem satisfeitos,

cresce a gordura com desfaçatez;

também as mamas, de um modo natural,

já que do leite nenês têm reais direitos!...

 

OBESIDADE III

 

Entre os povos mais antigos, igualmente,

as “Vênus”, estatuetas primitivas,

apresentavam belas curvas incisivas,

fertilidade imaginando-se evidente...

 

depois modelo foi sendo imposto à gente,

quais helênicas esbeltezas redivivas,

em certas épocas tornadas excessivas:

mostrava Twiggy cada osso saliente!...

 

a seguir surgiu a AIDS e outra vez

pessoas magras pareciam afetadas,

nos demais a causar certa apreensão...

e de biquínis nas praias hoje vês

essas robustas formas ostentadas,

do próprio corpo a mostrar aceitação!

 

OBESIDADE IV

 

“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”,

há muito reza para nós velho ditado,

quem sabe a resmungar “velho deitado”, (*)

que certamente sabedoria encerra.

(*) Expressão de meu amigo Manuel Oscarino da Luz.

 

O meu instinto, às vezes, quase berra,

ao ver o ideal por Hollywood proclamado:

seios imensos sobre quadril afunilado,

visto de costas, o feminino enterra!...

 

Parece haver certo hermafroditismo,

nesta atual moda pelo transexual,

não que eu condene o gosto individual,

mas a presença de moderado “obesidismo”

também ressalta um belo feminismo

e me parece ser bem mais natural!...

 

SAFIRAS DE GELO I – 3 SET 20

 

Folha seca que o vento quase leva,

num bafejar mais forte de carinho,

só não se vai por prender-se num espinho,

que a dilacera um pouco, mas conserva.

 

Branco floco que tomba quando neva

e em sua frieira congela o azevinho,

balouça ao vento em seu fado mesquinho

e se derrete em qualquer haste de erva.

 

Assim é a vida, igual que folha seca:

são os espinhos que nos ferem e nos salvam,

antes que o vento nos leve para o mar.

 

E quais flocos de neve, a vida peca

e ao lançar-se para a terra se ressalvam

as pobres almas que deixam de voar...

 

SAFIRAS DE GELO II

 

Inutilmente, no decorrer dos dias,

buscamos todos safiras apanhar;

em um reflexo de luz seu arroxear,

enganam flocos nas burlas de elegias.

 

São de algodão de gelo essas folias

e quando estendes a mão para as tocar,

em cem estrelas irão se separar...

talvez safiras em seu meio alcançarias?

 

Ou pendurados dos marcos das vidraças

descem pingentes, que sob a luz do sol

também assumem as cores de um arco-íris.

 

Se fossem jóias, não teriam quaisquer jaças,

mas se derretem ao abraço do arrebol,

por mais que a breve permanência mires.

 

SAFIRAS DE GELO III

 

De semelhante forma, cada folha,

um dia verde, no outro já encarnada,

em mais dois dias inteira amarelada,

breve adquire as vestes de uma rolha.

 

Quando a serapilheira em que pisas a acolha,

já vai ficando toda ali fragmentada,

por seu espinho protetor abandonada,

não mais safira, mas apenas uma bolha.

 

E cada dia que viveste é folha seca

e quando pensas lastimar teus dissabores,

lembra que estes lhe firmam os tremores.

 

talvez sem dores fosse levada à breca

e assim aprende cada folha a entesourar,

para as páginas de teu livro acastanhar.

 

(Três Sonetos Nefelibáticos)(*)

GRANADAS I – 4 SET 20

EM COMENTÁRIOS CONTRÁRIOS MIL FADÁRIOS

SE MENEIAM ESPERNEIAM E SE ESTEIAM

RODEIAM REVOLUTEIAM REBOLEIAM

HERBANÁRIOS ERÁRIOS FIDUCIÁRIOS

SÃO PERFUMES ALUMES DE AZEDUMES

DE EMOÇÃO GERAÇÃO CONSAGRAÇÃO

DA INAÇÃO EM EXECUÇÃO DA CASTRAÇÃO

CORTUMES DE COSTUMES VAGALUMES

SÃO VIDRAÇAS ESTILHAÇAS DE PIRRAÇAS

SÃO GEMIDOS PERDIDOS DEMOLIDOS

INCONCRETAS SECRETAS BORBOLETAS

SÃO PASSAS EM MASSAS DE DESGRAÇAS

SÃO AMIDOS CONTIDOS  EM MUGIDOS

NAS ALETAS DE POETAS PREDILETAS

(*) Para o nefelibático, o que importa é o som e não o significado.

 

GRANADAS II  (*)

PORÉM VEJO QUE ARRECÉM O AZEVÉM

MOSTROU-SE REVELOU-SE DOMINOU-SE

DANOU-SE PROVOCOU-SE MAS CANTOU-SE

COMO REFÉM QUE O VAIVÉM CONTÉM

NA DIGESTÃO CONCOCÇÃO DA PERSUASÃO

TORNOU-SE E EM ALCOUCE DEMONSTROU-SE

POSPÔS-SE RENOVOU-SE CONSAGROU-SE

REPTAÇÃO CONTINUAÇÃO DA MALDIÇÃO

NESSES VULTOS DE ADULTOS INSEPULTOS

HEREDITÁRIA LATIFUNDIÁRIA PERDULÁRIA

A TERRA EM QUE SE ENTERRA APÓS A GUERRA

EM CULTOS OS INDULTOS MAIS INCULTOS

ATRABILIÁRIA A MALÁRIA MAIS PRECÁRIA

NA SERRA QUE SE AFERRA AO QUE SE ENCERRA

(*) Sem intimações ao rap.

 

GRANADAS III (*)

E NESSA REMESSA SEM PROMESSA

A ARTE SE COMPARTE NO DESCARTE

REPARTE PARTE A PARTE SEU INFARTE

QUE A PEÇA CRESCE À BEÇA E NUNCA CESSA

A FLOR EMITE ODOR CONDENADOR

CONTÊ-LO SEM APELO EM SEU DESVELO

POLICHINELO DO CASTELO BELO

POLINIZADOR E SENHOR DE SEU FRESCOR

E NESSA DANÇA BALANÇA E NÃO SE CANSA

O MENINO PEREGRINO COM SEU SINO

ARMADOR COMPLETADOR DE SEU AMOR

MAS NÃO SE ALCANÇA A TRANÇA DA MUDANÇA

NO REFINO DO GIRINO PEQUENINO

NO VIGOR REPETIDOR DE SEU VALOR

(*) Qualquer interpretação do leitor é válida e igualmente seu oposto.


Nenhum comentário:

Postar um comentário