terça-feira, 9 de fevereiro de 2021


 

 

VIDRILHOS I – 11 SET 2020

 

Partículas de vidro somos nós, caquinhos

de algo que no antanho foi vitral;

a luz da vida eu seu cálido fanal,

derreteu nossos caixilhos e os vidrinhos

multicores do sonho, azuis, amarelinhos,

verde cinábrio, rosicler, rubro cristal,

negros contornos, dourado carnaval,

desintegrados a esfacelar mesquinhos.

 

Ficou só o caleidoscópio, essa luneta

de papelão apenas, a “teteia”,

que servia de brinquedo a um deus criança;

e a cada vez que a silhueta é mais dileta,

ele apenas a gira em nova estreia,

completando nova estrela de esperança.

 

VIDRILHOS II

 

E nos prendemos a tal estrela de esperança,

que como toda bonança é transitória;

sua mão brinca com ela, peremptória

e sobre a realidade aplica sua cobrança

a sacolejar cada dia em abastança,

cacos de horas tinindo como escória,

cada segundo uma lasca merencória

e nossa sombra ali oscila em fulgurança.

 

Não há meio de recompor essa faiança;

gretas coladas com coágulos da alma

logo se espalham no seguinte maremoto,

por mais se busquem modelos na lembrança,

sua teia é frágil e não revela a palma

da lástima que traz a nova hora ignota.

 

VIDRILHOS III

 

Fico a pensar de onde nos surgiram

tais fragmentos que nos sacodem tanto,

de onde vieram os cristais de pranto,

beijos incertos que nos atingiram;

caleidoscópios que nos transmitiram

os baralhos de gens de antigos cantos,

as farpas de tarot dos nossos mantos,

as centelhas de rancor que o peito firam.

 

Tantas fagulhas de temor que nos percorrem,

os dentes de dragão dos calafrios,

os tentáculos de hidras que nos forrem,

nesses arco-íris sem nuances permanentes,

nas incertezas que formam nossos brios,

no balouçar tremeluzente das correntes...

 

SHALIMAR I – 12 SET 20

 

Quando esperava vê-la novamente

e antecipava a sua presença cara,

por agridoce que fosse ou só amara

a visita, em que apenas, levemente,

cruzaria por meus olhos de paciente

aguardo ansioso da visita rara,

 essa única certeza que me ampara

mais uma vez deixou de estar presente...

 

Como queria tudo fosse diferente!

Que para mim chegasse, revestida

De ouro-paixão e de uma ardência-anil!

E não apenas como amiga reverente,

a borboleta adejando em minha guarida,

só com a sombra de um sorriso a ser gentil...

 

SHALIMAR II

 

Mas toda a espera tem a sua resposta,

seja por que despertou nossa lembrança,

seja por que da lembrança não se cansa,

seja por que de esperar até se gosta,

a mente estando para isso bem disposta,

esperar/desesperar passos de dança,

diante da espera certo tipo de bonança

e essa demora toda pronta arrosta.

 

Se ela chega ou se não chega pouco importa,

sempre se pode na espera imaginar

o quanto pode da chegada resultar;

e se da espera toda esperança aborta,

já não nos sobra razão para esperar,

melhor nos sendo na espera ainda aguardar...

 

SHALIMAR III

 

E então espero, cheio de aguardança,

enquanto aguardo o fim desse aguardar,

desses momentos de aguardo a me lembrar,

cada momento da espera em minha lembrança...

Sem ao futuro fazer qualquer cobrança,

se não me deve, nada posso lhe cobrar;

cobro a mim mesmo a paciência do esperar

e da paciência reclamo sua esperança...

 

Como a cantiga antiga sobre Shalimar,

quando da espera restou só a esquivança:

“Quem amareis agora? A quem ireis afagar?”

Que a esquiva diva sorriso apenas dava,

Por que a lástima por tão escassa dadivança

ou lastimar o que nem mesmo se esperava?

 

SAMARKAND I – 13 SET 20

 

Não que me esconda desse ideal instante,

mas que duvide tenha algum significado

que me possa realmente ser mostrado,

caso me arvore da nau em comandante;

isso por que, em ocasião constante,

já busquei tal anelo e o resultado

foi apenas amargar um rebuscado

de ideais desfeitos e sonhos de barbante...

 

Melhor me fora ter então imaginado

como seria se a vaga do momento

por meu timão audaz fosse galgada,

do que saber que já fora rejeitado,

no mais completo desdém do sentimento,

tão somente por um beijo ter buscado.

 

SAMARKAND II

 

Assim meu barco ficará desarvorado,

seu leme a girar impertinente,

cada vela de seu próprio vento crente,

a quilha em vão cortar desgovernado...

Porém jamais qualquer porto foi achado

sem tentativa, ao menos aparente,

de se alcançar esse destino ingente

a que o navio de início foi lançado.

 

Melhor então é nunca se esperar,

porém criar ocasião para a cobrança,

que então se busque a esquiva dama altiva,

no porto em que ela habita se ancorar

e à sua porta bater, que mãos não cansa

nossa insistência perante a altiva dama esquiva.

 

SAMARKAND III

 

E pouco importa que ela mande uma criada,

a transmitir qualquer mensagem má:

“A patroa mandou dizer que não está!”

Sempre se pode insistir nessa empreitada,

que à porta se esperar não leva a nada...

Tal persistência não nos garantirá

que ela enfim à porta nos virá,

a se negar ser por nós importunada...

 

Mas ao menos se mostrou, trouxe a lembrança,

o puro e simples contrariar dessa esquivança,

mesmo zangada expôs-nos seu semblante...

e por mais falha que seja essa esperança,

talvez contemple em nós um rosto amante

e até – talvez – nos conceda breve dança...

 

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