segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021


 

 

HIPOMÉIA I – 8 SET 20

 

Em teu etéreo e antigo encantamento

eu me deixo desfazer, raiz da alva

que a luz do sol criou, sonho de malva,

mulher do solo em puro acolhimento;

 

em versos me desfaço em tal momento,

verde-limão a recobrir a testa calva;

tua face é fúchsia e bebo desta salva,

iluminado por teus olhos num portento.

 

Caminho sobre ti, sem ti não ando,

teu corpo é meu sendeiro aveludado,

tua mente só me espia de soslaio;

mas se quero me afastar, ideal nefando,

sobrevoar-te qual pássaro encantado,

me perco em teu olhar e inteiro caio.

 

HIPOMÉIA II

 

Sei bem que és o piso em que me apóio,

ao derredor tudo é escorregadio,

atoladouro assim buscando o fio

da própria alma a se limpar no teu arroio.

 

Teu húmus em puro trigo faz meu joio,

eu nado em ti como se foras rio,

com tuas pétalas acaricias meu brio,

em combustível a queimar meu fóssil toio.

 

És para mim a própria Natureza,

a fauna inteira a que ambos pertencemos,

porém somente em ti eu sinto a flora,

sobre teus lábios baila o fruto da beleza,

e num momento de amor encontraremos

eternidade que não marche mais embora...

 

HIPOMÉIA III

 

Assim me enterro em tua fertilidade

e mastigo tuas raízes em loucura,

teu caule beberei qual água pura

em cada ramo de tua floricidade.

 

Em cada ramo de tua frutividade,

em cada flor que me semeia a cura,

em cada sépala o teu ardor perdura,

da copa árdega tragarei a realidade.

 

Porque sem ti desmanchar-se-ão meus pés,

em mil radículas na lama crescerei,

mas não serei mais eu que ali floresça,

somente em ti minhas verdadeiras sés,

somente em ti meu peito esvaziarei,

único o laço em que contigo permaneça!

 

LUZ ALGODOADA I – 9 SET 2020

 

Falsas vitórias preenchem nossas vidas;

esperamos demais... cada surpresa

nos parece perdurar como certeza,

mas transita bem veloz em sua partida.

Há apenas os deveres, luta e lida

a acompanhar-nos com total firmeza;

na vasta solidão de sua estranheza,

as horas correm rumo à despedida.

 

E nem sequer nos serve a desistência,

porque é muito atrevida essa esperança,

quando a deixamos, de novo vem-se impor;

do algodão resta só a luminescência,

brilhando entre as tranças da bonança,

a revelar-se tão esquiva quanto o amor.

 

LUZ ALGODOADA II

 

Toda certeza é revelação tardia,

que nada existe na gama da ilusão,

nada em que possa crescer o coração,

resta somente o estandarte da elegia

quando julgamos que algo se teria

e as brumas fogem ao apertar da mão,

o mais concreto desfaz-se num clarão

e não nos deixa nem sequer a nostalgia.

 

Que teu amor fosse só meu, bem eu queria,

mas quem consegue um amor aguilhoar?

Cordas de luz nesse algodão a se trançar,

algo virá que eu não sei nem pressentia,

sempre faz parte do carinho a doação,

honra se encontra na maior humilhação.

 

LUZ ALGODOADA III

 

Assim importa se aproveitar o dia,

antes que a noite chegue em tirania,

cada desejo perfurando com desdém,

tornando claro esse nada que se tem;

assim importa se aceitar também

esse cálice de nada que nos vem,

mas que conosco fiel sempre ficaria

quando soubermos tragar a nostalgia.

 

Toda esperança é essa luz algodoada,

um periscópio através da tessitura

desses novelos brancos de algodão;

a luz passa pela trama e não é nada:

tudo termina e somente nos perdura

algum farrapo que chamamos de emoção.

 

IMAGENS DO PASSADO I – 10 SET 20

 

Eu contemplei em teus olhos a magia

que soube não existir senão em mim,

com meu poder te revesti, assim,

mesmo no fundo sabendo que a empatia

 

era um reflexo de mim, que a simpatia

que então pensavas demonstrar, enfim,

não era mais que um anseio de arlequim,

por mim filtrado nessa versão vazia.

 

Quem eu amava, queria apenas ter

como extensão de mim e sei, também,

que quem afirma me amar, ama sua alma

 

e ao esperar um diverso proceder,

turbilhonei, envolto em meu porém,

pois só a mim buscava em plena calma.

 

IMAGENS DO PASSADO II

 

Em ti eu via somente o meu desejo,

um anseio mais de mim do que de ti,

como parte de minhalma te acolhi,

falsa parte de ti foi só meu beijo.

 

No entretanto, houve magia nesse ensejo,

conto de fadas que com prazer eu li,

a cornucópia da abundãncia eu percebi,

não era amor pelo teu leve adejo...

 

Queria sempre estivesses de mim perto

e que sentisses o mesmo que eu sentia,

mas sem saber, de fato, o que eu queria

 

e assim, eu não te amei de peito aberto,

mas em meu peito quis à força te ocultar,

mas sem de a porta te abrir sequer lembrar.

 

IMAGENS DO PASSADO III

 

É tão comum esse amor de ingenuidade,

essa faceta multicor de brando egoísmo!

E quando olho para trás, em saudosismo,

bem avalio sua extensão em falsidade.

 

Esse amor que te votei, quase impiedade

e ainda queria ver em ti o meu cinismo,

procurei manipular teu masoquismo,

por mais que fosse o teu amor sinceridade.

 

E vejo agora, contemplando essa ferrugem,

arcos de amêndoa emoldurando meu espelho,

sobre minhas faces sinto o gosto da salsugem.

 

Porque teu sonho de amor, tão altruísta,

eu desvirtuei... E quando ali diviso um velho,

até do amor tido por mim perdeu-se a pista...

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