HIPOMÉIA
I – 8 SET 20
Em
teu etéreo e antigo encantamento
eu
me deixo desfazer, raiz da alva
que
a luz do sol criou, sonho de malva,
mulher
do solo em puro acolhimento;
em
versos me desfaço em tal momento,
verde-limão
a recobrir a testa calva;
tua
face é fúchsia e bebo desta salva,
iluminado
por teus olhos num portento.
Caminho
sobre ti, sem ti não ando,
teu
corpo é meu sendeiro aveludado,
tua
mente só me espia de soslaio;
mas
se quero me afastar, ideal nefando,
sobrevoar-te
qual pássaro encantado,
me
perco em teu olhar e inteiro caio.
HIPOMÉIA
II
Sei
bem que és o piso em que me apóio,
ao
derredor tudo é escorregadio,
atoladouro
assim buscando o fio
da
própria alma a se limpar no teu arroio.
Teu
húmus em puro trigo faz meu joio,
eu
nado em ti como se foras rio,
com
tuas pétalas acaricias meu brio,
em
combustível a queimar meu fóssil toio.
És
para mim a própria Natureza,
a
fauna inteira a que ambos pertencemos,
porém
somente em ti eu sinto a flora,
sobre
teus lábios baila o fruto da beleza,
e
num momento de amor encontraremos
eternidade
que não marche mais embora...
HIPOMÉIA
III
Assim
me enterro em tua fertilidade
e
mastigo tuas raízes em loucura,
teu
caule beberei qual água pura
em
cada ramo de tua floricidade.
Em
cada ramo de tua frutividade,
em
cada flor que me semeia a cura,
em
cada sépala o teu ardor perdura,
da
copa árdega tragarei a realidade.
Porque
sem ti desmanchar-se-ão meus pés,
em
mil radículas na lama crescerei,
mas
não serei mais eu que ali floresça,
somente
em ti minhas verdadeiras sés,
somente
em ti meu peito esvaziarei,
único
o laço em que contigo permaneça!
LUZ ALGODOADA I – 9 SET 2020
Falsas vitórias preenchem nossas
vidas;
esperamos demais... cada surpresa
nos parece perdurar como certeza,
mas transita bem veloz em sua
partida.
Há apenas os deveres, luta e lida
a acompanhar-nos com total firmeza;
na vasta solidão de sua estranheza,
as horas correm rumo à despedida.
E nem sequer nos serve a desistência,
porque é muito atrevida essa esperança,
quando a deixamos, de novo vem-se
impor;
do algodão resta só a luminescência,
brilhando entre as tranças da
bonança,
a revelar-se tão esquiva quanto o
amor.
LUZ ALGODOADA II
Toda certeza é revelação tardia,
que nada existe na gama da ilusão,
nada em que possa crescer o coração,
resta somente o estandarte da elegia
quando julgamos que algo se teria
e as brumas fogem ao apertar da mão,
o mais concreto desfaz-se num clarão
e não nos deixa nem sequer a
nostalgia.
Que teu amor fosse só meu, bem eu
queria,
mas quem consegue um amor aguilhoar?
Cordas de luz nesse algodão a se trançar,
algo virá que eu não sei nem
pressentia,
sempre faz parte do carinho a doação,
honra se encontra na maior
humilhação.
LUZ ALGODOADA III
Assim importa se aproveitar o dia,
antes que a noite chegue em tirania,
cada desejo perfurando com desdém,
tornando claro esse nada que se tem;
assim importa se aceitar também
esse cálice de nada que nos vem,
mas que conosco fiel sempre ficaria
quando soubermos tragar a nostalgia.
Toda esperança é essa luz algodoada,
um periscópio através da tessitura
desses novelos brancos de algodão;
a luz passa pela trama e não é nada:
tudo termina e somente nos perdura
algum farrapo que chamamos de emoção.
IMAGENS
DO PASSADO I – 10 SET 20
Eu
contemplei em teus olhos a magia
que
soube não existir senão em mim,
com
meu poder te revesti, assim,
mesmo
no fundo sabendo que a empatia
era
um reflexo de mim, que a simpatia
que
então pensavas demonstrar, enfim,
não
era mais que um anseio de arlequim,
por
mim filtrado nessa versão vazia.
Quem
eu amava, queria apenas ter
como
extensão de mim e sei, também,
que
quem afirma me amar, ama sua alma
e
ao esperar um diverso proceder,
turbilhonei,
envolto em meu porém,
pois
só a mim buscava em plena calma.
IMAGENS
DO PASSADO II
Em
ti eu via somente o meu desejo,
um
anseio mais de mim do que de ti,
como
parte de minhalma te acolhi,
falsa
parte de ti foi só meu beijo.
No
entretanto, houve magia nesse ensejo,
conto
de fadas que com prazer eu li,
a
cornucópia da abundãncia eu percebi,
não
era amor pelo teu leve adejo...
Queria
sempre estivesses de mim perto
e
que sentisses o mesmo que eu sentia,
mas
sem saber, de fato, o que eu queria
e
assim, eu não te amei de peito aberto,
mas
em meu peito quis à força te ocultar,
mas
sem de a porta te abrir sequer lembrar.
IMAGENS
DO PASSADO III
É
tão comum esse amor de ingenuidade,
essa
faceta multicor de brando egoísmo!
E
quando olho para trás, em saudosismo,
bem
avalio sua extensão em falsidade.
Esse
amor que te votei, quase impiedade
e
ainda queria ver em ti o meu cinismo,
procurei
manipular teu masoquismo,
por
mais que fosse o teu amor sinceridade.
E
vejo agora, contemplando essa ferrugem,
arcos
de amêndoa emoldurando meu espelho,
sobre
minhas faces sinto o gosto da salsugem.
Porque
teu sonho de amor, tão altruísta,
eu
desvirtuei... E quando ali diviso um velho,
até
do amor tido por mim perdeu-se a pista...
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