Milênio –
duodecaneto
De william
lagos
MILÊNIO
I (2008)
Enquanto
eu tenho rosto, não espero
ter
o favor dos deuses: igual arado,
devo
cumprir meu dever atribulado,
sou
ferramenta e servir eu devo e quero.
Não
cabe ao instrumento, sendo mero
utensílio
por momentos empregado
pedir
ao artesão um dom alado,
mas
se aplicar à obra, em tom sincero.
Se
algum deus nos criou, foi para si,
para
cumprir o quanto pretendia
e
não para servir sua criação.
Mas ao
menos isto pela vida eu vi:
que
a ferramenta toda a fé perdia,
só
por não ver atendida sua oração!...
MILÊNIO
II (5/1/2009)
E
como é tolo esperar por um milagre,
enquanto
não ser digno se admite:
como
querer que à divindade incite
esse
pedido, por mais que a fé o consagre...
Bem
ao contrário, quando Deus nos pede,
é
que devemos atender sem pausa:
de
nossas vidas é essa a única causa,
servirmos
bem a Quem vida concede...
Então,
é bem melhor que a ferramenta
não
se esconda, pois na terra se enferruja,
mas
permaneça brilhante de afiada...
Para
atender, se o instante se apresenta,
à
missão indicada, à obra cuja
necessidade
fez sua vida ser criada.
MILÊNIO
III
Sempre
esperança me tem sido ingrata:
por
mais que invista nela, com torpeza
me
reciproca. Polui meus sonhos de beleza
e
quando algo me dá, a ação remata
por
tomar algo em troca. É uma cascata
que
inverte a gravidade. Com certeza,
a
esperança, a zombaria e a avareza
são
irmãs e cada qual tormenta e mata.
Assim,
não espero mais. Tento proagir,
prever
os resultados do que faço,
sem
me queixar por não ganhar o bem.
Sem
reclamar dos deuses, que a sorrir,
colocam
a esperança em meu regaço,
pelo
prazer de gargalhar também...
MILÊNIO
IV – 27 dez 2020
Quando
acrescentam barras à minha jaula
sinto
uma raiva imensa, que se espalha
em
cada fibra do meu ser e assim retalha
minha
calma habitual e mesmo abaula
meu
bom humor... Porém depressão maula
é
coisa que não sinto. Não me falha
o
equilíbrio hormonal. Mas a navalha
dos
desenganos, como constante aula,
recai
em mim e então, toda revolta
fica
minhalma... Meu descontentamento
se
rebela, violáceo de emoção.
É
então que acuso os deuses e anda à solta
a insurreição
de todo o pensamento,
rasgando
as fibras de meu coração.
MILÊNIO
V
Talvez
todos os deuses tenham ido
exceto
o Deus da Guerra. Dominou
incontestavelmente
e devorou
o
século passado e ainda tem rido
nos
primeiros albores, incontido,
deste
século atual e conquistou
novos
teatros em que, malferido,
o
ser humano a si exterminou.
E
foi o deus primeiro. Antes que a Terra
fosse
adorada por mãe e deusa crida,
já
lhe erguiam altares e ainda estão.
Às
narinas do mesmo Deus da Guerra
a
cinza sobe em turbilhão contida
(e
eu mesmo já morri em Potsdam).
MILÊNIO
VI
Sempre
acharemos Deus ser mais injusto
quando
a nossos inimigos olvidar
o
seu justo castigo, mais até que ao recusar
a
nossa recompensa de alto custo...
Sempre
acharemos esse ideal robusto:
devem
pagar por essas culpas, que penar
nos
fizeram tantas vezes, sem pensar,
que
mereçam perdão, castigo ou susto...
Se
temos de sofrer, julgamos então aqueles
que
percebemos bem mais ímpios do que nós,
deviam
receber castigo bem maior!...
E
se Deus nos perdoar, perdoando a eles,
mui certamente,
Ele é injusto, pois algoz
devia
ser e castigá~los bem pior!...
MILÊNIO VII – 28 dez 2020
Não acredito em Inferno ou
Paraíso,
nesses estados que dizem
permanentes,
que recompensam os
verdadeiros crentes
e os infiéis são condenados
em juízo.
Mas como acreditar nalgo é
preciso,
eu julgo o Além de formas
diferentes,
que possamos de algum modo
ser conscientes,
e o resultado não seja tão
deciso...
A idéia do Inferno, claro
está,
vem do desejo de aos outros
castigar:
que suas maldades jamais
tenham perdão,
enquanto Deus para nós
concederá
alguma recompensa, e
podemos assim odiar
um pouco menos, ao aguardar
sua punição...
MILÊNIO VIII
Não acredito que um servo
onipotente
faça por mim qualquer
tarefa. Ou dom
algum me venha a
conceder. O tom
desta minha vida é que seja
indiferente.
Contudo, acredito que a
outra gente
é meu dever servir.
Que seja bom
para meu próximo. Que
seja o som
de minha vida uma trombeta
urgente
que expanda o bem em plena
caridade,
mas não a qualquer
um. A quem pareça,
perante os olhos falhos que
me servem,
merecedor da ajuda que, em
verdade,
quando tiro de mim, em algo
me aqueça
o pensamento nas
emoções que o fervem.
MILÊNIO
IX
Eu sempre soube que os
deuses não se importam
com as preces dos fiéis que
os amofinam:
a cada um, desde o nascer,
destinam
a realizar as tarefas que
lhe aportam
desde o útero da mãe.
E lhes reportam
bem claros os destinos que
os confinam.
É ao vê~los obedientes que
os animam,
nos sulcos fundos a que os
ideais comportam.
E se amor nos concederam,
foi em causa
de que amor imperasse ao
mundo todo,
qual ferramenta tão só da
inspiração;
e assim cabe ao instrumento
só a pausa:
pensar em ser feliz não
mais que engodo,
que não trará jamais
satisfação.
MILÊNIO
X – 29 DEZ 2020
Contudo,
Amor é um termo tão comprido!
Vê-se-o
aplicado a tanta coisa mais!
Alegrias
de amor são algumas naturais,
outras,
porém, puro engano malnutrido!
Amor
de mãe ao filho é conhecido,
igual
que ao barco dirigido para o cais
é
de esperar que não erre jamais,
pior
que seja o seu crime cometido!
Mas
esse amor de mãe é próprio amor:
o
filho é carne de sua carne e lhe saiu,
a
transportar seu sangue e sua placenta,
percebido
assim no seu maior vigor,
pois
nele é a própria imagem que se viu,
nenhuma
mãe de ser parcial isenta!
MILÊNIO
XI
Já
diferente é o amor de qualquer pai,
no
filho vendo a sua continuação,
de
sua semente a nova brotação,
que
para o mundo incandescente sai.
O
amor pela parceira também vai
ser
uma forma diversa de emoção,
dela
se espera ter aceitação,
não
só um ventre em que semente cai.
E
pelo homem o amor é diferente:
dele
se espera que contribua para o ninho
em
que os ovos se põe com esperança
e
o amor da Pátria ainda mais plangente,
mais
um dever sagrado que carinho,
até
o ponto que a própria alma alcança.
MILÊNIO
XII
Contudo,
clara a religião nos manda
amar
a Deus de todo o entendimento;
do
amor ao próximo há mais impedimento:
como
é difícil amar-se a inteira banda
do
próximo, que talvez obra nefanda
pratique
contra nós em algum momento
ou
que vemos a alguém causar tormento!
Contudo
é isso que a Escritura manda!...
Amar
a Deus, entretanto, é bem mais fácil:
basta
entender que Ele a nós não deve
qualquer
favor, bem ao contrário, tem direito
de
requerer de nós a crença grácil
de
quem à Sua vontade não se atreve
se
revoltar e a Seu comando estar sujeito!
A BARCA DE TESEU I – 30 DEZ 20
SOMOS HERDEIROS DA ESCRITURA HELENA
TANTO OU MAIS QUE AO CRISTÃO ORDENAMENTO,
NELA EXISTINDO MUITO SIMPLES MANDAMENTO:
TEMOR AOS DEUSES OU SOFRER TERRÍVEL PENA!
UM BOM EXEMPLO DE DESAMOR REFLETE A CENA
DESSE MITO DE TESEU CADA MOMENTO:
AO MINOTAURO COMBATE SEM IMPEDIMENTO:
COM OSSO HUMANO À MORTE ELE O CONDENA!
MAS SÓ FEZ ISSO COM O AUXÍLIO DA DONZELA
ARIADNE, QUE TRAIU O PRÓPRIO PAI
E EM VERO AMOR AO NAMORADO VAI
DAR-LHE A MEADA QUE TECERA ELA
E SÓ COM ESTA É QUE TESEU CONSEGUE
AO LABIRINTO ESCAPAR, NÃO HÁ QUEM NEGUE!
A BARCA DE TESEU II
E ENTÃO TESEU A CONDUZIU CONSIGO
EM SEU BARCO DE TRÊS VELAS ESCURAS,
ABANDONANDO-A, PORÉM, A PENAS DURAS
EM NAXOS OU TÁURIDE PARA SEU PERIGO;
TALVEZ ATÉ SE JUSTIFICASSE, ASSIM O DIGO:
TRAIU AO PAI E POR RAZÕES IMPURAS
TRAIRÁ A MIM TAMBÉM! E A TAIS AGRURAS,
COMPLETOU DESSA INFELIZ O SEU CASTIGO!
MAS EM SEU BARCO OS CASAIS TRAZIA DE VOLTA
QUE DA MORTE ENTÃO HAVIA RESGATADO
E SUA NOIVA ANTERIOR ALI ESTARIA
E SOBRE AS ONDAS MANIFESTOU A SUA REVOLTA,
ATÉ DA PRINCESA TER-SE ASSIM LIVRADO,
QUE ENFIM TESEU SUA LAMÚRIA ESCUTARIA!
A BARCA DE TESEU III
PORÉM AO PAI EGEU ELE HAVIA PROMETIDO
TROCAR AS VELAS POR OUTRAS MAIS CLARAS,
SE SUA MISSÃO EXECUTASSE EM PRECLARAS
CONDIÇÕES, NÃO TENDO AO INVÉS MORRIDO.
MAS NÃO AS TROCOU. AS NEGRAS
VELAS SIDO
AVISTADAS DE LONGE PELO ANSIOSO PAI,
QUE DE TRISTEZA AO MAR LANÇAR-SE VAI,
NUMA PROVA DE AMOR ATÉ INCONTIDO!...
TESEU ESTEVE APÓS EM OUTRAS AVENTURAS,
DEIXANDO ATRÁS DE SI AS DESVENTURAS,
BELO EXEMPLO DE AMOR NÃO TENDO DADO,
MAS MUITO MAIS AMOR TENDO INSPIRADO:
OUTROS MORRERAM PELO SEU AMOR,
VIVENDO O PRÍNCIPE NO MAIS PURO DESAMOR!
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