quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021


 

 

NUVENS DE GÁS I  (25/12/2009)

 

A chuva sempre quis sobre meu rosto,

fazendo a barba, sem ter qualquer gume,

queimando os dedos, sem me acender lume,

varrendo o cérebro, num instante exposto.

 

A chuva me embriaga mais que o mosto,

eu me derreto nela e chego ao cume

da excitação.  Os cortes, com alume,

fecho um a um e afogo meu desgosto.

 

E marcho para ti nessas correntes,

feito um líquido só e não te vejo.

 

Meu coração, faminto de desejo,

quer respirar de ti essa alma pura,

marcada pela vida, em mágoa dura,

qual me vazou os olhos impotentes.

 

NUVENS DE GÁS II

 

A chuva lava o crânio e meus cabelos

escorrem, lentamente, para o solo

e se enraízam, já trazendo ao colo,

árvores novas de sonhos e desvelos.

 

Assim, não desperdiço os pesadelos

que me infectam o sangue e o desconsolo;

eles nascem da linfa em casto rolo,

de fantasia férteis e aos novelos.

 

Sou fantasma de mim, desfeito em água,

a chuva pura me elicia a mágoa.

 

Só nos braços de mim mesmo eu adormeço.

Que o mundo é doce, como diabetes:

minha morte se desfaz, em mil confetes,

a vida passa e tudo o mais esqueço.

 

NUVENS DE GÁS III

 

Neste olvidar, estou pleno de mim,

meu pensamento se evola, dispersado,

meus sentimentos nesse voo alado,

minhas angústias deixo fluir assim.

 

E pouco a pouco, em vestes de arlequim,

se coalesce ali, qual vapor mentalizado,

meu sonho púrpura em gás beatificado,

numa mistura de pólvora e alecrim.

 

Que se escapa de mim, indiferente,

e vai ao mundo inteiro fazer ronda.

 

Sombra de púrpura com sabor de nata,

das minhas emoções independente,

feltro puído, emanação de onda,

em fulgurante arco-íris sobre a mata...

 

NUVENS DE GÁS IV – 15 dez 20

 

Meu alter-ego é nuvem de valor,

que só lembra de mim o que eu senti,

inocente de quanto eu aprendi,

mescla de luz com manchas de rancor.

 

Curiosa seja tal nuvem em andor

por quanto veja a seu redor ali,

talvez buscando amor que nem perdi,

talvez vibrando da mirra em santo odor.

 

Sente da chuva algum pobre receio,

embora seja a sua mãe e genitora.

 

E se a levar para algum ocaso além?

Sempre inconsciente de que exista um meio

de transformar essa chuva em protetora,

sem ser a geada ou o sereno de um porém.

 

NUVENS DE GÁS V

 

E se acaso meu alter-ego nas sarjetas

fosse levado pela chuva a escorrer,

túneis pluviais que fosse percorrer,

o que acharia nas escuridões secretas?

 

E se fossem suas injúrias mais completas

e a chuva até o levasse a conhecer

e nos esgotos cloacais a se perder,

em que flutuam as tristezas mais infectas?

 

Por isso, tal nuvem de gás que dei à treva

prende-se forte contra meu paredão,

 

onde por chuva menos possa se afetar

e em cada ranhura que se eleva

ela se agarra com sofreguidão,

para no mundo da luz se conservar!

 

NUVENS DE GÁS VI

 

Esse fantasma de mim percorre a geada

e só se deixa beijar pelo sereno;

mas outros gases absorve de veneno,

sem ser por eles afetado em nada.

 

E se imiscui nas gretas da calçada,

quando a umidade, em dia mais ameno,

recobre as ruas, em véu fino e pequeno,

mas só no lado meridional da alçada.

 

Em sua estadia além da luz solar,

passam os passos desses mil passantes.

 

Também entretêm seus sonhos delirantes

e assim a nuvem de gás os vai sondar

pelas narinas, pelo ouvido e céu da boca,

a se imiscuir com a seda de uma touca.

 

NUVENS DE GÁS VII – 16 dez 2020

 

Pois beija ali os mais altivos sentimentos,

tange dos cérebros os mais leves fragmentos,

lambendo a pele de suaves julgamentos,

como um gato que se esfrega por carinho.

 

Tem por colos seu desejo comezinho,

a sua dona a conquistar devagarinho,

por se mesclar na metade do caminho,

seus miados a transmutar em pensamentos.

 

Tal como o gato deixa a sua enzima,

ou mesmo certos pelos descartados,

 

meu alter-ego a alma alheia rompe,

sem que possua intenção qualquer ferina,

provando apenas os desejos eriçados

e no contágio a si mesmo se corrompe.

 

NUVENS DE GÁS VIII

 

Existe certa lenda no Japão,

a qual referem como Ikiryô,

inclinação por que se denominou

um conjunto de rancor e maldição.

 

As inquietudes de cada coração,

todo o mal que a pessoa alimentou,

toda a tristeza que nunca dominou

e que sai de suas narinas qual rojão.

 

Esse fantasma de um vivo quer o mal,

mas não apenas de seu alvo projetado.

 

De qualquer um com que topar certeiro;

e é de todos o mais temido elemental

que se puder, matará alguém achado,

qual a seta projetada por guerreiro!...

 

NUVENS DE GÁS IX

 

Muito mais temem assim os camponeses

a tais “fantasmas de vivos”, inquietantes

que aos shiryôs dos mortos ambulantes,

pobres almas que perduram poucos meses,

 

enquanto os ikiryôs dos japoneses

provocam mortes e desastres incessantes

e a cada assassinato, mais vibrantes

e mais duráveis se tornam, por suas vezes!

 

Muito difícil das almas vivas escapar,

por mais que sejam totalmente imateriais.

 

São invisíveis, em geral, para os humanos,

porém os incitam até o suicidar,

com suas ânsias inteiramente inaturais,

cegando os olhos para os maus enganos!

 

NUVENS DE GÁS X – 17 dezembro 20

 

Não é assim, porém, em nada o alter-ego,

que não busca qualquer mal: é só curioso;

se dano causa, é por ser caprichoso,

se cometer enganos, não o renego...

 

Mas para quanto faz, torno-me cego,

longe de mim se achar um ser formoso,

e reconheço que poderá ser perigoso,

quando de alguém exigir maior apego.

 

Do qual se aninha destarte ao coração

e talvez possa partilhar-lhe sentimentos.

 

Interferindo nos próprios julgamentos

e então se junta para dar-lhe proteção,

mas ao fazê-lo, lhe transforma a mente,

em sua maneira favorável e imprudente.

 

NUVENS DE GÁS XI

 

Mas ao brotar, tem só bons sentimentos,

tão só as injúrias da alma de um poeta;

tão só melancolia, talvez, mais o afeta,

mas sem rancor ou inveja de momentos.

 

Bem guarnecido por gentis assentos,

o seu amor pela raça não se inquieta;

a irmandade deseja que o completa,

quer só aliviar de outrem os lamentos.

 

Mas quando encontra qualquer alma afim,

se estabelece qual o mais fiel amante.

 

Sempre disposto mais a dar do que a pedir,

mas traz losangos a sua veste de arlequim

e talvez possa, quiçá num breve instante,

mais retorno receber do que nutrir...

 

NUVENS DE GÁS XII

 

Mais do que chuva, tem sabor de orvalho

e nas narinas introduz-se qual rocio,

encorajando a mente com seu brio,

ali brotando qual o mais florido galho.

 

E é desse modo que meus ânimos espalho

pelos milhares de sonetos que hoje crio,

queria aquecer os corações, até o mais frio,

o seu calor forjando com meu malho.

 

Não tema assim esta visita do alter-ego,

que meu abantesma vivo é de carinho.

 

Pelo teu peito só demonstrará um apego,

mesmo que nunca te haja conhecido,

amor somente espalhando no caminho,

roxo duende só de luzes revestido!...

 

NÃO MAIS QUE UMA RAÇA I –- 18 dez 20

 

Mais uma vez vou retomar o mesmo tema:

que existe apenas uma raça humana;

o organismo inteiro nos irmana,

as diferenças mais leves que uma pena;

a cor dos olhos, por diversa seja a gema,

tem uma só melanina que a recama;

por mais que seja da “raça branca” a fama,

da “raça negra” difere só no lema,

as variações internas desprezíveis,

classificar por cor da pele coisa louca,

ou de intenção oculta que a agrave;

porém percebo diferença concebíveis

na mesma voz do negro, um tanto rouca

mas que perante a voz do branco é mais suave!

 

NÃO MAIS QUE UMA RAÇA II

 

Externamente, é bem difícil de um esqueleto

determinar qual cor de pele o revestia;

somente um teste de deeneá revelaria

esse genético conjunto mais discreto,

que a melanina, examinada com afeto,

por concentração tão só se diferia

(mas por formato das órbitas se podia

determinar de olhos oblíquos dom secreto).

Houve raças humanas outras no passado,

os Neandertais e os Heidelbergenses,

os Desinovanos e os Rhodesianenses,

o Homo ergaster e o Homo antecessor,

mas cada grupo foi por nós assimilado,

ficou somente do Homo sapiens seu vigor!

 

NÃO MAIS QUE UMA RAÇA III

 

Chega portanto de se tomar a cor da pele

como um critério para a classificação;

há só uma escala da castanha compleição,

que desde o mais claro ao mais escuro sele.

(Certa ideia até me ocorre que me apele:

que de fato maior houvesse a diversificação,

que em circunstâncias requerendo adaptação,

que de maior facilidade assim revele!...)

Porem não as há.  Somente a inteligência

nos permitiu ocupar todo o planeta

e com a educação é só o que importa;

nossa raça a demonstrar maior potência

para as estrelas ainda espero nos transporta,

talvez cumprindo nossa missão secreta!...

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário