CUSTÓDIA I
-- 01 mar 80
Quero
escrever mil filhos no teu ventre!
Na
praia áurea, em concha de alvaiade,
Mil
filhos imortais... Teu corpo invade
Fértil
azeite, tão logo em ti me adentre...
Quero
escrever, à luz dos cromossomas,
Meus
genes em teu útero abrigados,
Teus
ovários de amor assegurados,
Hão
de apressar-se, em desusadas somas,
A
perfazer minha raça deste esperma,
Nos
genes que são teus, metade dalma,
Metade
em carne, metal da mesma herma.
E
assim, no mesmo ardor apressurados,
Nove
meses de amor, acalentados,
Cumprindo
parto sideral de etérea calma...
CUSTÓDIA II
– 17 set 2020
Desatinado
que pareça este desejo,
Será
preciso em seu contexto se entender;
Em
nove meses de amor um filho a ter,
Mas
de quantos no porvir existe ensejo?
Se
for constante a força desse beijo,
Se
no futuro cada qual sobreviver
E
noutros ventres de novo se acolher,
Mais
descendentes depois de cada adejo,
Talvez
num século, talvez duzentos anos,
Não
digo mil, mas resultem mais de cem,
A
contribuir aos esforços dos humanos,
Sem
importar qual seja a cor da pele,
Desde
que possam transmitir também
Algum
genoma que meu destino sele...
CUSTÓDIA III
Sabe-se
lá, se houver fertilidade,
Mais
numerosas serão minhas trinetas
E
mais depressa podem ser completas
Tais
perspectivas que sugeri em ansiedade.
Ou
que algum dos bisnetos, na verdade,
Se
torne qual sultão e mil diletas
Possua
em seu harém, nada secretas
Suas
ambições por maior posteridade...
Ou
ainda que seu sêmen selecionem
E
que por muitas seja ambicionado,
Tantas
mulheres destarte a fecundar...
Ou
que para as estrelas ainda o tomem,
Onde
possa simplesmente ser clonado,
Para
esse orbe mais rápido ocupar!...
CUSTÓDIA IV
Mas
não se pense que eu gostaria de ser
Reduplicado
igual que o fazem ratos!
Sem
dúvida seriam grandes desacatos,
Doze
crias cada mês a aparecer!...
No
outro mês outras doze a recorrer,
Contrariamente
ao natural dos fatos
(Talvez
meus netos devorassem gatos!),
Cada
porão do mundo a preencher!...
É
natural que manifeste esse desejo,
Que
assim só pelos versos cumprirei
E
no ventre dos poemas viverei,
Diariamente
ampliando o seu arpejo,
Muitos
milhares na verdade eu já mandei
E
em quantas mentes tais filhos gerarei?
ADORAÇÃO I – 1981
Guardo nas unhas um resto de perfume
Evolado de ti, cheiro de terra,
Cheiro de flor sutil, cheiro da guerra
Feroz travada... sem rancor, nem lume.
Guardo nas faces os restos de teu beijo,
Profundas e queimadas marcas d'ouro,
Um trescalar de vinho, sem desdouro,
Profundo e fresco como o ardor do ensejo
Que nos uniu, esperada a primavera,
Ainda no inverno trescalante e castelar,
Amor que germinou, fresco e maduro,
Num rebrotar sutil, jóia e quimera,
Engaste aos pés do nume tutelar,
Que triunfal há de reger nosso futuro!
ADORAÇÃO II – 18 setembro 2020
Mais uma vez percorro o meu antanho,
Nesses sonetos pejados de paixão
Que eu fatiei do próprio coração
E os envolvi em meu ideal tamanho.
Era diverso de agora o meu amanho,
Do rimar pleno e perfeito sem questão;
No segundo quarteto permitia mutação,
Que hoje recuso com mais perfeito ganho.
Porém conservo os mesmos sentimentos,
A mesma fome de amor universal
Que então lançava a um alvo individual.
Mais concentrados estão os pensamentos
Que se geraram desse ideal antigo
E que em mim hão de durar até o jazigo...
ADORAÇÃO III
Não que cravasse as unhas numa pele;
Era com as polpas que fazia meus carinhos,
Tantas carícias encontrando seus caminhos
Por cada canto de amor que a carne sele.
Mas certamente cada beijo que te impele
A cravar dentro de mim, beijos mansinhos,
Beijos de mal, desferidos como espinhos,
Veneno teu que a mim profuso apele...
E guardo ainda a peculiar lembrança
Dessa primeira vez de nosso amor,
Nesse inverno transmutado num calor.
A primavera invocando com pujança,
Que até o presente conserva o seu vigor,
Enovelado na constância da aliança...
ADORAÇÃO IV
Nessa aliança de um cerne espiritual
E não apenas de um grilhão de ouro,
Que poderia ser partido sem desdouro,
Em resultado de picada de animal.
Por grave inchaço nos dedos, afinal,
Numa ameaça de rasgar o próprio couro,
Serrada essa aliança em mau agouro,
Mas a da alma conservada imaterial.
Assim jamais o teu amor esquecerei,
A tua ternura e a plena lealdade,
Nem os momentos em que total te amei,
Que levaremos para a eternidade,
Caso ela exista, embora nunca jurarei
Que amor perdure na materialidade...
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