quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021


 

 

CUSTÓDIA I --  01 mar 80

 

Quero escrever mil filhos no teu ventre!

Na praia áurea, em concha de alvaiade,

Mil filhos imortais...  Teu corpo invade

Fértil azeite, tão logo em ti me adentre...

 

Quero escrever, à luz dos cromossomas,

Meus genes em teu útero abrigados,

Teus ovários de amor assegurados,

Hão de apressar-se, em desusadas somas,

 

A perfazer minha raça deste esperma,

Nos genes que são teus, metade dalma,

Metade em carne, metal da mesma herma.

 

E assim, no mesmo ardor apressurados,

Nove meses de amor, acalentados,

Cumprindo parto sideral de etérea calma...

 

CUSTÓDIA II – 17 set 2020

 

Desatinado que pareça este desejo,

Será preciso em seu contexto se entender;

Em nove meses de amor um filho a ter,

Mas de quantos no porvir existe ensejo?

 

Se for constante a força desse beijo,

Se no futuro cada qual sobreviver

E noutros ventres de novo se acolher,

Mais descendentes depois de cada adejo,

 

Talvez num século, talvez duzentos anos,

Não digo mil, mas resultem mais de cem,

A contribuir aos esforços dos humanos,

 

Sem importar qual seja a cor da pele,

Desde que possam transmitir também

Algum genoma que meu destino sele...

 

CUSTÓDIA III

 

Sabe-se lá, se houver fertilidade,

Mais numerosas serão minhas trinetas

E mais depressa podem ser completas

Tais perspectivas que sugeri em ansiedade.

 

Ou que algum dos bisnetos, na verdade,

Se torne qual sultão e mil diletas

Possua em seu harém, nada secretas

Suas ambições por maior posteridade...

 

Ou ainda que seu sêmen selecionem

E que por muitas seja ambicionado,

Tantas mulheres destarte a fecundar...

 

Ou que para as estrelas ainda o tomem,

Onde possa simplesmente ser clonado,

Para esse orbe mais rápido ocupar!...

 

CUSTÓDIA IV

 

Mas não se pense que eu gostaria de ser

Reduplicado igual que o fazem ratos!

Sem dúvida seriam grandes desacatos,

Doze crias cada mês a aparecer!...

 

No outro mês outras doze a recorrer,

Contrariamente ao natural dos fatos

(Talvez meus netos devorassem gatos!),

Cada porão do mundo a preencher!...

 

É natural que manifeste esse desejo,

Que assim só pelos versos cumprirei

E no ventre dos poemas viverei,

 

Diariamente ampliando o seu arpejo,

Muitos milhares na verdade eu já mandei

E em quantas mentes tais filhos gerarei?

 

ADORAÇÃO I – 1981

 

Guardo nas unhas um resto de perfume

Evolado de ti, cheiro de terra,

Cheiro de flor sutil, cheiro da guerra

Feroz travada... sem rancor, nem lume.

 

Guardo nas faces os restos de teu beijo,

Profundas e queimadas marcas d'ouro,

Um trescalar de vinho, sem desdouro,

Profundo e fresco como o ardor do ensejo

 

Que nos uniu, esperada a primavera,

Ainda no inverno trescalante e castelar,

Amor que germinou, fresco e maduro,

 

Num rebrotar sutil, jóia e quimera,

Engaste aos pés do nume tutelar,

Que triunfal há de reger nosso futuro!

 

ADORAÇÃO II – 18 setembro 2020

 

Mais uma vez percorro o meu antanho,

Nesses sonetos pejados de paixão

Que eu fatiei do próprio coração

E os envolvi em meu ideal tamanho.

 

Era diverso de agora o meu amanho,

Do rimar pleno e perfeito sem questão;

No segundo quarteto permitia mutação,

Que hoje recuso com mais perfeito ganho.

 

Porém conservo os mesmos sentimentos,

A mesma fome de amor universal

Que então lançava a um alvo individual.

 

Mais concentrados estão os pensamentos

Que se geraram desse ideal antigo

E que em mim hão de durar até o jazigo...

 

ADORAÇÃO III

 

Não que cravasse as unhas numa pele;

Era com as polpas que fazia meus carinhos,

Tantas carícias encontrando seus caminhos

Por cada canto de amor que a carne sele.

 

Mas certamente cada beijo que te impele

A cravar dentro de mim, beijos mansinhos,

Beijos de mal, desferidos como espinhos,

Veneno teu que a mim profuso apele...

 

E guardo ainda a peculiar lembrança

Dessa primeira vez de nosso amor,

Nesse inverno transmutado num calor.

 

A primavera invocando com pujança,

Que até o presente conserva o seu vigor,

Enovelado na constância da aliança...

 

ADORAÇÃO IV

 

Nessa aliança de um cerne espiritual

E não apenas de um grilhão de ouro,

Que poderia ser partido sem desdouro,

Em resultado de picada de animal.

 

Por grave inchaço nos dedos, afinal,

Numa ameaça de rasgar o próprio couro,

Serrada essa aliança em mau agouro,

Mas a da alma conservada imaterial.

 

Assim jamais o teu amor esquecerei,

A tua ternura e a plena lealdade,

Nem os momentos em que total te amei,

 

Que levaremos para a eternidade,

Caso ela exista, embora nunca jurarei

Que amor perdure na materialidade...

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