domingo, 7 de fevereiro de 2021


 

HIEROFANTE I (23 AGO 79)

 

Hoje deixei de novo de ir às aulas

E permaneço aqui, passando a limpo

Meus versos, quais bateias de garimpo,

A peneirar cativos nestas jaulas.

 

São versos mansos, mas tão desesperados!

As minhas ilusões feitas escória,

Meus dias gastos em horas sem história,

A perlustrar umbrais remarchetados

 

Da mesma carnação carmesinante,

Madrépora de aniz circunjacente,

Que um dia acidulou-se de desejo

 

E nos meus lábios fez-se lancinante

Amêndoa amarga, em tal ideal pungente,

Percutido em maciez nesse teu beijo.

 

HIEROFANTE II (8 JUN 10)

 

Hoje que estou já descomprometido

com quaisquer infelizes didatismos,

sem sentir os menores saudosismos

do longo tempo inglório e malquerido;

 

cessada a liturgia do esquecido

serviço a ministérios sem batismos,

liberado de quaisquer sacramentismos,

sou hierofante de um deus adormecido.

 

Em tais poemas, a ruidosa voz dos mortos

ruge e troveja pelo morto Pan,

enquanto tremo em meu diletantismo.

 

Não busco mais esses cretenses portos:

é o deus que chega e unge, em glória vã,

e me coroa com os louros do humanismo.

 

HIEROFANTE III

 

Cessei de descrever o meu passado

ou o passado dos que em mim habitam,

suas órbitas sem olhos que me fitam,

bocas sem língua em canto compassado,

 

meu cantochão não mais determinado

por essas regras que antigos papas ditam,

mas em que escalas helênicas se agitam,

no canto álacre por ossos conservado.

 

Deixei agora, para sempre, as aulas,

não mais celebro, qual juiz de paz,

não mais prego os evangelhos memoriais;

 

são meus escravos, em abertas jaulas

que me ensinam a maneira em que se faz

uma torrente de versos imortais!...

 

A ILUSTRAÇÃO REPRESENTA SAPPHO (SAFO) ERESIA, A MAIS FAMOSA POETISA GREGA, TAMBÉM MINHA MENTORA, UM BUSTO DO SÉCULO QUINTO ANTES DE NOSSA ERA

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