sábado, 29 de junho de 2013




O RATINHO BRANCO
(Folklore inglês, versão poética de William Lagos, 25 NOV 12)

O RATINHO BRANCO I

Segundo contam, em tempos que lá vão,
Em um condado nas plagas da Inglaterra,
Vivia no campo uma jovem muito bela
A quem os pais chamaram Jenny Martin.
Era graciosa, mas pobre, essa donzela,
Morava num casebre junto à serra,
Muito modesta em seu vestido de algodão.

Sempre penteara seus louros cabelos,
Contemplando na água azul o seu reflexo
Sobre a lagoa, sem ondas agitadas,
Azuis seus olhos ainda mais que o céu,
De belo porte e com feições rosadas,
E mais de um camponês por seu amplexo
Ansiava nos seus sonhos e desvelos.

Embora fosse jovem tão modesta,
Adormecera a ouvir belas histórias
E sonhava com um príncipe encantado
Que a levaria para ser a sua rainha...
E mesmo o camponês mais arrumado
Nem de longe competia com tais glórias:
Imaginava ser castelo uma floresta...

Não obstante, à sua mãe muito ajudava,
Embora fosse pequena a sua choupana,
Levava baldes para tirar água do poço,
Para o fogão sempre ia cortar lenha,
Ainda sonhando encontrar um belo moço,
Dono das terras em que erguera sua cabana,
Sem arrendar o torrão que trabalhava.

O RATINHO BRANCO II

Seu pai, porém, era só um arrendatário
Que abrira clareira no meio da floresta
Pagando renda pelo campo trabalhado...
Porém um dia, indo colher amoras,
Encontrou um ratinho branco machucado,
Sendo acossado por alguma feroz besta:
Ser devorado seria em breve o seu fadário...

De compaixão seu peito comovido,
Os braços estendeu para o ratinho,
Sua presença espantando o inimigo,
Uma doninha ou talvez algum texugo;
Para melhor protegê-lo do perigo,
Ela enrolou o trêmulo bichinho
Na barra do avental de seu vestido.

Desceu com ele até a margem do rio,
E ali lavou com cuidado sua ferida
Para a seguir improvisar uma atadura,
Com uma tira que rasgou da própria saia;
Deu no ratinho um beijo, com ternura,
Mas ele escapuliu, sem despedida,
No mato se enfiando, em calafrio!...

Jenny Martin suspirou, cheia de pena,
Porque tinha se encantado com o bichinho
E até queria criar, mas era arisco!
Encheu de amoras seu cesto até a beirada;
Nessa floresta não temia qualquer risco
E bem depressa encontrou o seu caminho
Até chegar à sua choupana bem pequena...

O RATINHO BRANCO III

Mas passada uma semana e mais três dias
Mais uma vez encontrou o seu ratinho...
Estava agora encolhido num buraco,
De que o tentava arrancar uma coruja...
Ela espantou-a, balançando o saco
Que antes enchera com graveto e espinho,
Sem temer da ave agourenta as bruxarias...

Mas quando veio em busca do bichinho,
Descobriu que já sumira totalmente...
“Pobrezinho,” ela pensou, “está com medo...
Talvez pense que eu lhe possa fazer mal.
Ratinho Branco, escuta o meu segredo:
Se eu te pegasse, ficaria bem contente
Em te criar como se fosses meu filhinho!...”

Pois não é que daí a outra semana,
Jenny Martin viu o ratinho, novamente,
Desta vez sendo acossado por um cão!
Sem ter medo, ela espantou o animal,
Com um galho que usou como bastão;
E então pegou o animalzinho, suavemente,
Para levá-lo consigo até a choupana...

“Meu querido, desta vez não fugirás,”
Falou Jenny, e com cuidado o segurou.
“Vou-te levar e irás morar comigo...
Repara que esta já é a terceira vez
Que te salvo da morte e do perigo...”
E com carinho contra o peito o apertou:
“Cá na floresta bem depressa morrerás...”

O RATINHO BRANCO IV

Mas Jenny Martin teve então uma surpresa:
O ratinho branco deu um guincho e lhe falou.
“Boa donzela, também lá sofro perigo,
Vocês não têm uma gatinha caçadora...?
Entendes bem porque não quero ir lá contigo?...”
Jenny Martin compreendeu mas discordou,
Ao ver-lhe os olhos brilhando de esperteza...

Pois em seu desapontamento ficou triste.
“Terei cuidado... Tu irás dormir comigo...”
“Não importa, a sua gatinha é caçadora...”
“Mas eu prometo que lhe deixarei bem claro,
Desde a chegada, na primeira hora,
Que você será minha mascote e meu amigo;
Tenho certeza que em te caçar não mais insiste...”

“Sei bem, minha jovem, que você gosta de mim,
Porém é certo que dentro de sua casa
Não poderá com segurança me esconder...
Tão logo adormeça, em seu sono gentil,
Sua gatinha vai dar bote e me comer
E seu estômago será minha cova rasa...
Nem meu rabinho encontrarás, enfim...”

“Se bem me queres, peço então me leves
Até o oco principal do meu carvalho,
Porque só lá me encontrarei em segurança,
De que saí só por antiga tradição...
Eu lhe suplico então, bela criança,
Que me coloque no alto desse galho,
Vai-lhe custar tão só momentos breves...”

O RATINHO BRANCO V

Jenny Martin respondeu, ainda a hesitar:
“Mas se a coruja vier te procurar?...”
“Não, querida, em nosso oco ela não vai
E ainda que vá, tenho lá quem me defenda...”
“Mas meu ratinho, e se de novo você cai?”
“Doravante, o meu povo há de ajudar,
No meio deles, nenhum mal me irá encontrar.”

“Pois, na verdade, eu sou o Rei dos Ratos;
Não há perigo de me perder de novo,
Mas sempre hei de ser a você agradecido,
Pois minha vida três vezes me salvaste...
Eu saberei me mostrar reconhecido
E terás sempre a ajuda do meu povo,
Pois a ninguém nos mostramos nunca ingratos.”

Deste modo, três vontades lhe darei,
Por mais difíceis que lhe pareçam ser.
Mas primeiro, pense bem no seu desejo,
Porque lhe darei qualquer coisa que me peças,
Mas calcule com cuidado o seu ensejo,
Que seus anseios possam bem satisfazer
E que estejam à altura de algum rei!...’

Jenny Martin então deixou-se convencer,
Foi caminhando até o velho carvalho
E deparou com multidão de ratos
Brotando sem cessar do enorme oco...
Tirou os tamancos, subindo com recatos
E lá em cima, depôs o rei no galho,
Para seu bando, em festejo, o receber!


O RATINHO BRANCO VI

Jenny Martin não conseguia compreender,
Ao ver a vasta rataria em aclamação
Pelo retorno feliz do jovem rei:
“Mas por que não foram eles ajudá-lo?”
“É um requisito de nossa antiga lei:
Deve o rei demonstrar sua adequação
Durante um mês, sem ninguém o proteger.”

“Só no caso de haver sobrevivido,
De um jeito ou de outro, receberá a coroa,
Sendo aclamado por toda a rataria!...
Com sua ajuda, conquistei direito ao trono,
Pois nenhum rato auxiliou-me nessa via
E doravante terei vida longa e boa,
Portanto irei demonstrar-me agradecido!”

“Quando você de qualquer coisa precisar,
Venha sozinha até o meu carvalho,
Para três vez pelo nome me chamar...”
“Mas eu não sei o seu nome!...” disse Jenny.
“Basta três vezes ‘Rei dos Ratos’ exclamar,
Que eu marcharei até a ponta deste galho
E a atenderei por três vezes, sem negar!”

Jenny Martin então voltou para a choupana,
Considerando se pedia um bom vestido
Ou um colar, talvez sapatos delicados
Ou até mesmo um belo espelho de cristal!...
Mas contemplou aqueles campos arrendados,
Todo o trabalho que seu pai tinha sofrido
E então notou quão pequenina era a cabana!


O RATINHO BRANCO VII

Ela passou a noite inteira sem dormir,
Por um melhor presente maquinando:
Afinal, eu salvei mesmo a vida dele!
Eu vou pedir bastante; mas se ele não puder,
Eu deposito a minha confiança nele;
Aceito o que me der e vou guardando
Mais dois desejos, até saber o que pedir!...

Porque Jenny realmente era modesta,
Mas começava a sentir certa ambição.
E no outro dia se levantou bem cedo,
Pegou seu cesto para colher groselhas,
Sem contar a mais ninguém o seu segredo.
Mas como explicar as coisas que me dão?
Não vou dizer que as encontrei pela floresta!

Mas assim que no carvalho ela chegou,
Não hesitou em chamar o seu ratinho,
Sua voz espantando a passarada...
“Rei dos Ratos!...” por três vezes insistiu
E sem demora, uma corte aparelhada
Apareceu, acompanhando seu reizinho.
“Que me queres?” de imediato perguntou.

Jenny Martin encheu-se de coragem:
“Perdão, Majestade, mas o senhor me prometeu
Que três desejos meus me atenderia...
“É bem verdade e já lhe dei a minha palavra.”
“Meu pai é arrendatário e noite e dia
Trabalhando a terra de outrem padeceu,
Nossa cabana é pobre e sem aragem...”


O RATINHO BRANCO VIII

“Se Vossa Majestade se agradar,
E bem naturalmente, se puder,
Eu queria que me pai fosse granjeiro
E nossa casa arejada e bem maior,
Com um pomar de macieira e limoeiro
E animais de puxar e de comer,
Mais roupas fortes para se trabalhar...”

“Justo é,” respondeu o Rei dos Ratos.
“Está feito!” exclamou, logo a seguir.
Satisfiz já teu primeiro desejo!...”
E deu-lhe as costas, voltando para o oco.
Quando a garota quis soprar-lhe um beijo,
Só viu o rabinho branco já a sumir...
E então notou que estava de sapatos!

Tinham sumido seus tamancos de madeira,
Trazia outras roupas, em lugar das velhas,
Feitas de pano forte e resistente,
Não via o menor sinal de seus farrapos!
E retornou para casa, bem contente,
Viu que a mata se encolhera e havia ovelhas,
Campos plantados e pés de laranjeira!...

Havia pereiras, abacates e figueiras
E lá no meio de uma grande plantação,
Uma casa grande, de telhado avermelhado,
Feita de pedra, confortável e espaçosa!
E então achou seu pai, acompanhado
Por empregados, examinando a brotação
Das belas uvas que nasciam das parreiras!...

O RATINHO BRANCO IX

“Sua bênção, pai,” disse Jenny, humildemente.
“Deus te abençoe, minha filha,” respondeu,
Como se nada tivesse sido transformado.
Entrou na nova casa, ampla e arejada;
Sua mãe usava uma roupa diferente,
Com empregadas sob o comando seu...
Beijou a filha muito alegremente...

Então ninguém percebeu toda a mudança?
Pensou Jenny...  Como se fosse sempre assim...?
Subiu a seu quarto e se enxergou num espelho,
Vendo que estava mais bonita do que nunca!
Só era igual seu guarda-roupa velho,
Cheio de trajos novos, com perfume de jasmim...
Pôs-se a dançar, toda cheia de esperança...

Pois, de repente, daquela frase se lembrou:
“Satisfiz já teu primeiro desejo!...”
Portanto, tinha mais dois para pedir!
Mas eu pensava já ter gasto os três!...
E encontrou joias simples a luzir
Numa gaveta...  E nem esperou pelo meu beijo,
Depois que todo o meu destino transformou!

Cruzou uma porta e descobriu um banheiro,
Em que água corria, quente e fria...
Mas nunca vira qualquer coisa assim!...
A água do banho se ia buscar de balde!...
As maravilhas pareciam não ter fim,
Estava tonta enquanto se vestia
Para o jantar, com o maior esmero!...

O RATINHO BRANCO X

Encontrou uma longa mesa de jantar:
Com os pais se assentavam os criados
Enquanto vinham as criadas e os serviam.
Aos poucos, foi lembrando de seus nomes,
Eram gente da aldeia em que viviam,
Com seus tamancos e trapos desgastados,
Seu pai e mãe em bem melhor trajar...

E embora estivesse tão curiosa,
Jenny Martin não se animou a perguntar...
Todos agiam de modo natural,
Se indagasse, que pensariam dela...?
E quando a refeição chegou ao final,
Sua mãe a chamou para o tear,
No qual bordavam tapeçaria formosa...

Ela escutou as ordens que se pai
Determinava para o dia seguinte,
Seus empregados a ouvir atentamente.
Então as criadas à mesa se sentaram,
Como era praxe normal daquela gente,
Sem a menor reclamação ou acinte,
Numa rotina que bem natural lhes cai...

Ficou auxiliando na tapeçaria,
Sabendo exatamente o que bordar,
Nesses temas que lembrava, de repente,
Somente interrompidos desde a véspera.
Uma empregada chegou então, humildemente:
“Chegou o Augusto para lhe falar”,
Como se fosse alguém que conhecia...

O RATINHO BRANCO XI

E lá na sala estava um camponês
Que lhe fazia a corte, anteriormente,
Na mão a lhe trazer buquê de flores,
Que ela aceitou, um tanto embaraçada...
Mas quando veio o rapaz falar de amores,
Com as velhas botas que usava anteriormente,
Jenny Martin o despediu, com altivez...

Seu pai falou que era um bom trabalhador,
Quando almoçavam juntos, no outro dia,
Porém a mãe lhe prometeu melhor partido
E, dito e feito, nessa noite apareceu
O próprio filho do senhor que havia vendido
A granja que agora a eles pertencia,
Para pedir sua mão ao lavrador...

O pai estar de acordo respondeu
Mas que da filha dependia sua vontade.
Jenny Martin pediu então para pensar
Porque, afinal, mal e mal o conhecia!...
E o rapaz rico foi forçado a concordar.
Jenny Martin encheu-se de vaidade
E seu segundo desejo concebeu...

Entrou no mato, na manhã seguinte
E chamou por três vezes o ratinho:
“Rei dos Ratos!   Atende ao meu pedido!”
E logo veio o bichinho, com um cetro,
De manto branco seu corpo revestido.
“Que me queres?” perguntou, devagarinho,
Acompanhado talvez por outros vinte...

O RATINHO BRANCO XII

Mas a garota não se deixou intimidar:
“Vim a fazer-lhe meu segundo pedido...”
“E qual será?” indagou-lhe o animal.
“Quero morar em magnífica mansão,
Da propriedade a ama natural,
Com um noivo nobre como prometido
E tudo o mais que possa me agradar...”

“Justo é,” respondeu-lhe o bom ratinho.
“Está feito!” e para seu oco retornava,
Antes que Jenny lhe pudesse agradecer...
Usava agora roupas muito ricas,
Que só à nobreza poderiam pertencer...
Na orla da mata, um pajem a esperava,
Com um cavalo ajaezado em cor-de-vinho...

Jenny montou com a maior facilidade
E voltou para sua casa, acompanhada
Pelo pajem e mais três guardas de libré,
Todos agindo de maneira natural.
Trazia sapatos de camurça em cada pé,
Uma tiara na testa e ainda enfeitada
Por muitas joias de grande qualidade.

Havia jardins e grandes plantações,
Por muitos camponeses trabalhadas
E lhe tirou o chapéu o capataz,
A quem Jenny respondeu com leve aceno.
Subitamente, reconheceu o rapaz
Que ainda na véspera proferira enamoradas
Palavras tolas em suas tontas pretensões...

O RATINHO BRANCO XIII

O pajem ajudou-a a desmontar,
Seu cavalo pegou o palafreneiro
E o mordomo a recebeu na escada...
Após tomar um banho perfumado,
Desceu para o jantar, acompanhada
Por duas aias e reparou, ligeiro,
Que todos se levantaram a saudar...

Seus pais lhe pareceram avelhantados
Mas em sua mesa só sentavam cavalheiros...
Os criados chegavam com terrinas
E ninguém lhe parecia surpreendido. 
Após deliciar-se com comidas finas,
Foram dançar no salão passos ligeiros,
Por uma orquestra de libré acompanhados...

Após a dança, um jovem aproximou-se;
Reconheceu ser o filho do granjeiro
E recusou-lhe o pedido, sem pensar.
Seu velho pai pareceu desapontado,
Porém sua mãe não demorou a aprovar:
“Melhor partido será um cavalheiro!”
E seu demora o pretendente apresentou-se.

Pois dito e feito, logo no outro dia,
Chegou o filho do duque, em sua carruagem,
Desembarcando no pátio da mansão,
Acompanhado por garbosa comitiva.
Foi a seu pai para pedir-lhe a mão
E sem se maravilhar com tal miragem,
Querer pensar novamente ela insistia...

O RATINHO BRANCO XIV

E Jenny Martin, que já fora tão modesta,
Encheu-se de vaidade e de ambição!...
Ainda tenho direito a um pedido,
E vou exigir morar em um castelo!...
No outro dia, mal o sol havia nascido,
Partiu para a floresta, em procissão
De cavalheiros, qual se fosse para festa!

E achegou-se ao carvalho, bem depressa,
Para chamar de novo o seu ratinho,
Deixando a escolta à espera na clareira.
“Rei dos Ratos!” chamou, com insistência,
Veio uma escolta com face sobranceira,
E em ricas vestes, surgiu o bom reizinho,
Cuja paciência, a bem dizer, não cessa!...

“Que me queres?” de novo lhe indagou.
“Agora quero morar é num castelo!...”
“Justo é!” disse o rei, sem nem piscar.
“Eu prometi que atenderia três desejos...
Está feito!” e tornou a se virar,
Sem outro olhar para seu rosto belo.
E seu aspecto novamente se mudou.

Em vez do bosque, estava numa aleia
E a ajudaram a subir em sua carruagem
Os seus lacaios de linda libré;
Cem guardas de armadura a acompanharam
E mais duzentos arqueiros, indo a pé.
Além das aias na mais bela roupagem,
Numerosos cavalheiros em plateia...

O RATINHO BRANCO XV

Seu comandante logo reconheceu,
Por ser o jovem que lhe pedira a mão,
Ainda na véspera, com grande atrevimento.
Ela queria mesmo é ser rainha!...
Sentia, contudo, um mau pressentimento,
Que no palácio demonstrou-se com razão,
Pois nem a mãe e nem o pai lhe apareceu!...

E dessa vez, se animou a perguntar:
“O meu pai e minha mãe, onde se encontram?”
E a conduziram até um monumento,
De seus pais a demarcar a sepultura...
Ela chorou, então, por um momento,
Mas sua vaidade e ambição demonstram
Que era agora a única a mandar...

E quando o duque se lhe apresentou,
Recusou-lhe o pedido, sem pensar,
Na esperança de melhor partido ainda...
Sua ambição já não achava mais limites,
Mas em resposta a tal vaidade infinda,
Um brilhante cortejo viu chegar
E da carruagem foi o rei que se apeou!...

E quando o rei pediu-lhe a mão em casamento
Desta vez nem um momento ela hesitou,
Embora fosse já viúvo e meio velho...
Mas enquanto lhe arrumavam o enxoval,
Jenny Martin foi olhar-se em seu espelho
E sua ganância novamente a dominou,
Pedindo algumas horas de adiamento...

O RATINHO BRANCO XVI

E acompanhada por belo cortejo,
Foi à floresta, para se despedir,
Já que teria de morar na capital...
Mas, de fato, era outra sua intenção
E qual se fora uma coisa natural
Foi ao carvalho mais uma vez pedir,
Esperando atendimento nesse ensejo...

Mas desta vez, só após bem longa espera,
Apresentou-se, afinal, o seu ratinho.
“Que me queres?” indagou-lhe novamente.
“Quero mandar sozinha no país,
Que eu tudo meu rei seja obediente,
Que para o mundo ele abra o meu caminho,
Que meu esposo dê-me tudo o que eu quisera!...”

Disse o ratinho: “Três desejos prometi
E realizei as tuas três vontades.
Agora nada mais podes pedir...”
“Como não?  Pois se agora sou a rainha!”
“Não ainda, sem a boda se cumprir.
Exigiste demais, em tuas vaidades:
Também meu erro, pois demais te concedi.”

“Pois não te casarás mais com o rei
E desta forma, nunca serás rainha,
Quem tudo quer, minha jovem, tudo perde...”
E Jenny Martin sentiu o peso dos tamancos,
As roupas velhas, sem que nada herde,
Somente um cesto de groselhas ainda tinha,
Chorando embora: “Ratinho, eu te salvei!...”

EPÍLOGO

E retornou à sua choupana, devagar,
Sem palácio, sem granja e sem mansão,
Seu pai estava no campo capinando...
Soltou as groselhas, tirou água do poço,
Em suas tarefas a mãe foi ajudando,
Para depois cortar a lenha do fogão,
Acostumada, como sempre, a trabalhar...

Foi tudo um sonho?  Consigo ela pensava
E quando Augusto veio, ela o aceitou...
Da mente a história a pouco e pouco sai,
Teve seus filhos e foi até feliz,
Por muito tempo conservando mãe e pai...
E o Rei dos Ratos nunca mais achou
Nas raras vezes em que ainda o procurava...



sábado, 22 de junho de 2013





A CINDERELLA DE  JOHANN STRAUSS JR.
(Baseado no libreto em prosa de Carl Colbert para o balé Aschenbrödel, de StrauB,
em versão poética de William Lagos, 8 AGO 12)

CINDERELLA I

No Carnaval de mil e novecentos,
havia em Viena um ateliê de costura,
em que faziam mil e um ajustamentos
nos vestidos que então eram vendidos
na grande loja de departamentos
denominada de As Quatro Estações,
por seu dono, Gustav Holz, bem geridos
e frequentados por grandes multidões...

Gustav Holz era um jovem empreendedor
que recebera uma pequena herança
e a multiplicara com grande labor,
até virar um verdadeiro milionário;
seu irmão Franz era só um gozador:
desperdiçara a sua parte com paixão,
em seus caprichos bastante atrabiliário,
vivendo agora sustentado pelo irmão.

As empregadas do estabelecimento
precisavam se esforçar mais nessa época;
numa semana chegaria o momento
de festejar em Viena o Carnaval:
era uma época de grande movimento,
em que ajustavam chapéus e fantasias
e os “dominós”, indumentária natural,
que pelos bailes então em geral vias...

Eles cobriam dos pés à cabeça,
enquanto o rosto escondiam com a máscara.
Era costume divertir-se, pregar peça
ou namorar, durante a mascarada,
sem revelar-se a identidade dessa
pessoa, que se sentia protegida,
mesmo estando por baixo fantasiada:
dava o ajuste dos vestidos grande lida...

CINDERELLA II

A gerente da oficina de costura,
Madame Leontine, era viúva,
com duas filhas e tratava com agrura
a jovem Grete, que era sua enteada.
Do marido se lembrava em amargura,
pois lhe deixara bem pequena herança...
Tratava a jovem como sua empregada
e lhe cortava o menor fio de esperança.

Fora forçada Leontine a trabalhar
e como o pai de Gustav fora amigo
de seu marido, o fora procurar,
explicando a situação em que se achava.
Gustav se dispôs logo a ajudar
e ofereceu-lhe o emprego de gerente,
dizendo que as três moças contratava,
pois precisava mesmo de mais gente....

As duas irmãs acompanharam Grete
para o serviço executado na oficina.
Muito feia era Francine e mais Yvette,
mas para a mãe não o eram realmente,
que as tratava a pão-de-ló e confete,
porém a Grete com desprezo e ironia,
pois sua beleza era a todos evidente,
chamando sempre a atenção aonde ia.

Desse modo, a pobre Grete trabalhava,
sem que Leontine se mostrasse satisfeita
e de quanto ela fazia, reclamava;
sempre vestida em pano cinza, de algodão,
a própria Gata Borralheira recordava...
E assim as irmãs a chamavam Cinderella,
pelo despeito de seu coração...
Pegou o apelido na pobre da donzela!...

CINDERELLA III

Mas embora a chamassem Cinderella
e de muito boa vontade ela atendesse,
suas colegas gostavam muito dela,
por seu bom gênio e disponibilidade.
Já as duas irmãs repassavam para ela
todo o serviço que deviam executar
e se portavam com as outras, na verdade,
qual se tivessem todo o direito de mandar!


Assim, elas atendiam às clientes,
mas os consertos repassavam para Grete
e se as medidas saíssem diferentes,
era só dela Leontine a reclamar...
Passavam o resto do tempo bem contentes,
os vestidos e os chapéus experimentando;
e se alguma das outras fosse reclamar,
com demissão ia Leontine ameaçando!

Mas a beleza de Grete logo atraia
a atenção de Franz, o gozador.
Com galanteios ele sempre a seduzia,
sem acreditar ser por ela rejeitado;
e por todo o ateliê a perseguia
e por mais isso Leontine reclamava:
que seu trabalho estava sendo abandonado
e com variadas punições a ameaçava!...

Pois preferia as outras duas empurrar
para Franz, que não estava interessado;
o espertalhão sabia bem admirar
da pobre Grete a grande formosura
e também de Cinderella a quis chamar,
porém no bom sentido, em galanteio:
“Ressalta o cinza a sua beleza pura!...”
Mas em Grete despertava só o receio...

CINDERELLA IV

E como a bela Grete se escondesse,
Madame Leontine foi-lhe apresentar
Francine e Yvette, pois talvez se desse,
que uma delas despertasse sua atenção...
Sem conseguir que o rapaz se demovesse,
pois quanto mais Cinderella se esquivava,
mais o rapaz insistia em sua paixão;
contudo Grete em nada o entusiasmava...

Mas antes de sair, revelou Franz
que seu irmão Gustav daria um baile,
destinado só às mais belas e elegantes
e que enviaria a Grete o seu convite...
“Mas vestidos eu não tenho interessantes...”
“Pois lhe prometo mandar a fantasia!”
Na sedução que o coração lhe agite,
ficava Grete sem saber o que fazia...

Mas Leontine saltou na mesma hora:
“E os convites de Yvette e de Francine?”
O jovem Franz prometeu-lhe, sem demora,
que para todas convites mandaria;
mas bem depressa foi saindo embora,
porque teria de convencer o irmão...
quatro convites ele jamais conseguiria
e se metera em outra bela confusão!...

Pouco depois que Franz se afastou,
bateram de leve à entrada da oficina;
e quando a porta foi aberta, penetrou
Piccolo, o valete de seu proprietário,
com três convites, que lhes apresentou
para o baile do sábado, mais três dominós
para as três moças; mas em gesto atrabiliário,
Leontine disse que suas filhas não iam sós.

CINDERELLA V

E que o terceiro convite seria dela!
Ficou o valete de Gustav atrapalhado:
“Mas um é para a Senhorinha Cinderella...”
“As minhas filhas eu irei acompanhar;
e um convite seria inútil para ela,
pois não dispõe de um vestido para ir!”
“Mas aqui mesmo não pode um arranjar?”
“São das clientes e não se pode prescindir!”

O criado saiu bem desapontado
e mais ainda ficou a pobre Cinderella.
As duas irmãs troçaram dela um bom bocado
quando suas lágrimas começaram a escorrer.
“Pensou que Franz estivesse apaixonado...?”
“Piquei o dedo, por isso estou chorando...”
“Pois então trate de mais cuidado ter,
senão acaba esse vestido me manchando!...”

Chegou o sábado e, ao cair da noite,
foram embora as outras costureiras...
“Você espere na oficina, sem afoite,”
disse Leontine, “até a tarefa terminar!
“Caso contrário, vai conhecer o meu açoite,
que costumo guardar atrás da porta!
E só depois vá para o sótão se deitar,
mas veja bem como sozinha se comporta!...”

Mas o valete também trouxera chinelinhos
de pano de ouro, acompanhando os dominós:
dois pares grandes e uns mais pequenininhos,
que nos pés da madrasta não serviram,
pois eram feitos na medida dos pezinhos
da jovem Grete, que era pequena e delicada...
Então as irmãs pela janela os dois atiram
e Cinderella ficou sozinha e abandonada...

CINDERELLA VI

Foi à vidraça e olhou pela janela;
as sapatilhas de ouro rebrilhavam
sobre a calçada, muito longe dela...
E se as pegasse?  Mas de nada adiantaria:
não tinha roupa de baile a Cinderella...
Somente seus vestidos de algodão,
naquele cinza triste, permitia
a sua madrasta em qualquer ocasião.

Mas pousaram então no peitoril
pequenas pombas cinzentas que cuidava
e ela contou-lhes seu destino vil...
Saíram as pombas,  numa revoada
e lhe trouxeram, em arrulhante ardil
as duas sapatilhas até a janela!...
Grete ficou bem comovida e encantada,
que ambas serviam exatamente nela!...

E começou a dançar pela oficina,
esquecido seu vestido tão grosseiro,
meio conforme com sua triste sina...
Tomava como par os manequins...
Mas no momento em que ante o espelho inclina
novas batidas à porta a assustaram!...
Tirou os chinelos e calçou seus borzeguins,
enquanto as pombas se assaralhufaram...

“Quem é?” ela indagou, diante da porta.
“A minha madrasta me trancou aqui...
Volte depois, se a senhora não se importa,
Não tenho chave e não lhe posso abrir...”
Mas seus protestos voz de homem corta:
“Acontece que eu possuo a duplicata...”
E logo Piccolo penetrou, a sorrir:
“O meu patrão a sua ausência não acata...”

CINDERELLA VII

Em um dos braços duas caixas lhe trazia;
uma continha um belo dominó
e na segunda, um vestido se escondia,
de uma princesa egípcia encantada,
enquanto um novo convite lhe estendia...
“Foi Franz que o mandou?” perguntou ela,
sentindo-se ainda bastante encabulada.
“O Amo Gustav é que mandou à Cinderella!...”

Ora, Gustav era sua paixão secreta,
mas não pudera por um instante ousar
que para ele pudesse ser dileta:
um homem rico e, afinal, o seu patrão!
Falou o criado, para sua alegria completa:
“Ele disse que quer dançar só com a senhora,
que há tempo a guarda em sua imaginação...
Ponha o vestido, que já está na hora!...”

A bela Grete se trocou muito depressa
e pôs por cima do vestido o dominó:
capuz e máscara ocultavam-lhe a cabeça...
Então Piccolo, com respeito, deu-lhe a mão;
na rua aguardava já uma caleça,
com dois cavalos negros e um cocheiro;
trazia nas portas de Gustav Holz o brasão...
E o coche disparou, já bem ligeiro...

A pobre Grete nem sabia o que pensar:
nunca tivera um vestido assim bonito!
Estava na caleça do patrão a viajar,
com seu criado a lhe mostrar tal deferência!
E logo as luzes da mansão viu a brilhar;
subiu a escada nas sapatilhas douradas,
o valete a acompanhá-la, em imponência
e as damas todas ficaram admiradas!

CINDERELLA VIII

“Mas quem é esta que chegou, toda elegante?”
E logo se ajuntaram os cavalheiros,
a lhe pedirem uma dança, nesse instante;
tomou nota de seus nomes num carnê,
como era o costume então reinante...
Mas veio Franz a tentar monopolizá-la,
fantasiado de pirata, porém ela fácil vê
quem é aquele que pretende conquistá-la...

E se recusa, indicando-lhe suas irmãs...
Mas vem Gustav e aceita-lhe o convite...
Franz retorna, em tentativas vãs,
e a bela Grete se afasta deles dois,
o dominó lança ao ar, para seus fãs,
mas Piccolo é o primeiro a segurar
e ela se põe a dançar, logo depois,
usando um véu, para o rosto não mostrar...

E naquela fantasia resplendente,
um solo executa, como escrava egípcia
e enfim se arroja ante Gustav, bem contente...
Franz de novo procura levantá-la,
mas só ao amparo de Gustav ela consente...
Franz se afasta com as irmãs para o bufê,
mas ela fica, com Gustav a contemplá-la,
que lhe ergue o véu e seu rosto logo vê...

Gustav, então, lhe confessa seu amor,
mas antes que responda, os outros chegam...
Como Rainha do Baile, com vigor,
eles a aclamam e ela então é conduzida
ao redor do salão, com todo o ardor
dos cavalheiros que estão em seu carnê...
Mas a seguir, por Gustav é requerida,
seu irmão cheio de inveja, já se vê!...

CINDERELLA IX

Gustav, então, a leva até o balcão,
onde procura, por sua vez, beijá-la...
Mas segue Franz atrás de seu irmão,
cheio de raiva por ter sido rejeitado;
para arrancar-lhe o véu estende a mão,
porém Gustav o impede, firmemente,
e Franz o ataca, já meio embriagado...
A pobre Grete assiste a briga, descontente...

E num impulso, sai correndo do salão,
deixando para trás a sapatilha,
porém Piccolo já a aguarda no saguão
e a conduz, de dominó, até a caleça...
Gustav e Franz atravessam a multidão,
mas só enxergam as lanternas da traseira...
Porém Gustav se ajoelha, bem depressa,
e se apodera do chinelinho, a mão certeira...

Leontine a tudo assiste, enciumada
e o baile acaba ao soar da meia-noite!
Entra com as filhas na carruagem alugada
e as três voltam para casa, bem depressa...
Não é que esteja de Grete desconfiada,
mas sua raiva descontar nela queria:
se descobrisse ainda faltar alguma peça,
com seu açoite na enteada bateria!...

Grete chegara ainda mais depressa,
que estava ansiosa para acabar o seu labor!
Olhando em torno, a surpresa nunca cessa,
pois suas pombinhas haviam feito sua tarefa!
Piccolo trancou-a de novo e, sem mais essa,
ela escondeu o vestido e o dominó
e no regaço colocou a última peça,
para fingir que completara tudo só...

CINDERELLA X

Logo depois, a coitadinha adormeceu,
para acordar a seguir, num sobressalto,
quando os passos da madrasta percebeu,
que girou a chave na porta, bem depressa...
“Está dormindo?  Do trabalho se esqueceu?”
“Não, madrasta, já está tudo terminado...”
E Leontine, apesar de sua promessa,
não pôde usar o chicote pendurado...

Mas o serviço examinou com atenção,
sem conseguir encontrar um só defeito...
“É, mas só fez a sua obrigação!...”
E foi subindo para o seu apartamento,
que ficava logo em cima do salão,
em que Gustav a recebera, de favor,
embora a ingrata, no seu ressentimento,
nunca dissesse uma palavra em seu louvor...

Grete esperou que as três adormecessem
e com um pacote subiu a seu quartinho,
esperando que depressa se esquecessem:
levou o vestido, o dominó e os chinelinhos,
esperando que os sonhos a aquecessem...
Soprava o vento pelas fendas do seu teto,
seu cobertor era cheio de furinhos
e dormia encolhida e sem afeto...

Durante a noite, sonhou com casamento,
que Gustav a pedira em matrimônio,
seu vestido do mais fino acabamento,
a igreja cheia de muitos convidados...
Mas no momento de prestar o juramento,
a pobre se acordou, num sobressalto;
piara um corvo por cima dos telhados:
fora apenas um sonho, sem ressalto...

CINDERELLA XI

No outro dia, se levantou bem cedo,
pois precisava preparar o café...
De se atrasar sempre tinha um certo medo,
porque a madrasta se acordava em mau-humor
e a puniria pelo menor enredo...
Mas era domingo e acordaram tarde;
ela limpou o apartamento com vigor,
mas sem fazer barulho e sem alarde...

Contudo, ao soar do meio-dia,
bateram à porta e lá se foi ela atender:
mas eram Piccolo e Gustav que ela via!?
“A madrasta ainda está dormindo...”
Mas Leontine, que do quarto ouvia,
chegou depressa, para os cumprimentar.
Sem perder tempo, foi Piccolo pedindo:
“Traga as meninas, para experimentar...”

“A sapatilha foi no baile abandonada...”
“Mas as meninas ainda estão dormindo...”
“Pois o teste vou fazer, sem mais tardar!”
disse Gustav, bastante seriamente.
Ela chegaram, cada qual estremunhada,
mas o chinelo, naturalmente, não serviu.
E Gustav falou então, severamente:
“Que experimente Grete!” ele exigiu.

E é claro que assentou perfeitamente.
Gustav já chamara um escrivão
e o casamento se realizou rapidamente,
pois queria levá-la à sua mansão,
para tirá-la da madrasta, incontinenti...
Daí a um mês, casaram-se na igreja,
com toda a pompa e sacramentação
e tudo o mais que nas bodas se deseja!...

EPÍLOGO

Foi Franz sentar praça em regimento
e Leontine continuou como gerente,
obedecendo, após o casamento,
à bela Grete, que era agora a sua patroa...
De raiva, pôs as filhas num convento,
porém Gustav convenceu dois funcionários
a desposá-las, em troca de uma boa
recompensa, dotes extraordinários!...

Compraram casas, com dinheiro de contado,
mas lá tiveram de fazer todo o serviço!...
E ao se mudarem, cada uma para um lado,
Ficou Leontine morando só no apartamento!
Para ajudarem de seus filhos no cuidado,
Grete levou suas pombinhas à mansão,
Que retribuíram seu terno sentimento
Durante todos esses anos que lá vão!...