segunda-feira, 26 de novembro de 2012

GNOMO DA GRANJA





(Folclore português, publicado em prosa numa edição antiga de O Thesouro da Juventude, sob o título de “Olavo, o da Granja”,
versão poética de William Lagos, 3 NOV 12)

O GNOMO DA GRANJA I

Antigamente, havia em Portugal
uma bela granja muito bem cuidada,
um pomar com laranjas e macieiras,
branqueada a casa com duas mãos de cal,
campos de trigo e plantas forrageiras
e uma pequena horta bem tratada...

O pai saía todas as manhãs,
enxada ao ombro, para a plantação
ou com sua foice, no tempo da colheita;
voltava à noite, suas feições louçãs,
já a casa limpa e a refeição bem feita,
a descansar depois, em seu colchão...

Ele e a mulher na casa dos quarenta,
as três filhas mais velhas já casadas,
mais um menino batizado como Olavo.
O trabalho do pai é que os sustenta;
aos sete anos, o garoto já era um bravo,
correndo pelos campos e as estradas...

Quando as meninas na casa ainda viviam,
auxiliavam a mãe, de boa vontade;
porém casadas, cada uma no seu lar,
os afazeres todos recaíam
na pobre mãe, sempre a se afadigar,
a horta cuidando, sem animosidade...

O GNOMO DA GRANJA II

Viviam bem, mas às vezes se queixava
a mãe; e o menino, então, ouvia:
“Ai, que saudade do bom Rafael!...”
Vindo do campo, o marido a ajudava
cortava lenha e ia buscar o mel...
Mas já cansado, pouco mais fazia...

O próprio Olavo trazia água do poço
e ainda colhia as frutas do pomar,
lavava os pratos, com a mãe a costurar
e pouco mais, que era ainda muito moço...
Quando as irmãs os vinham visitar
de novo ouvia “Rafael” a mencionar...

“Quem é Rafael?” ele indagou um dia.
“Antigamente eu tinha algum irmão?...”
Elas se olhavam e a resposta vai
envolta num mistério que a escondia:
“Só tu foste menino, coração...
Acho melhor indagares ao teu pai...”

Era costume, antes de dormir,
que lhe contassem no leito alguma história
a mãe ou o pai ou mesmo alguma irmã,
até casarem e terem de partir;
mas sua pergunta prosseguia vã
e “Rafael” não lhe saía da memória...

O GNOMO DA GRANJA III

Algumas vezes, era o pai que lhe contava
a história dessa noite, no seu leito,
enquanto a mãe seu trabalho terminava,
que a casa limpa sempre conservava,
mas sem as filhas, exausta ela ficava
e resmungava: “Rafael...” lá do seu jeito...

Uma noite, após pensarem que dormia,
ele escutou seus genitores conversando:
“Foi culpa tua, por lhe dares um presente!”
“Mas foste tu que costuraste a fantasia...”
“Foi erro meu, também, mas como a gente
iria saber que o acabaria afastando...?”


“Foi só depois de saber que fora embora
é que minha tia me explicou a razão...
Esses gnomos são todos orgulhosos,
gostam de trabalhar e, desde outrora,
em nossas granjas, tais seres bondosos
se esfalfam sempre, em qualquer ocasião...”

“A casa dela continuava como um brinco,
porque ela nunca lhe fizera pagamento;
eles se ofendem muito facilmente:
antes no vale não existia casa
de nossas granjas sem proteção da gente
que sob a terra tem morada e acolhimento...”

O GNOMO DA GRANJA IV

No outro dia, ele acordou bem cedo
e foi à mãe perguntar diretamente:
“Mamãe, quem é esse Rafael...?
Quando ganho um presente, eu tenho medo,
na boca sinto um gostinho até de fel:
terei de ir embora daqui, eu, igualmente?”

“Não, meu filhinho!...” disse a mãe, apavorada.
“O Rafael nunca foi filho da gente!...
Era um gnomo que muito me ajudava,
mantendo a casa sempre limpa e arrumada...
Nessa época, eu apenas cozinhava
e cuidava de vocês, alegremente...”

“Ele lavava os pratos e as panelas,
varria os pisos e depois os esfregava,
até a horta ele fazia florescer...
Limpava os tetos, dava brilho nas janelas,
escovava a chaminé, sem se esquecer
de trocar telhas; até a casa ele pintava!...”

“E em troca, de nós só desejava
que lhe deixássemos um jarro de leite
mais um pratinho de ervilhas com mel...
Só vinha de noite e nunca nos falava,
sua roupa simples e sem ouropel,
só uma fivela no cinto como enfeite...”

O GNOMO DA GRANJA V

“Ele mantinha toda a casa rebrilhando
e eu mal tinha de mexer um dedo...
Ele cuidava da granja há gerações;
tua trisavó ele já estava ajudando
e nos queria como amigos, não patrões...
Mas ninguém me contara o seu segredo...”

“A minha sogra morreu, sem me dizer,
e esse segredo só se passava para filha,
meu marido tampouco ouvira falar...
A gente só não tinha de esquecer
do leite e alguma comidinha lhe deixar...
Sabe, a tia de teu pai seguiu outra trilha...”

“Ele nunca chegou a ter irmãs
e a minha sogra faleceu sem me contar
que ele nunca pagamento aceitaria...
Os gnomos adoram seus afãs
e até um agradecimento o ofenderia...
Só o alimento se poderia deixar...”

“Mas ele era tão trabalhador!...
Até a lenha trazia bem cortada,
enchia as panelas com água do poço
e executou o seu máximo labor
quando as meninas casaram, sem esforço:
no outro dia, tudo estava já arrumado!...”

O GNOMO DA GRANJA VI

“Não sei bem quem teve a ideia do presente,
se foi teu pai ou eu a falar primeiro,
mas fui eu que pensei em roupa nova...
Ele nunca usava roupa diferente
e o trabalho desgasta e não renova:
pensei então dar-lhe um trajo domingueiro...”

“Compramos pano e então lhe costurei
um jaleco bem verde de algodão
e um par de calças, estas castanhas,
como ele usava... E uma noite lhe deixei,
junto com o leite, em paga das façanhas...
Por que essa roupa me traria maldição...?”

“Pois nessa mesma noite, foi embora
e nunca mais para o labor ele voltou:
fazem seis anos já que ele se foi...
Hoje me esfalfo de trabalho, quando outrora
ele fazia tudo... Meu corpo todo dói;
tão limpa a casa nunca mais ficou...”

“Não existe um jeito de fazer ele voltar?...”
“Não, meu querido, depois que vão embora,
os gnomos para cá não voltam mais...
Com meu trabalho eu vou me conformar;
caso eu soubesse, o tal trajo jamais
eu teria costurado nessa hora...”

O GNOMO DA GRANJA VII

Naquela noite, quando o pai chegou,
após seu banho e ter feito a refeição,
por ele Olavo foi ao leito conduzido
e lhe indagou: “Rafael não vai voltar...?”
Ficou seu pai um pouco surpreendido:
“Quem te contou essa história, rapagão?...”

“A mãe me disse que ele se ofendeu...
Pensei até que fosse o anjo Rafael...”
O pai soltou uma sonora gargalhada:
“Não, meu querido, o nome não nos deu,
fomos nós que o chamamos, por piada,
era um amigo para nós vindo do céu...”

“Mas eles moram mesmo sob a terra...
Segundo contam, exploravam uma mina,
mas seu filão de ouro terminou;
a ociosidade parece que os emperra,
quem não trabalha, em pedra se tornou
e trabalhar para os humanos foi sua sina...”

“De dia dormem e é quando cresce a barba;
saem de noite, os rebanhos a cuidar...
E no inverno, acendem sua fogueira,
se não encontram do labor a carga;
então inventam alguma brincadeira
ou a noite inteira passam a dançar...”

O GNOMO DA GRANJA VIII

“Se alguém se perde, à noite, no caminho,
eles ajudam, porém sem se mostrar,
porque os padres fazem até um exorcismo,
afirmam ser cada um deles diabinho,
porque nunca receberam o batismo,
mas nunca têm más ações para indicar...”

E disse Olavo: “Eu queria que voltasse,
a mamãe está ficando tão cansada...
Por que lhe deram a tal de vestimenta?”
“Ele não quis que a gente lhe pagasse,
só com comida um gnomo se contenta...
Ele pensou estar sendo dispensado...”

“Mas tem certeza de que não vai voltar...?”
“Meu filho, eu o escutei naquela noite:
‘Roupa nova!  Querem então que eu vá embora?’
E nem a casa ele chegou a limpar,
foi resmungando, no maior afoite:
‘Depois de tudo o que eu fiz pela senhora!...’”

“’Só volto aqui se forem me buscar,
mas vou me esconder bem, por desaforo...
Ora, pois, que enorme atrevimento,
o preço a avaliar de meu trabalho!
Como se eu fosse aceitar um pagamento!’
E foi-se embora, num tremendo choro...”

O GNOMO DA GRANJA IX

“E vocês nunca o foram procurar?”
Então a mãe os veio interromper:
“Não lhe encha a cabeça com visagem!
O gnomo se foi e nunca vai voltar!...
Pronto!   Agora durma sem bobagem,
passam duas horas já do escurecer...”

Porém Olavo não conseguiu adormecer
e escutou a voz da mãe, no quarto ao lado:
“Você quase lhe contou a história inteira!
Quer fazer nosso menino se perder?
Se ele souber qual foi a frase derradeira
vai acabar ficando alvoroçado!...”

E por mais que Olavo perguntasse
sua mãe não lhe quis contar mais nada...
Mas de noite, na hora de dormir,
ele pedia ao pai que lhe contasse,
mais uma vez a história, a insistir,
até que toda, outra vez, era contada...

Porém um dia, em que o pai já se cansara
mais que o costume, no seu trabalhar
e estava louco também para dormir,
até ao final a história continuara,
pois num bocejo foi se distrair
e a narrativa acabou por terminar...

O GNOMO DA GRANJA X

“Pois Rafael saiu daqui chorando,
a dizer que só o poderia encontrar
esse menino ainda pequeninho
que nem sequer o vira trabalhando;
caso o buscasse, seria por carinho,
e só depois de um longo procurar...”

Olavo soube então, desde esse dia,
que apenas ele encontraria Rafael
e achou melhor nada mais indagar,
porque era certo que a mãe o proibiria;
e não queria jamais desrespeitar
uma ordem de sua mãe, Dona Isabel...

Mas como era um menino bem esperto,
foi perguntar à macieira o paradeiro...
Ela largou três maçãs em rumo ao norte.
Foi perguntar ao galo, bem desperto,
cada manhã chamando a boa sorte,
que o pescoço virou ao norte, bem ligeiro!

Foi indagar também das ovelhinhas...
Todas baliram olhando para o norte.
Teve certeza de que o gnomo lá estava...
E coincidiu que o pastor plantara vinhas
e não mais as suas ovelhas pastoreava...
Achou Olavo ser sinal de boa sorte...

O GNOMO DA GRANJA XI

Quando escutou a conversa de seus pais,
ficou sabendo que o pasto já escasseava,
porém cuidar de seu campo era importante,
não o poderia descurar jamais...
Podia até levar as ovelhas mais adiante,
porém sozinhas, algum lobo as devorava!...

Então Olavo se ofereceu para cuidar:
“Já tenho sete anos e conheço
cada pedaço deste nosso vale!...”
Primeiro a mãe não o queria deixar:
“Não insista!  Já lhe disse que se cale!”
“Sei muito bem dos perigos, não me esqueço...”

Então o pai decidiu experimentar.
“Estamos no verão, não há perigo,
só não se meta a subir pelas montanhas!”
E o menino foi as ovelhas pastorear,
sem sair para paragens mais estranhas,
em que poderia encontrar um inimigo.

Depois que os pais se haviam acostumado,
ele foi indo para mais distante,
até chegar às faldas das montanhas,
porém um dia, tendo música escutado,
com palavras que soavam meio estranhas,
atreveu-se a seguir um pouco adiante.

O GNOMO DA GRANJA XII

E deixando suas ovelhas a pastar,
foi o menino subindo a penedia;
a música mais acima ainda escutava
e continuou as rochas a galgar
e onde um freixo no ar se projetava
parou a descansar, por não sabia

como subir pela parede lisa
que por duas jardas acima se encontrava...
E, de repente, a canção se interrompeu:
um passo leve sobre a laje pisa
e um cajado para ele se estendeu,
que mão grossa e calosa segurava...

Olavo agarrou-se, com firmeza,
e foi puxado para cima, facilmente,
outra mão segurando-o pelo braço...
Diante dele, estava um rosto de aspereza,
com longas barbas juntas num baraço,
mistura verde com cinza permanente...

Ele usava um capuz todo vermelho
e um jaleco de cor verde-esperança,
calças castanhas nas botas enfiadas
e uma fivela brilhando como espelho
em seu cinto, só o enfeite que lhe notas;
rugas profundas que a memória alcança...

O GNOMO DA GRANJA XIII
“Há sete anos que espero!  Finalmente!...”
Disse o gnomo e soltou longo suspiro,
o alívio suas rugas a atenuar...
“Você é Rafael?”  hesitantemente,
o menino indagou, o outro a fitar.
“Rafael?   De muitos nomes tive o giro...”

“Mas pode, sim, me chamar de Rafael,
era assim que seus pais me referiam...
Os dois ingratos que quiseram avaliar
o meu serviço, qual ordenança de quartel!...
Fiz por dever e por amor ao trabalhar,
mas com este trajo os dois me despediram...”

“Você ficou ofendido?” Olavo perguntou.
“Não foi ofensa, mas é a nossa lei:
quando um humano nos dá indumentária,
é sinal que de nós já se cansou...
Vamos empós atividade vária...
Foi só por isso que de fato me afastei...”

“Mas os meus pais essa lei não conheciam,”
explicou o menino, muito sério.
“Achei que não e assim deixei o meu recado,
tenho certeza de que eles me ouviam:
só por você eu poderia ser achado,
é a nossa lei, não há nenhum mistério...”

O GNOMO DA GRANJA XIV

“Bem que busquei uma nova ocupação,
as granjas todas estavam já tomadas
ou um de meus irmãos delas fora dispensado...
Às escondidas, eu ajudei na plantação,
tomei as ovelhas sob meu cuidado,
mas muitas horas ficavam esperdiçadas...”

“Então pintei as paredes da caverna
e alisei essa pedra que ali está...
Já a laje eu tive medo de alisar,
podia cair pela parede externa...”
E o gnomo uma pedra foi buscar,
a girá-la para cá e para lá...

“Gastei nesta vinte e cinco mil escovas,
Mas parece uma bola de cristal...
Não é linda a maneira que dei brilho?
Pois então, meu trabalho tu não louvas?
Pensou Olavo ouvir então um estribilho,
mil vezes repetido no estendal...

Só bem de longe ouvia a voz do anão:
“Bem, o que importa é que estás aqui agora...
Se me buscaste, é por que queres que eu volte,
porém terás de cumprir a punição:
paga o filho pelos pais, antes que o solte,
durante um ano e um mês, mais uma hora...”

O GNOMO DA GRANJA XV

Caiu Olavo em um sono profundo
e imaginou que Rafael o carregava,
caverna a dentro, pela escuridão...
Até pensou ter murmurado, num segundo,
“Mas, e meus pais?... E a preocupação
minha mãezinha quem sabe até matava...”

Mas o gnomo só lhe disse: “Agora é tarde!”
E se entranhou até os ossos da terra,
com o menino balançando nos seus braços,
até um salão em que se ouvia grande alarde,
estalagmites sustentando os seus espaços,
que se expandia pelas raízes dessa serra...

Havia um trono e nele viu sentado
outro gnomo, de barba bem comprida,
cuja ponta se arrastava pelo chão...
Mas era branca e de aspecto cuidado.
Rafael ergueu o menino pela mão,
com a reverência que lhe era devida...

“Então, o seu menino o procurou?”
falou aquele que parecia ser um rei.
Nesse momento, Olavo percebeu,
quando um coro a seu redor ele escutou,
a imensa multidão que o recebeu...
“Você terá de cumprir a nossa lei!...”

O GNOMO DA GRANJA XVI

“Se por um ano, um mês e mais uma hora
as suas tarefas executar, sem discutir,
eu lhe darei a minha autorização!...
Vamos ver se me obedece, sem demora:
Lustre minhas botas!”  E sem hesitação,
lustrou-as Olavo até vê-las reluzir...

Mas nesse instante, chegou-lhe um outro anão,
de botas velhas, gastas e enlameadas...
Olavo as limpou e lustrou sem discutir...
Pois ali, bem do lado de sua mão,
havia escovas, trapos, graxa de polir,
para atender a numerosa multidão...

E embora só tivesse sete anos,
ele deixou todas as botas a luzir,
só que ficou depois muito cansado;
tremiam os braços, gastara muitos panos,
perdera a conta do que havia engraxado
e agora só queria era dormir...

Mas disse o rei:  “Vamos dançar agora!”
E os duendes formaram longa roda,
saracoteando e pulando sem parar...
O pobre Olavo perdeu a noção da hora,
parecia já estar por dias a bailar,
trocando o ritmo, a melodia e a moda...


O GNOMO DA GRANJA XVII

Muito tempo depois, cessou a dança
e o rei gritou: “Que venha o escaravelho!”
A roda inteira a mesma frase repetiu...
Mas essa gente parece que não cansa!
pensou Olavo, que logo a seguir viu
dois gnomos iguais como um espelho...

Capuzes longos, em tons de vermelho,
jalecos verdes da cor do capim,
calças marrons nas calças enfiadas,
fivelas reluzentes como espelho,
as longas barbas muito bem tratadas,
os dois trazendo uma gaiola assim...

Dela tiraram um imenso inseto,
todo negro de quitina reluzente,
trazendo na cabeça dois chifrinhos,
que trouxeram até ele, com afeto,
“Vamos, rapaz, dá-lhe dois beijinhos!
Ele só morde se um covarde vê na frente!...”

Então Olavo encheu-se de coragem
e se abaixou para beijar o animalzinho,
cujas patinhas até o acariciaram...
“Muito bem!  Vamos ver a sua mensagem!”
E a polpa de seus dedos perfuraram,
sangue tirando com a ponta de um espinho...


O GNOMO DA GRANJA XVIII

Mas Olavo não sentiu a menor dor
e assistiu enquanto os duendes desenharam
uma espécie de mapa sobre o inseto...
Quando o soltaram, mostrou-se voador,
subindo rápido da caverna ao teto
e os gnomos a seguir o orientaram...

Então Rafael segurou-o pela mão:
“Vamos agora dar adeus ao rei!...”
E os dois se curvaram, com respeito.
O rei falou: “Vós sabeis vossa missão,
cumpri vossa tarefa bem direito,
conforme as regras de nossa antiga lei!...”

Rafael então pôs-se a correr
e Olavo foi forçado a acompanhar,
completamente tomado de cansaço,
até de novo a luz do dia ver,
seus pés a devorar o longo espaço,
até chegarem a um barco à beira-mar...

E quando os dois subiram pela prancha,
sua âncora foi logo levantada,
com um bando de formigas a remar...
E então veio o escaravelho com a mancha
de seu sangue nas costas a indicar
qual fora a rota assim determinada...

O GNOMO DA GRANJA XIX

Um ano se passou igual que um sonho,
em que enfrentaram sereias e piratas
e realizaram portentosas aventuras...
Passado um ano, ficou tudo mais medonho,
pois lhes surgiu uma calmaria das mais duras,
as velas pandas e as remadoras insensatas...

Porque acabara já sua água e sua comida,
olhando Olavo com um jeito de famintas,
que recordou como aos inimigos devoravam.
O escaravelho sugeriu tirar a vida
de Rafael e as remadoras deliravam,
mas Olavo gritou-lhe: “Não consintas!...”

“Se morreres, meu esforço será em vão!...
Preciso que retornes a meu lar,
Prefiro que devorem então a mim!...”
Com um cutelo, aproximou-se o capitão;
curvou Olavo a cabecinha assim
para escutar então um gargalhar!...

E num gnomo o escaravelho transformou-se,
do mesmo modo que as formigas remadoras:
“Rapazinho, bem mostraste ter coragem!...”
No mesmo instante veio o vento e enfunou-se
todo o velame.  Seguiu o barco sua passagem,
com fortes brisas como insufladoras...

O GNOMO DA GRANJA XX

Mas logo após, soprou forte tempestade
e o barco se enfiou num turbilhão!...
Arrastado para o centro da voragem,
sentiu Olavo que morreria de verdade...
Mas que pena! – pensou – para a viagem
só faltava mais um dia da missão!...

Fechando os olhos, pensou que se afogava,
mas de repente, abriu-os um momento
e se encontrava na caverna dos anões!...
“Muito bem!”  Era o rei que o elogiava...
“Em recompensa pelas suas ações,
vou-lhe dar a minha filha em casamento!...”

E veio a noiva, de branco revestida,
mas era feia como a necessidade!
Tinha verrugas pela cara e até mancava!
Mas Olavo enfrentou essa investida
com a coragem que nunca lhe faltava,
beijando a barba da esposa, sem maldade...

E novamente, encontrou-se na caverna,
em frente ao precipício que galgara!...
A barba era de Rafael que, sorridente,
lhe prometia uma amizade eterna,
pois enfrentara suas provas firmemente
e seus serviços lealmente conquistara...

O GNOMO DA GRANJA XXI

“Mas se passaram um ano, mês e hora!
O meu rebanho, será que foi roubado?
Meu pai e minha mãe por mim estão chorando!”
Mas percebeu que o gnomo, sem demora,
lhe sorria “Foi outro tempo para nós passando...
Para seus pais foi muito menos demorado...”

“Vamos agora reunir o teu rebanho...
Cumpriste bem a tua missão, meu amiguinho
e realmente mereceste que eu voltasse...
Mas vão pensar que foi um sonho bem estranho,
Assim, não contes nada, antes que achasse
tua mãe seu lar lavado e bem limpinho...”

Com tua família eu sempre ficarei,
em troca apenas de leite e refeição,
que nunca alguém repita a mesma asneira!
Pois só de noite eu aparecerei,
conta a teus filhos a tua história inteira:
trabalharei com a maior satisfação!...

Chegado em casa, Olavo confirmava
que sua falta não haviam os pais notado,
só lhe indagaram como passara o dia...
Mas de manhã, a casa inteira rebrilhava
e só então contou a história de magia
que por um ano, um mês e hora havia passado...

EPÍLOGO

Passados anos, Olavo se casou,
uma porção de filhos sua alegria,
seus pais agora mais a descansar...
Pois Rafael sempre se apresentou
a cada noite, para trabalhar:
casa mais limpa e bela não se via...

E toda a noite, da cozinha no degrau,
ficava um jarro de leite e refeição,
ao bom duende como recompensa;
e ninguém mais cometeu o erro mau,
de sem querer ensejar a sua dispensa,
por um presente de maior ostentação!



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