sexta-feira, 15 de janeiro de 2016






QUE FOI QUE NOS TOCOU?
(CANÇÃO SOBRE MELODIA DE TÁRREGA)
William Lagos, 19 dez 15  (Para Tristan Riet, a pedido)

Que foi que me tocou?
Apenas dedos leves,
Perdidos pelas neves
De tão pálidas mãos,
Vazios os corações.
O silencioso toque
A frase de remoque,
Amor que me abraçou.

Que foi que me tocou?
Apenas um sussurro,
Faísca em céu escuro,
Murmúrio de rubi
Dos lábios que entrevi,
A lágrima que torna
Em palidez já morna,
O cílio que restou.

Que foi que te tocou?
Agitação sutil,
A lâmina virial,
Antiga aceitação,
A farpa da emoção
A peia do calor,
Palpitação, ardor,
A luz que te acordou.

Que foi que te tocou?
A ânsia da emoção,
A pele sob a mão,
Soar de uma guitarra,
Zunido de cigarra,
A liquidez da taça,
A fluidez da graça,
O mel que se escoou.

Que foi que nos tocou?
O tom da sinfonia,
O som da nostalgia,
A faca do antanho,
A terra em amanho,
A plácida nudez,
A mescla da altivez
Que tudo transformou.

NÃO SOU EU 1 – William Lagos, 20 dez 15
Tríade sobre versos livres de Adélia Einsfeldt

Não sou eu o instante que ora apaga
Do tempo a vertigem inexorável,
Não sou eu a enchente formidável
Que cada hora do presente alaga.

Não sou eu quem a lembrança esmaga
Da madrugada no abraço já intocável
Da Lua em desamparo irreparável
De sua prisão na permanente plaga.

Não sou eu que desprezo essas imagens
Que só a Lua nos revela, sonolenta,
Ocultas para sempre à luz do Sol.

Não sou eu que abandono essas paragens
Que a luz de prata com seu fogo alenta
E se derretem na chegada do arrebol...

NÃO SOU EU 2

Não sou eu que encubro a própria face
Sob a penumbra do inelutável véu;
Que mastiguei meu pranto contra o céu
De minha boca a fim que se apagasse.

Não sou eu que a mim mesma me desgrace
Nessas lágrimas vertidas sob o arpéu
Do silêncio, que angustia qual chapéu
Que o rosto me recubra e me perpasse.

Não sou eu quem o plenilúnio toma
Entre seus dedos, qual lenço de cambraia,
Para secar essas lágrimas vertidas,

Nesse silêncio que o coração me doma
E me conduz as emoções à baia
Em que de dia se tornam reprimidas.

NÃO SOU EU 3

A tudo isso eu digo: não sou eu
E então medito... e reconheço, assim,
Que sou eu mesma, que sou tudo, sim,
Que no buscar das respostas se perdeu.

Na noite fria, meu passo se esqueceu
Do esconderijo da xirca e do alecrim...
Na noite fria, o tempo chama a mim
Para o retorno ao que ficou e adormeceu.

E quando a insônia vem ao tempo atormentar
Em seu leito de horas sem descanso,
Toda a pergunta do passado estua...

Nos ruídos fracos que não param de estalar
E ao pobre tempo atiçam do remanso,
Quando a insônia do tempo acorda a Lua...

Para comparação (feito conforme pedido da autora):

NÃO SOU EU

Não sou eu
o instante que apaga
a vertigem do tempo

não sou eu
quem abandona
na madrugada
a lua desamparada
e sonolenta revela
imagens ocultas

não sou eu
quem encobre a face
na penumbra
lágrimas vertidas
no silêncio que angustia

não sou?
sou eu, sim

quem busca encontrar
resposta
na noite fria
quando a insônia do tempo
acorda a lua.

Adélia Einsfeldt

DESEJOS 1 – William Lagos, 21 dez 15
(Sobre texto em prosa de Roberta Pereira Souza)

Tenho desejos dentro ao coração,
De tudo um pouco. De sensibilidade,
Perante a vida em gentil curiosidade,
Sem indiferença às belezas que ali estão!

As quais contemplo em tais versos que são
Enviados para mim com amizade.
Quero coragem para a realidade,
A timidez posta de lado com paixão.

Poder então realizar algo grandioso
E assim desejo alcançar sabedoria:
Neutra não fique perante o sofrimento,

Que dê lugar ao coração, quando amoroso
E que revele em cantos de alegria
Esses desejos que em minhalma atento.

DESEJOS 2

Também desejo possuir mais altivez,
Por que não possa os olhos desviar
De quem só um carinho vem buscar,
Sem me ocultar no orgulho ou pequenez.

Tranquilidade ainda desejo e sensatez:
Que ao fim do dia possa-me deitar,
Sentir dos anjos meu sono acalentar,
A murmurar-me os versos que me fez.

Desejo ainda possuir mais alegria,
A repartir com cada apaixonada;
Que saiba sempre sorrir com humildade,

Reconhecer a verdade na poesia,
No encanto meigo da jovem encantada,
Que nunca afirma gostar com falsidade.

DESEJOS 3

Desejo sempre gostar de minha vida:
Segredo arcano da felicidade,
Um coração que bate de verdade,
Contra meu peito, em ânsia comovida.

Que doar o saiba e nele dar guarida
A quem precisa receber minha amizade,
Nessa esperança que não tem maldade,
Não mais que em leve afeto concedida.

Porque aquela que descobre, sem desdouro,
Que realmente é amiga e tem amigo,
Descobre em si um bem inestimável.

Pois que saiba repartir esse tesouro,
Por todo o tempo que o conservar comigo,
No mágico esplendor do imponderável!...

EXPLICAÇÃO MUNDANA I – 27 jul 07

Quando se sente fome, nada importa:
é fome noite e dia, fome morta,
que só deseja enterrar-se em alimento:
e nessa fome de ti, me descontento.

Quando se sente sede, nada vale:
é sede a cada instante, sem que abale,
por um momento, a ardência da garganta:
e é tal sede de ti que assim me espanta.

Quando nos falta o ar, sufocação
nos enche o peito, na ânsia da emoção:
do mesmo modo te queria respirar.

Sentir o cheiro de tua exalação,
tomar-te o bafo por inspiração,
até poder, em teus braços, me afogar.

EXPLICAÇÃO MUNDANA II – 22 DEZ 15

Não pretendo tão só quero o espiritual,
minha fome de ti é mais premente,
minha sede de ti bem mais potente,
encapsulada em ânsia material.

Como o estômago se contrai, ácido mal,
enquanto o suco gástrico, inclemente,
suas paredes devora de impaciente,
tal qual secura de uma rede terminal.

Como o pulmão a contrair-se em ânsia
é essa falta de ti, de tua presença,
cada alvéolo a acusar reclamação;

fica o próprio coração na redundância
da fome e sede, esvaído de sua crença,
envolto apenas em tal dissolução. 

Com frequência os poetas se recusam
a seu desejo físico afirmar;
ou ao contrário, insistem em falar
sobre sexo e nesse tom se acusam.

EXPLICAÇÃO MUNDANA III

Hoje em dia é até assaz comum
grafismo explícito pretendendo ser poesia;
palavras chulas que na rua nem se ouvia,
sem mais respeito pelo gosto de nenhum;

“cada qual dá o que tem” – e assim algum
explicita em suas palavras grosseria,
sem o menor pretexto de harmonia,
bafos roubados a qualquer frasco de rum.

O que lhes falta é ter sensibilidade
para o sexo com ternura descrever,
o corpo humano qual maior alvo de amor,

expondo assim sua incapacidade,
como poetas de vanguarda pretender
o que qualquer dos primitivos diz melhor!

EXPLICAÇÃO MUNDANA IV

Já eu não sou assim.  Busco mostrar
em cada aspecto da fisicalidade
o quanto mostra de sacralidade,
pois somos templos, no espiritual falar.

E desta forma, não restrinjo o meu cantar
ao gentil córrego da musicalidade,
mas em rimas de versos, na verdade,
termos médicos introduzir e apresentar.

Que não existe amor sem objeto,
seja da mãe ou do colecionador,
ninguém de fato busca o imaterial;

e mesmo Deus tantos fazem ser concreto,
perante estátuas se ajoelham com fervor,
vendo o divino em seu formato corporal...

REGRAS DA VIDA XXXIII (33) – 27 jul 07

Mantenha a fé.  Sempre que uma promessa
por seus lábios passar, nunca se esqueça.
Nunca se esquive ao cumprimento dessa
palavra dada seja a quem for que a peça.

Existem ainda os antigos sentimentos:
a honra e a lealdade, os firmes pensamentos,
coragem e apoio, em todos os eventos,
fidelidade e constância nos momentos

em que somos necessários; a confiabilidade,
a força que conduz à honestidade
e assim à estranha dependabilidade...

Mas cumpra você mesma.  Não procure
os outros converter, só não descure
de sempre demonstrar sinceridade...

LAMENTANDO OS LIMITES... I – 27 jul 07

Eu sempre fiz assim.  Não importa o quanto
tenhas falhado em cumprir as tuas promessas,
as minhas eu mantive, inda que o pranto
as faces me sulcasse, pois não cessas

de demonstrar, em tua oscilação,
como és levada, no soprar dos ventos...
Nunca te pude dominar o coração
e nem sequer sopesar-te os pensamentos...

Mas pouco importa, pequeno mal-me-quer:
sempre serei constante e bem leal,
quaisquer que sejam as tuas reações...

É assim o teu feitio, sendo mulher:
sou fiel pelos dois, ainda que mal
consiga alimentar-me de ilusões...

LAMENTANDO OS LIMITES... II – 23 DEZ 15

Mas nem por isso pretendo ser o forte
e o sustentáculo de nossa relação;
por longos anos marchamos mão em mão,
qualquer que seja da vicissitude o porte;

e inda que tenhas muita vez talhado em corte
minhas ingênuas esperanças em botão,
com frequência reconheço outra ocasião
em  que o meu desapontar levaste à morte.

Não fui a vítima a cada marco do caminho,
por mais que agora, com equanimidade ,
vez por outra ainda encontre dissensão,

tal qual gravei em velho pergaminho,
escrita com meu sangue em equidade
porém tingida por igual de tua emoção. 

LAMENTANDO OS LIMITES III

O que sempre lamentei foram fronteiras
que me impediram de chegar mais perto,
mesmo chegando de coração aberto,
pois me chagaram palavras zombeteiras.

O que sempre lamentei foram tais beiras
que me impediram de deixar o meu deserto,
no enfrentamento de atroz destino incerto
no dardejar de tuas palavras derradeiras.

Pois me dizias não ser tua natureza
meiga e gentil, muito menos carinhosa:
se não gostasse, então me fosse embora;

contudo, em teus momentos de fraqueza,
me fizeste jurar, a face lacrimosa,
que não partisse, por mais dura fosse a hora.

LAMENTANDO OS LIMITES... IV

E quando vi que a animais ou à parentela
reservavas o carinho que negavas.
embora fosse em mim que te apoiavas,
sem receberes dos teus preces nem vela,

meu coração rasgou-se na procela
dessas negaças com que me cortavas,
das palavras de esmeril que me lançavas,
desse desdém violento que congela.

Hoje percebo que já te transformaste,
talvez querendo tornar-te o bem-me-quer,
depois de tanta pétala arrancada;

mas ainda o talo seguro que deixaste
e continuo a te amar, sendo mulher,
que permanece, afinal, sendo adorada...

NATAL GAÚCHO I – 24 DEZ 15

Papai Noel chegou numa charrete,
que puxavam seis vacas leiteiras...
Velhas juravam serem verdadeiras
(E discutir com vovós ninguém se mete!)

Dizia a história que, tal como confete,
elas voavam pelo céu, muito lampeiras
e mil presentes derramavam, bem certeiras,
nos ranchinhos do peões, do vento ao flete.,,

Papai Noel era gordo e não cabia
em sua charrete aquele vasto saco,
que dizem em suas costas carregar;

mas junto aos ubres das vacas se movia
e após tirar sua lista do casaco,
ia os presentes, em vez de leite, a ordenhar!

NATAL GAÚCHO II

Um guasca estranhou que não puxassem
a sua charrete parelhas de cavalos...
Papai Noel explicou que ao atrelá-los
outros gaúchos talvez mesmo se zangassem.

“Bá, tchê, bons cavalos que se achassem
seriam os Crioulos, mas atá-los
à minha charrete poderia machucá-los,
acostumbrados que estão que só os montassem.

“Em puxar charrete não achariam graça,
já que somente ser montada permitiam,
mas seu orgulho ofenderiam outras sortes!

“Caso pegasse pingos de outra raça
podiam puxar bem, mas não serviam:
para o Natal precisavam ser bem fortes!”

NATAL GAÚCHO III

“Enquanto as minhas parelhas de vaquinhas,
são tão dóceis e mansas como renas,
mas no Rio Grande eu empregaria apenas
o quanto agrade ao sorriso das prendinhas!

“São as ovelhas muito pequeninhas
para os céus deste pampa são ajenas
e burros empacariam nesta cenas;
assim reuni minhas vacas, coitadinhas!

“Porque estou velho e já não posso carregar
o pesadíssimo saco de brinquedos:
dentro do ubre das vacas coloquei!...

“E a cada vez em que cheguei a algum lugar,
procurei em minha lista quais segredos,
para com o leite das vaquinhas fabricar!...”

USUFRUTO I – 27 jul 07

No geral, o que se tem por romantismo
é o encanto dos amantes enlaçados...
Mas, na verdade, os ideais romantizados
são justamente aqueles em que abismo

separou, de forma quase intransponível,
os que apenas se olhavam, de mansinho:
sentimentos a crescer, devagarinho,
no fígado e na mente incompreensível...

São os que atraem românticos reais:
não a posse transitória e passageira,
mas o gozar da fina dor da ausência...

Pois que é ao saber que não terá jamais
o alvo do desejo, é que se abeira
da fruição desse ideal de permanência...

USUFRUTO II – 25 DEZ 15

São os hormônios que enlaçam os amantes,
mas aos românticos o que prende é a solidão:
caso obtenham uma real satisfação,
depressa afloram-lhes sentimentos inquietantes,

pois amor já não se mostra como dantes,
após seu usufruto.  Não é só por ambição
de outros pares ter, nem sequer comparação
entre os momentos atuais e equidistantes.

É muito mais a saudade do impossível,
essas lembranças do que nunca se viveu
o peito a desejar o intransponível,

o amor da ausência do que não viu jamais,
o sabor de qualquer mundo que morreu,
qual quem recorde da infância de seus pais.

USUFRUTO III

Mais que pinturas, hoje há a fotografia,
em branco e preto e cinza amarelado,
as coloridas em tom mais desbotado,
as digitais restaurando o que fugia...

Sempre é possível restaurar o quanto havia
sido gravado dos luzeiros do passado,
os reflexos do sol no rosto amado,
as sepulturas branquejantes da elegia...

Existe mesmo quem demonstre devoção
por tais retratos de rostos desmanchados
mais do que às imagens que têm no coração,

para, afinal, só conservar recordação
desses momentos fugazes registrados ,
enquanto a mente já olvidou a real feição...

USUFRUTO IV

Igual que o amor por amantes recordados,
não tais como eles foram, com defeitos,
às carnais condições antes sujeitos,
mas somente em instantâneos conservados.

Romeu e Julieta, veja bem, nos são lembrados
não por abraços ou carinhos mais perfeitos,
mas sim porque morreram,  frios peitos,
por veneno ou por adaga perfurados.

E assim Paolo e Francesca, trucidados
pelos ciúmes de seu marido e irmão:
felizes fossem, ninguém mais os lembraria,

pois encarnamos nos instantes apressados
desses amores mais de imaginação
que buscamos aos que a vida nos daria.

INCOMPETÊNCIA I – 27 jul 07

Se eu tivesse vassoura, iria, sem demora,
aborrecer as fadas que percebo ao vento...
O dia amanheceu...  Nesse portento
que se repete diariamente.  A mansa hora

é fulgurante da alvorada na penhora;
a cada dia, entretanto, atrasa o alento...
É fugidia, inconstante em alimento,
pequena imensidão, nada e senhora...

Vassoura não tomei empós amor perdido,
porque as fadas que se pode enfeitiçar
tornar-se-iam reais e bem concretas...

E o amor inútil que me tem ferido,
perdura em piaçava, ao dealbar,
nos suspiros de palha dos poetas...

INCOMPETÊNCIA II – 26 dez 15

Embora traga em minha mão direita
uma estrela que pretende a profecia,
demarcada no ventre, qual se via,
desde criança, cinco pontas e perfeita,

jamais o meu porvir a mente aleita:
nunca soube o que à frente encontraria,
pudesse embora fingir possuir magia
perante ingênua que a afirmação aceita.

Soube apenas transformar-me num poeta,
por mais que muito eu tenha relutado,
sem vidente me tornar e nem profeta...

Mas se pudesse retornar ao meu passado,
sabendo o que ora sei e que me afeta,
talvez tivesse tal futuro rejeitado...

INCOMPETÊNCIA III

Li certa vez, entre contos inserida,
a velha Lenda da Espera Dolorosa
que uma fada, a imaginar-se generosa,
a uma princesa houvera concedida...

Era menino então, mas a ferida
inseriu-se no meu peito, pegajosa,
na inquietação pululante e venenosa:
seria assim a espera de minha vida...?

Assim sempre eu esperei pelo futuro,
sem nele achar solidez das esperanças,
atravessando longo trajeto duro,

sempre dando de alívio algum suspiro,
na insensatez de encontrar horas mais mansas
a cada vez que a um novo ano me confiro.

INCOMPETÊNCIA IV

Ano após ano na conserva da esperança
do calendário não confio o dealbar,
cada manhã na permanência do encarar,
em meus olhos o desaponto da criança...

E até o ponto que a memória alcança
dessa esperança só pude desconfiar,
as circunstâncias em igual desafiar:
qual grades de ar ou pontiaguda lança.

Mas o esforço, diariamente, foi constante;
dancei fremente com a adversidade,
pensando a dobraria com potência;

portas fechadas no derradeiro instante,
mas a esbater-me com pertinacidade
contra essa espera da tenaz incompetência.

CANTO INDECISO XXIV – 27 jul 07

Não sei se Deus me busca ou busco Deus;
na verdade, Ele tem mais o que fazer
do que pensar em mim.  Pois são os meus
talentos que me levam a crescer...

Já nasceram comigo.   Se usei mal,
é apenas meu problema; e a consequência
sou eu que sofrerei, nesta cabal
demonstração de minha insuficiência...

Mas conhecer que sou o responsável
por meu destino, meio caminho andado
já se tornou...  Agora, é combater

qualquer dificuldade imponderável
que encontre pela frente. Aliás, o fado
que sempre desposei no meu viver.

INTERCLUBES I – 5 ago 07

É surpreendente como se entusiasmam
esses que vivem ao redor de mim,
por resultados de jogos...   Vejo, assim,
a transcendência morna em que se pasmam...

Pois que importância tem um campeonato,
que torna a ser de novo disputado...?
Para que conduzirá tal resultado,
senão o breve registro de tal fato

num almanaque... Apenas estatística,
um gozo aleatório...  Intimorato,
mas curto revestir de breve glória...

Nada que possa, afinal, por estocástica,
deixar de ser previsto...  Esse retrato
amarelado em névoa pela história...

INTERCLUBES II – 27 DEZ 15

Quem se recorda da grande maioria
dos jogadores no passado celebrados
ou dos atletas pelo esporte deflorados:
corpos queimados por desgaste de energia?

E quem recorda dos heróis de fantasia
que então tiveram seus momentos consagrados
nos palcos ou nas rádios ou gravados,
danças ou cantos que o antanho permitia?

Que da memória de uns poucos desvanecem,
não mais a venerar deuses de barro,
muito menos os defuntos campeonatos,

cujos antigos disputantes logo esquecem...
Resta somente desjejum magro e bizarro
dos novos jogos ainda não travados...

INTERCLUBES III

E quem recorda as celebrações sociais?
Miss Isso, Miss Aquilo, quem recorda?
Talvez Miss Envelhecida, quando acorda,
ao cheiro etérico de novos carnavais...

E quem recorda as missas triunfais,
as numerosas procissões que antanho aborda?
Participar de alguma alguém concorda,
mas foram mortos que então marcharam mais.

Quando é difícil de nós mesmos recordar
tantos eventos de um passado transitório...
Quem consegue discernir entre mil beijos?

Só uns poucos deles na mente a se gravar
nos cintilantes pensamentos desse inglório
perpassar de tais instantes benfazejos...

INTERCLUBES IV

Mais do que tudo, esse esporte coletivo
é momentâneo.  Se mal se pode usufruir
de nossas próprias vitórias a luzir,
quando o triunfo se demonstra logo esquivo!

Então por que essa catarse do cativo
público... que aplaude e geme sem sentir
mais que um instante de fervor, meio a fugir
de seu próprio dia-a-dia sem motivo?...

Morto esse jogo ao derradeiro apito,
fica a vitória ou a revanche em ansiedade
e novamente o dispêndio de energia,

ânsia tribal em triunfante grito,
canibalismo a espreitar dessa vaidade
que cada piercing e tatuagem denuncia...

GIESTA CORTADA I – 28 DEZ 15

Há tempos que não voo.  A gravidade
se assenhoreou de mim.  Eu só flutuo
por sobre as sombras. Em minhalma ruo (*)
sobre os praias sem mar da humanidade.
(*) Flexão do presente do verbo “Ruir”.

Algumas vezes, até penso que minha idade
estou sentindo, pois já não mais aguo (*)
os canteiros da mente por que fluo,
contemplo versos secos, sem maldade...
(*) Flexão do presente do verbo “Aguar”.

Lembro que antes estuavam de energia...
Ainda flutuo, é certo, não caminho,
não me arrasto pela terra que me puxa;

mas essa força que tão fácil eu vencia,
que assoberbava com dois cálices de vinho,
me esmaga contra o solo, em fria ducha.

GIESTA CORTADA II

Mas não é bem assim que me acontece:
é que não posso mais dar vencimento
a tanta coisa em meu envolvimento:
faz-me pesado tal qual antiga prece.

Essa rede de deveres me entontece
e mal consigo, no seu prestamento
retomar a dianteira; em tal atrasamento
se esvai minha energia e me enlanguesce.

Contudo luto, sem espera na esperança;
esse é o problema.  Só aguardo completar
o presente trabalho e outro aceitar,

sem vislumbrar farol em que bonança
me possa conceder a recompensa
por todo o esforço de minha vida extensa.

GIESTA CORTADA III

Antigamente, em meus sonhos, eu voava
por sobre cada precipício violento,
de cores vivos os campos em portento
e os pios de muitas aves escutava;

o próprio vento meu rosto acariciava;
de meus músculos a sensação de forte alento;
quando sentia interromper-se o movimento,
um choque desde o solo me alcançava.

Porém não voo mais.  Eu só flutuo,
após um breve impulso nas calçadas,
trinta metros talvez ou ainda mais;

então me apoio e novamente eu fluo,
sem que as pessoas me olhem espantadas,
em ultrapassagens totalmente naturais...

GIESTA CORTADA IV

Ai, quem me dera que flutuasse nesta vida!
Mas só flutuo no fluir de minhas canções,
na giesta antiga das velhas gerações,
tal qual El Cid ou o Gil Blás de vasta lida...

A flor de giesta é pequena e desvalida,
amarela e gentil em brotações;
meu avô sempre as plantou em profusões,
também romântico e sem riqueza recolhida.

E ainda julgo que nos versos eu flutuo,
sem mais voar pela poesia infinda;
a técnica ali está, pérfida e linda...

Mas me contemplo com certo esgar de amuo:
quantos versos para trás, quantos à frente?
Giesta cortada, mas de seiva ainda presente...