quinta-feira, 28 de abril de 2016



                                                                  ESTAGFLAÇÃO


                                                      (PIETÀ, JOHN WELLINGTON)

ESTAGFLAÇÃO E MAIS – 15-24/4/16
Novas séries de William Lagos

ESTAGFLAÇÃO I – 15 ABR 16
“Há sempre um vulto de mulher / sorrindo / em desprezo à nossa mágoa / que nos enche os olhos d’água / Pierrô, Pierrô...”
-- Carlos Galhardo e Joubert de Carvalho
Para minha professora de canto, que me tratava como filho, D. Dora Bueno Donazar, a qual me fez cantar essa melodia...

Esses versos de Joubert de Carvalho
não mencionavam a politicagem;
referiam-se tão apenas à miragem
de algum amor com resultado falho...

Contudo, estamos entre bigorna e malho,
submetidos à pior paisagem
da estagflação, triste visagem, (*)
que o telhado nos rouba com o assoalho!
(*) Estagnação da economia acompanhada de inflação.

Novamente nas fauces do dragão,
nossos custos aumentando diariamente,
estando a economia em estagnação!

No sofrimento desta recessão,
os salários a mastigar, indiferente
a quanto cause sobre o povo da nação!

ESTAGFLAÇÃO II

Sem dúvida, é este o pior cenário
que se apresente a qualquer população,
a diminuir diariamente a produção,
enquanto aumenta o gasto seu diário!

Nas garras de um governo perdulário,
de uma ganância sem comparação,
ainda maior que a política ambição,
mais um imposto achando necessário!

Não cabe a culpa apenas à figura
que sobre o trono sentava em majestade,
em seu desprezo da magistratura;

porém sem dúvida, sua administração impura
tem alto grau da responsabilidade
por esta situação que nos perdura!...

ESTAGFLAÇÃO  III

Quando se escolhe para a vida uma parceira,
não se a procura tão só por ser mulher:
há qualidades femininas que se quer,
que seja, ao menos, leal e companheira!

Não se pretende que a renda costumeira
seja enviada para um país qualquer,
por religião, política, ou sequer
para mostrar-se generosa e hospitaleira!

A gente quer que o resultado do salário
seja gasto com o lar e com os filhos
ou até com certo luxo, a embelezar...

Não que se envie a algum vizinho salafrário,
como pura ostentação de pompa e brilhos,
nação traída e o povo inteiro a se enganar!

ESTAGFLAÇÃO IV

Quando Joubert de Carvalho nos deixou
esses versos transformados em canção,
falava apenas da patética emoção
de um Pierrô que Colombina desprezou!

Nos antigos carnavais se apresentou,
com frequência, elegância e educação,
Palhaço e Arlequim na exaltação
da gentileza que hoje a festa descartou...

Não que condene sua pornografia,
sempre o sagrado existe em todo o sexo,
pois bem pior degradação hoje se via

em cada aspecto dessa tremenda orgia
de roubalheira e corrupção sem nexo,
muito mais grave que jamais se pensaria!

LUZ DEMÔNIA I – 16 ABR 16

Com a cabeça entre as mãos, mastigam sonhos,
começando pelas pernas, sem piedade,
os louva-a-deuses de nossa sociedade,
com as mentiras e os enganos mais medonhos!

Havia ladrões antigamente – mais bisonhos,
menos empreendedores, na verdade
ou talvez mesmo de menor capacidade
e não tão bem nutridos e risonhos...

Não tão convictos de sua impunidade
como estes que hoje exploram o país,
do povo pobre zombando sem piedade...

Lançando esmolas com a mão direita,
para com a esquerda se roubar o quanto quer,
nessa inflação que a todos nós sujeita!

LUZ DEMÔNIA ii

Muito contraste há permeio a luz e a treva,
visto nos filmes e na literatura,
a treva imunda, enquanto a luz é pura,
que para um paraíso a todos leve!...

Mas quem vermelha luz buscar se atreva,
descobrirá que desce até a fundura...
Pois não há chamas no inferno, a criatura
dessa maldade que só de almas se ceva...?

E no entretanto, quanta luz de estrela
tomou a gente por estrela-guia!...
Mas tem somente uma a cor vermelha...

Nem é de fato uma estrela a rubra vela,
mas o planeta que a guerra nos traria,
Marte, da morte a nos trazer centelha!...

LUZ DEMÔNIA III

Assim te digo, meu amigo, minha irmã,
que te deixaste levar por pentagrama,
esse símbolo que demônios te conclama,
na esperança de qualquer dádiva vã –

Prefere estrela de prata, bem mais chã,
que não te envolve de ilusões na rama,
nem te despreza, completada a trama,
procura Vênus, de peregrina lã!...

Essa estrela do amor no coração,
que ainda te ampara em delicada chama,
em luz divina de puro cintilar!...

Enquanto Marte foi a estrela da traição,
que sem piedade o teu fervor inflama,
para com calma depois te devorar!...

LÁGRIMAS DE FADA 1 – 17 ABR 16

Quando pequena que era linda me diziam
E a família me tratava por “Princesa”!
Davam vestidos e jóias, gentileza
Á bonequinha que eu sua infância viam...

Que o mundo seria meu me repetiam:
Tudo a meus pés teria, com certeza,
Só encontraria bondade e não vileza,
Por onde fosse, todos me amariam!...

Mas tive a vida bastante diferente:
Encontrei ódio e com inveja me trataram
E nenhum príncipe trilhou por minha esfera...

Desilusão, porém, achei frequente!
Que amor foi esse, quando me chamaram
De “Princesa”, sabendo que eu não era?

LÁGRIMAS DE FADA 2

Não fui só eu.  Sei que muitas mães e pais
Tratam os filhos em sua primeira infância
Tal qual se o mundo fosse isento de ganância:
Maldade alguma os afligiria jamais!...

Tais sentimentos são, contudo, imateriais
E só funcionam na inicial instância;
Chega o convívio com alheia manigância
E as ilusões são trituradas por demais!

Basta levar a “Princesa” à Escolinha
Que notará já não ser mais adorada,
Talvez amiga irá ser de um coleguinha,

Porém egoísta se mostrará a maioria,
Por ilusão semelhante dominada
Ou por pegar o brinquedo que queria!...

LÁGRIMAS DE FADA 3

Toda criança se percebe como o centro
Do Universo, salvo se for abandonada
Ou pela própria família maltratada,
Porém essa é uma emoção que vem de dentro.

Minhas ilusões eu perdi, sem mais portento,
Sem ter rancor por ser tão desapontada,
Sou generosa e alguns me tratam como fada,
Quando entrego a outras crianças alimento.

Mas teria sido tão mais fácil se tivesse
Alguns irmãos, desde pequena a repartir
Os elogios, os brinquedos e a ternura!...

Que essa criança que no mundo mais padece
É a filha única, a quem souberam iludir
Que a Terra inteira ganharia em formosura!...

LÁGRIMAS DE FADA 4

Passou-se o tempo e posso dar-me por feliz:
Por desapontamentos maus que atravessasse
Certamente encontrei a quem me amasse,
Mesmo não tendo tudo o quanto quis...

Vejo no berço essa criança, que me diz
Que tudo passa, por mais que desgostasse;
Já sou adulta e tenho quem me abrace,
Os fundamentos de minha vida eu mesma fiz.

Fecha-se o círculo. Só não a deixarei;
Dar-lhe-ei irmãos, por que seja generosa
E com eles reparta o quanto tinha;

Mas uma coisa certamente eu não farei:
Por mais que seja mãe justa e amorosa,
Não tratarei como “Princesa” minha filhinha!

ESCOMBROS DO TEMPO 1 – 18 ABR 16

Fala-se sempre do enorme comprimento
Que o tempo desenrola em labirintos,
Nesses meandros galaxiais retintos
De um negror azul de estranhamento.

Também se fala de seu falecimento
Na rapidez com que anos distintos
Se enroscam no passado em longos cintos,
Mistura inquieta porém sem movimento.

Só os objetos permanecem junto a nós
E nos contemplam indiferentemente,
De seus olhares nossas mentes temerosas,

Tal qual do tempo que se corre empós,
Que percebemos inadvertidamente
No lento olhar das coisas silenciosas...

ESCOMBROS DO TEMPO 2

Em parte o tempo são ruínas na memória,
Que ali se ergueram para depois tombar
Cada lembrança de súbito a assombrar,
Seu grito em lancinância peremptória!...

Mas logo após se amortece qual a escória,
Carvão queimado após rubro cintilar.
Outra lembrança nos vem acutilar,
Roubando o tempo que nos traz a história.

Talvez se jogue para a frente qual liana
Ou então, opostamente, para trás,
Quem sabe o ponto em que o tempo se escondeu?

Caleidoscópica mente que se irmana
Com essa egrégora que de nós se satisfaz (*)
Dos mil momentos que não nos concedeu.
(*) Espírito de uma comunidade ou família.

ESCOMBROS DO TEMPO 3

Em parte o tempo se insere no passado,
Essa coisa imponderável dos assombros,
Do qual só nos perduram os escombros,
Pó da ampulheta escorrendo compassado.

Caso não haja tempestade ou vento alado,
Que nos possa arranhar pele dos ombros,
Cercas de vida arrancando dos alambres, (*)
Pinga essa poeira em montículo ordenado.
(*) Gauchismo para “aramados”.

Também descaso de nossos ancestrais,
Ou no presente por guerreiros perturbado,
Contribuindo a tais destroços aumentar.

Onde está o tempo dos penhascos abismais?
É assim tão fácil partir o antanho airado?
Onde o passado poderemos encontrar?

ESCOMBROS DO TEMPO 4

Onde se acha o tempo do presente?
Nessa corrida inevitável do futuro?
No dia claro tornando mais escuro
Qualquer instante que breve se apresente?

Será a função do tempo simplesmente
Destruir a si mesmo em fado obscuro
E a nós com ele, em igual destino duro
De criaturas em transmuta permanente?

Onde se oculta o tempo?  Nos cabelos
Que caem aos poucos ou então que se embranquece
Ou nessas rugas com que abriu amplos caminhos

Para as lágrimas em paródia dos desvelos
Desse minuto logo morto que padece
Por ter cedido ao tempo os seus carinhos?

ARTIMANHA I – 19 ABR 16

Nesse amor incestuoso do Momento
pelo seu pai, o Tempo e por sua mãe, a Vida,
entrega ao tempo toda a energia contida,
entrega à vida o derradeiro alento.

Nesse amor incontido o seu intento
seria manter-se, por ambição perdida,
firmar-se ao tempo antes da despedida,
prender-se à vida em último rebento.

Porém, momento, ai!... Porque só perde
sua energia em tal suborno falho,
o seu alento em tola corrupção...

Sem que um átimo sequer de tempo herde,
sem que da vida não vá sofrer o malho,
ambos traidores de sua simples devoção...

ARTIMANHA II

Mas afinal, qual é a ânsia do Momento?
Manter-se junto à Vida interminável
ou associar-se ao Tempo imponderável
ou que outro misto aguardado em tal portento?

Quisesse dar ao viver maior sustento,
teria de roubar ao tempo estável
e teria de furtar à vida instável,
quisesse dar ao porvir encantamento...

E nessa dupla traição, ressentimento
aos dois faria tal vítima pretensa,
como um corisco imóvel na amplidão,

submetido do tempo ao julgamento,
truque rompido por natureza tensa,
um réu de morte da mais curta duração.

ARTIMANHA III

E quem nos diz que não somos tal Momento?
Sempre tomados de vital anseio,
ao qual gastamos, sem o menor receio:
gasta-se a Vida e o Tempo qual um vento...

Qual um rosário dedilhando sentimento,
a cada conta um instante de permeio,
correm os dedos a cortar da vida o meio,
em cada prece um toque de lamento...

Pois para trás nos impulsiona Cronos
e para a frente nos empurra Bios,
nessa tenção eterna e momentânea.

Do Tempo e Vida nos julgando donos
e o tempo e a vida cortam-nos os fios
enquanto o sopro escorre em plena insânia!

OLHOS INUNDADOS I – 20 ABR 16

POR CERTO QUE O ENSEJO INDIFERENTE
SEMPRE É MAIS LONGO QUE O BEIJO DA SAUDADE
QUE NUNCA SE FRUIU NA REALIDADE,
IMAGINÁRIO, POR MAIS QUE TE ATORMENTE.

E AO MESMO TEMPO, TAL ENSEJO CONTUNDENTE
SEMPRE É MAIS BREVE QUE O BEIJO DA SAUDADE,
QUE SE CONSERVA A TEU LADO, EM INTENSIDADE,
SEM QUE JAMAIS TE LIBERTE INTEIRAMENTE.

É UM OU O OUTRO?  OU AMBOS A UM SÓ TEMPO?
O BEIJO MORTO VIVE NA MEMÓRIA,
SEMPRE MAIS LONGO QUE O BEIJO INEXISTENTE,

MAS O BEIJO QUE NÃO HOUVE, EM CONTRATEMPO,
VEM LÁ DE DENTRO, EM ÂNSIA PEREMPTÓRIA,
SAUDADE DOCE DE UM NADA PERSISTENTE...

OLHOS INUNDADOS II

POR CERTO A LÁGRIMA QUE SE DERRAMOU
SEMPRE É MAIS LONGA QUE A LÁGRIMA RETIDA,
EM CRISTAIS AMARELOS CONSUMIDA
A POBRE LÁGRIMA QUE DO OLHAR JAMAIS BROTOU.

E AO MESMO TEMPO, SE TAL LÁGRIMA FICOU,
É BEM MAIS BREVE QUE A LÁGRIMA VERTIDA;
DA COMISSURA NÃO SE ESCAPA, PERSEGUIDA
PELA TORTURA DE QUEM A CONTROLOU.

PORÉM AS LÁGRIMAS DE UMA ADOLESCENTE,
QUE SE DEIXOU CORRER TÃO FACILMENTE,
SÃO EMPURRADAS PARA FORA E PERSEGUIDAS

POR OUTRAS LÁGRIMAS DE AFLIÇÃO CRESCENTE:
PINGAM DEPRESSA, NA REBELIÃO FREQUENTE
DAS OUTRAS LÁGRIMAS QUE ANSEIAM SER VERTIDAS!

OLHOS INUNDADOS III

QUAIS NOS SERÃO, PORTANTO, DURADOURAS?
ESSAS LÁGRIMAS ESPARSAS QUE SÓ CORREM
DE VEZ EM QUANDO E LENTAMENTE MORREM
DA MEIGA LÁSTIMA DE QUE SEJAM PORTADORAS?

OU ESSAS LÁGRIMAS LAMINOSAS QUAIS TESOURAS,
QUE AS FACES CORTEM E A MAQUIAGEM BORREM,
QUE O PEITILHO DO VESTIDO DE ÁGUAS FORREM,
NESSE PRANTO DE DESPEJADOS MORADORES?

SERVEM AS LÁGRIMAS PARA NOSSO BENEFÍCIO.
PARA CEDER UM ALÍVIO À NOSSA DOR
OU SÃO APENAS OUROPEL E EXIBIÇÃO?

CHAMADAS ÀS VEZES DE FEMININO VÍCIO
POR ESSES JOVENS TOMADOS DE RANCOR,
DAS PRÓPRIAS LÁGRIMAS A SOFRER PROIBIÇÃO?

OLHOS INUNDADOS Iv

MAS O FINZINHO DO CHORO É BEM MELHOR,
MOLHADA A FRONHA QUE RECOBRE O TRAVESSEIRO
OU QUANDO O LENÇO TE ESTENDE UM CAVALHEIRO,
COISA TÃO RARA EM NOSSA ÉPOCA SEM COR!...

NO TEMPO BELO EM QUE SE DAVA MAIS VALOR,
A ESSA FRAGILIDADE DE DOCE AÇUCAREIRO,
ATÉ A DONZELA SEDUZIA O SEU PARCEIRO
LANÇANDO AO PISO UM LENCINHO MULTICOR!...

AS COISAS MUDAM, BUSCA-SE A IGUALDADE,
QUE VEM AOS POUCOS SENDO CONQUISTADA,
MAS QUAL O PREÇO DESSA EQUANIMIDADE?

AI,  POBRE LÁGRIMA ROLANDO, ABANDONADA
PELA MULHER COMO GUERREIRA RESPEITADA,
POSTA DE LADO A ANTERIOR FRAGILIDADE!...

SUBROGAÇÃO I – 21 ABR 16
(*) Substituição jurídica de uma pessoa por seu representante,

Vou recolher cacos do céu, cacos do azul
de firmamento, como gelo de vidraça;
vou remoldar esses cacos numa taça:
verei teus olhos em diagonal de luz...

Verei teus lábios na borda que seduz,
tremeluzindo de suspense nessa traça
e beijarei tua boca, de pirraça,
por não poder prender-te nessa cruz

de meus braços abertos para o amor;
tenho de ti somente o firmamento
que te recobre a cada vez que sais.

Vou recompor teus cacos com ardor
e conservar os cem colados fragmentos,
que guardarei sem que se quebrem mais.

SUBROGAÇÃO II

De cada vez que andares pelas ruas
o firmamento te reflete como espelho,
compondo-te a cabeça e o teu artelho,
seios macios e as duas pernas nuas...

O céu suspende tais reflexos com gruas
invisíveis de luz, fortes de relho,
articulando o corpo jovem com o velho,
ambos inscritos nesse ar em que flutuas.

Só eu enxergo essa imagem transparente
que me chega às narinas, carinhosa,
com doce gosto que me atinge o paladar.

E assim me esforço em salmodia frequente
para atrair tal figura prestimosa
como um pálio de luz a me enlaçar!...

SUBROGAÇÃO III

Já que não posso desposar a alvorada
de um amplo dia, qual seria o corpo teu,
esse teu vulto vicarial eu torno meu, (*)
subrogada a presença assim ansiada.
(*) Substituto, representante.

Sempre há o perigo de que minha voz alada
ante a figura se arroje em escarcéu
que a faça em cacos e a derrube desde o céu,
paixão azul sob meus pés espatifada.

Seria um crime se a não pudesse recompor,
mas esses cacos tem encaixe de cimento
vermelho e branco, de semente e coração;

cola perpétua, estuante de calor,
transmogrifada em estátua num momento,
motoperpétuo em imutável condição.

SUBROGAÇÃO IV

Para meus braços te darei procuração,
que representes em tudo o original,
estátua azul de beijo fantasmal
a celebrar de cada sonho a procissão.

Serás presente no tribunal do coração;
serei a toga de tal cerimonial,
juiz e júri, meirinho processual,
sem aceitar do promotor acusação.

Porque, afinal, serás pessoa jurídica,
feita de sílica, alúmen e sulfato (*)
e nenhum crime podem te imputar,
(*) Aluminio.

salvo o fulgor de tua visão ofídica,
a cada noite traindo o teu recato,
quando virás em fragmentos me abraçar.

VERDADES DURAS I – 22 ABR 16

O matrimônio é direito de gerência,
sem que confira o dom da propriedade;
não é mais do que um contrato, na verdade,
e não amor de inelutável permanência.

O matrimônio é mantido em existência
mais por economia em sociedade,
seu rompimento nem sempre traz saudade,
porém perda de bens e inadimplência.

E não direi nenhuma coisa nova
ao afirmar que o santo matrimônio
é a moeda da mãe ou da mulher,

antiga afirmação que se renova,
considerando os bens do patrimônio
como sendo do marido o que mais quer.

VERDADES DURAS II

E já percebo a reação de minha leitora:
Mas onde está o seu constante romantismo?
Sua gentileza derrapou em algum abismo?
Por que mensagem assim constrangedora?

Mas a mensagem não é tão enganadora
e nem mesmo um farrapo de machismo,
constatação ao invés do divorcismo
com tantas leis destinadas à credora.

A Pensão Alimentícia é um pagamento
destinado a preservar a igualdade?
E quando existe em nossa sociedade

jurisprudência de antigo julgamento,
vinda do tempo da mulher em dependência,
tão diferente desta atual tendência...?

VERDADES DURAS III

Se o casamento fosse apenas por amor
não estaria protegido em tantas leis,
tal qual a sucessão de antigos reis,
tantos casados por dever e até rancor...

Pois com o tempo esgota-se o calor,
termodinâmica apenas, bem sabeis
e com as leis da Natureza contareis
muito mais que o código de maior rigor.

E em nossa Constituição tão desconforme
não se admite só por dívidas prisão,
porém tal Carta nos traz furo e exceção

na proteção da fantasia disforme
da instituição do casamento vitalício
de cuja quebra a pensão castiga o vício.

VERDADES DURAS IV

De fato existem casamentos duradouros,
alicerçados bem mais no espiritual
que nessa pura conjunção sexual,
cheios de afetos mais valiosos que tesouros.

Tais matrimônios enfrentam os desdouros
e não se quebram por capricho marginal,
nem pela ânsia de um sustento material
para um divórcio se apelando aos foros.

Infelizmente, já é bem outra a maioria
e quando a esposa descobre ser traída
os céus e a terra move por vingança;

não que defenda a masculina via,
mas bem mais rara é a boda interrompida
por se cobrar da esposa alguma herança!

DIAS MEDÍOCRES I – 7 setembro 2007

Estou a recolher-me e aos sentimentos
que tanta vez mostrei, a reflorir.
Já não me predominam pensamentos,
esquecidos do afã de seduzir...

Imerso estou de novo nos portentos
de um trabalho exaustivo. Noite e dia,
me esforço sem cessar,sem desalentos...
e o tempo emprego, sem pausa, nessa esguia

espiral de ver os parcos resultados
que não me tomam as taxas e os impostos,
pois quanto mais trabalho, mais me cobram.

Assim, os dias meus, malbaratados,
quase nunca pela compra de meus gostos,
descubro foram gastos e não sobram...

DIAS MEDÍOCRES II – 23 ABR 16

Mais outro dia se passa e à mouraria (*)
já predomina um novo redemoinho:
diariamente faço versos de mansinho,
como aos nove anos passados já fazia.
(*) Escravidão dos muçulmanos na época da Reconquista.

Mas hoje forte diferença me auxilia:
nada me cobra pelos versos do caminho
o ingrato fisco e assim não me abespinho.
qual mansa ovelha que bom pastor tangia.

Não sou pastor dos versos, é bem certo;
em meu pescoço envolve-se o cajado
e assim me indica fazer o quanto quer,

se vou cruzar a alameda ou o deserto,
sempre me empuxa para qualquer lado
e mais me impele a cumprir o meu mister.

DIAS MEDÍOCRES III

Mas tampouco sou ovelha, certamente;
se assim eu fôra, limitava-me a pastar,
de grama verde fazendo o meu jantar,
água bebendo de poça ou de corrente.

Se me alimento do capim virente
não o faço tão somente por tragar,
mas nestas linhas o faço transformar,
tarefa lenta, às vezes, noutra ingente.

Se me abebero da água do regato
não será para mudá-la em lã e leite,
mas para rasgar o chão com casco e presa,

no qual escrevo, despido de recato,
até o ponto em que tal solo aceite,
nas redondilhas temporárias da incerteza.

DIAS MEDÍOCRES IV

Serei então a voz do vento, simplesmente,
esse que as pedras, aos poucos, esfacela?
Que lança as torres ao solo como vela,
que ilumina o rincão circunjacente?

Seria ao invés um arado prepotente
que rasga o solo a que geada congela,
que faz brotar a flor e a espiga bela,
carne de carne em sangue onipresente?

Que seria eu, quando dorme a Natureza?
Silvo, não mais, de um sopro transitório,
acariciando, só de leve, a humanidade?

E nestes versos sem imposto esta beleza
com a qual vibra teu peito compulsório,
nessa arrancada contra a mediocridade?

IDEAL MEDÍOCRE I – 8 set 2007

Se Deus inspira em cada um o ideal
do que deve aspirar, também em mim
mediu-me Sete Dons, que vêm, assim,
em benefício imenso, em espiral

ascender lentamente, alicerçados,
nos sulcos multifários do desdém,
nos desencantos que as tristezas têm,
nos ciclos multicores dos passados...

O que eu vejo, ao olhar a meu redor,
é que sempre me esforço o quanto posso
[e faço bem mais que outros, com certeza].

E, se prazer eu tenho, é no sabor
de ter cumprido o alvo a que me esboço,
de transformar meu desgosto em mais beleza.

IDEAL MEDÍOCRE II – 24 ABR 16

O Espírito Santo nos dá a Sabedoria;
junto com ela o sutil Conhecimento;
permite ainda haver Discernimento
dos Espíritos, donde qualquer deles saía;

ao Dom da Cura também nos dá assento,
seja qual forma mediante a qual o proveria;
e com Milagres nossa crença provaria,
nesse Poder que das alturas toma alento.

Nos cabe ainda o Dom da Profecia,
com o dom menor das Línguas misturado,
embora entre os Hebreus se afirmaria

que um poeta é dos dois aquinhoado
e pelas línguas aos demais saber faria
qual o porvir pelos céus comunicado...

IDEAL MEDÍOCRE III

Mais outros dons menciona a Escritura:
o de Socorros, por exemplo, no Consolo
do sofrimento, o Amor de Deus a expô-lo,
em devoção a toda a humana criatura.

O de Governos, de administração segura:
triste a nação a que governa um tolo!
O Ministério, para exercer sem dolo:
triste essa igreja sob a palavra impura

desses chamados de Lobos Vorazes,
que apenas buscam se locupletar;
não menos importante, o Dom do Ensino,

que exercer só deveriam os mais capazes.
E finalmente, o Dom da Exortação,
para as almas animar qual som de sino!

IDEAL MEDÍOCRE IV

Por certo, muitos juntos aparecem:
este mais forte, aquele bem menor;
um se ressalta como o dom maior,
mas sempre a certa ordem obedecem.

Não se combatem, sequer quando se esquecem;
Discernimento existe pleno no Louvor;
a Profecia conserva o seu calor
e para os sábios também Milagres descem.

Talvez devera a todos estes aspirar,
mas me contento com esse dom singelo
que certamente a mim foi concedido.

Versos escrevo e tal deve me bastar,
nessa certeza do mister mais belo
a que pudera me achar submetido!...