segunda-feira, 30 de abril de 2012

SUBITAMENTE


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subitamente I

por certo não desejo, por certo foi certeza...
acometido fui de estranho sentimento,
mais garantia do que pressentimento
de que todos os caminhos da nobreza
para nós se abririam, sem demora:
que as portas seriam descerradas,
que as emoções se fariam reveladas
e as campânulas dobrariam nossa hora,
em que afinal, depois de longa espera,
em que o engano trocista me traía,
em que trilhaste largos descaminhos,
estaremos de novo nessa esfera
que em paz e afluência nos unia,
na permanente guirlanda dos carinhos...

subitamente II

contudo, por qualquer premonição,
surge depressa um novo desaponto,
as coisas se acomodam no pesponto
e permanece o mesmo ramerrão.
há sempre essa constante oscilação
de emoções agitadas em reponto;
é impossível firmar-se num só ponto,
que tudo gira ao compasso da canção,
pois eu queria que sempre me escutasses
e me assistissem na interior televisão
ou me ligasses no rádio de tua mente,
mas eu sei bem que não existem tais repasses,
tens muitos ritmos em teu coração,
nele meu canto nem sempre está presente.

subitamente III

assim, é bem melhor a aceitação
da convivência inesperada dos carinhos:
melhor é contentar-me com beijinhos
do que esperar pelo beijo da paixão,
que já me deste nos tempos que lá vão...
hoje teus beijos são mais comezinhos,
mas nem por isso transformaram-se em espinhos,
numa rotina de rusga e discussão.
de fato, quando eras mais ardente,
as emoções da fúria se alternavam
e me queimava a estrela tua cadente;
nunca sabia quando as cóleras chegavam,
na alternação do humor indiferente
e teus furores totalmente me espantavam.

subitamente IV

e desse modo, tomo o pressentimento
por entre os dedos, sob a lupa, com cuidado.
melhor seja muito bem examinado,
não confundir desejo e pensamento.
na realidade não existe encantamento,
porém despesa e coração atribulado.
a riqueza é mais um gato encabulado,
que vem pedir carinho num momento
e quando a gente no colo quer pegar,
já se arrepia e salta para longe:
vem quando quer e foge bem depressa!
e amor se porta de forma similar,
pois te atormenta o hábito de monge,
te dá um carinho e então se olvida da promessa...


sexta-feira, 27 de abril de 2012

O DEUS SEDUTOR



O DEUS SEDUTOR I

Há muitos séculos, recém formado o tempo,
Quando as quatro estações foram criadas,
A Primavera para o grande nascimento,
O Verão, em proteção do crescimento,
Tempo de Outono para as folhas descartadas,
E enfim o Inverno, no descanso do retempo,

Muito antes que os homens caminhassem
Por sobre a Terra, em seus curiosos passos
Vieram deuses e criaram dois jardins:
Eddin, também chamado Eridu, nos confins
E Dilmun, a leste do Éden, em seus compassos,
Para que os deuses neles descansassem.

Em Eddin ou Éden habitavam Enlil,
O Deus do Ar, que soprava a poeira seca,
E seu irmão Enki, das Águas Doces o senhor,
Mas em Dilmun governava, com favor,
Nimmursaya, a grande deusa que não peca,
Que sobre a Terra gerou os seres mil.

Nimmursaya ou Nimhursag, a Mãe Suprema,
Mais exaltada dentre todas as deidades,
Rainha excelsa e mãe de toda a Terra,
Dominava em Dilmun, antes que a guerra
Manchasse o mundo com suas calamidades,
Doença ou morte ou qualquer outro mau esquema.

O DEUS SEDUTOR II

E lá viveu Nimmursaya uma estação,
Enquanto a Roda do Ano ia girando,
Com suas servas Annunaki a costurar
Esse tapete que o mundo faz flutuar
Sobre as águas de Nammu, projetando,
Sem se perder ante o caos da escuridão.

Urdu, a Terra, permanecia adormecida,
Enquanto Nimmursaya ia fiando
Cada detalhe da sutil tapeçaria,
Em que morte e doença não incluía
E não havia a velhice perturbando;
Leões e lobos não caçavam pela vida.

Não se escutavam das viúvas o lamento
Nem dos feridos e aleijados o gemido,
Mas toda a Terra de pedra era formada,
Salvo os jardins, sem a relva ser criada.
Para si os deuses sempre haviam provido,
De nada mais precisavam no momento.

Enki, no entanto, era o Deus das Águas Doces,
Dominador de toda a mágica e magia,
Conservador de toda arte e da cultura,
Que um dia aos homens mostraria a agricultura;
E sobre os rios perpétuos se movia,
Senhor cioso de todas as suas posses.

O DEUS SEDUTOR III

Um dia porém, quando Enki ia passando
Entre o Éden e Dilmun, despreocupado,
Foi transformado para sempre, doravante
Pela visão mais magnífica e empolgante
Que jamais encontrara em seu passado,
Viu Nimmursaya quando estava se banhando!

A formosura dessa deusa o conquistou:
Por entre as águas se pôs a cortejá-la;
Nimmursaya, que ainda era solteira
E que em Dilmun só tinha serva e companheira,
Foi seduzida ao galanteio de sua fala:
Também por Enki então se enamorou...

E esse beijo da Mãe Terra o transformou;
Ele que fora impetuoso e violento
Aprendeu o valor de águas tranquilas,
Pelas correntes da emoção, fiéis ancilas
De Nimmursaya, no poder do sentimento,
Tornou-se calmo e sua fúria se aquietou.

E ao mesmo tempo, Nimmursaya descobriu-se
Envolta em bruma do mesmo encantamento.
Foi nesse instante que nasceu o Amor,
Que ao mundo todo difundiria seu calor,
Amor dos deuses, no mesmo pensamento;
No amor das almas cada corpo desvestiu-se...

O DEUS SEDUTOR IV

E nesse amor, a Deusa Terra dissolveu-se,
Na maravilha da umidade desse amante.
Nimmursaya misturou-se em seu abraço,
De sua dureza apagou-se cada traço
E desejou possuir, no mesmo instante,
Esse gosto de água e assim perdeu-se...

E disse a Enki: “Escutei teu coração,
Como o bramido das águas matutinas;
Vejo Urdu, a Terra, meu corpo, árida e seca,
Porque sem água ela sofre e tanto peca?
Assim concede-lhe as tuas bênçãos peregrinas:
Que a Terra inteira se dissolva em igual paixão!”

“O que é um campo que não tem lagoas?
Que é uma cidade que não tenha poço?
E o que é um rio que não possui um cais?
Dá-me tua essência, então, e muito mais:
Abre nascentes entre a rocha, em cada fosso,
Pelo murmúrio das águas que me entoas...”

Foi assim Enki tomado de surpresa,
Pois já lhe dera a essência de sua alma,
Mas não lhe dera a vida que hoje encerra
O corpo dessa deusa: toda a Terra!...
E então o deus se diluiu em calma,
Lançando as águas sobre toda a Natureza.

O DEUS SEDUTOR V

E assim declarou Enki a Nimmursaya:
“Dilmun é a terra que convém à minha senhora
E para ela abrirei fontes e canais
E lhe darei quanta umidade mais
Que a sede abrandar possa a toda a hora,
Mesmo quando chuva alguma aqui recaia...”

Enki então seu companheiro convocou,
Isimude, que era o Deus da Luz do Dia:
Juntos fizeram do chão brotar neblina,
Dos cursos de água toda a força que se inclina
Urdu, a Terra, fez-se fértil e até ria
O seu reflexo nos cem lagos que formou.

Que é de Enki que fluem os quatro rios
Que cercam Dilmun e Eddin: o rio Pison,
Que desce desde a terra de Havilá;
O Hidekkel também se encontra lá,
O grande Eufrates e ainda o rio Gihon,
Suas águas cálidas até nos dias mais frios.

Nimmursaya alegrou-se em tal proeza:
“O toque doce de tuas águas, meu amado,
Trouxe a essência de Nammu desde o céu!
Sinto pulsar em mim o branco véu
Dessa neblina que tem a Terra fecundado!
Todo o meu corpo, a rocha e a Natureza!...”

O DEUS SEDUTOR VI

“E desde agora, adotarei o apelido
De Nintur, do Nascimento a Dama,
Ventre das terras que se estendem junto ao rio,
Com tua umidade, a vida inteira eu crio
E eternamente cantarão a nossa fama,
Por todo o Bem que temos concebido!...”

E disse Enki, tomado de paixão:
“Para mim, és Damgalunna, a Grande Esposa,
Que de delícias minhas águas encherá.
Meu coração jamais te olvidará,
Dentre todas as deusas a mais formosa,
Senhora plena de meu coração!...”

E assim, tomada pelo mesmo amor,
Nimmursaya recebeu Enki nos braços
E nove dias depois, sem qualquer dor,
Teve um parto com pouquíssimo labor
E deu à luz Ninsar, nos seus abraços,
Deusa das Plantas e de todo o seu verdor!

E então a nova deusa toda a Vegetação
Fez brotar a partir da água do rio,
Surgiram folhas e lâminas de grama
E de mil flores a Terra criou cama,
Porque Ninsar tirou da rocha o frio
E tudo encheu de intensa brotação!...

O DEUS SEDUTOR VII

Enki encantou-se com essa garotinha,
Cuja beleza se mostrava tão perfeita,
Cujo sorriso os campos revestira
Desse verde que o mundo ora cobrira,
Tão plenamente lhe fora a água aceita
Pela Terra que só rocha antes continha!

A Grande Dama, com Ninsar nos braços,
Beijou Enki nos lábios, com carinho:
“Em breve tempo, terei de partir,
Para o hemisfério sul preciso ir...
Mas voltarei em breve ao nosso ninho:
Ninsar me chama e me atraem teus abraços!”

“Minhas servas cuidarão dela em Dilmun:
Aonde eu vou perigo existe a uma criança;
Os mares vou cruzar, em meu navio,
Porém terás de ficar, amado rio!...
Mas tuas águas no mar dão-me esperança:
Não nos trará o tempo mal algum...”

Levou consigo Nimmursaya bilha de água:
Com ela a vida para a região meridional...
Enki ficou vogando no seu barco,
A pescar peixes ou caçando com seu arco
E assim Ninsar cresceu sem qualquer mal;
Sofria Enki, porém, saudade e mágoa...

O DEUS SEDUTOR VIII

Ele cumpria o seu dever sagrado:
Das águas as enchentes controlar
E por artérias e canais as distribuir,
Para a relva e os cereais assim nutrir.
Deixou Dilmun para a terra renovar
Ansiando sempre Nimmursaya de seu lado.

Mas Enki era volúvel, como as águas
Que se acham em perpétua agitação
E só obedecem à voz de Sin, a Lua,
Essa bandeja de prata, toda nua
Que a cada noite, de sua alta mansão
Observa e tranquiliza tantas mágoas.

E em nove dias Ninsar já era mulher
E se tornou uma deusa mui formosa,
Cuidando os prados e a vegetação...
No dia décimo, ao regar a brotação,
Enki avistou-lhe a beleza majestosa
E aproximou-se, igual quem nada quer...

E logo a jovem também se enamorou
E se abraçaram felizes sobre a margem.
Enki pensara que fosse, inicialmente,
Nimmursaya retornada, alegremente...
Depois do amor, passada sua voragem,
Que seu rosto era diverso constatou...

O DEUS SEDUTOR IX

Mas em tudo parecia Nimmursaya
Essa filha da terra fecundada:
Apenas era seu sorriso diferente
E o Deus das Águas amou-a plenamente,
Toda a Verdura pela Água enamorada
E a água sobre a relva assim se espraia...

E como poderia, afinal, reconhecer
Que fosse filha sua essa donzela,
Que nos braços, alegre, ele tivera
Dez dias antes, apenas?  E nem soubera
Ninsar que Enki pudesse o pai ser dela,
Pois nunca adulta o conseguira ver!

E o volúvel Enki a contemplou de dia,
Sem compreender o que o atraíra tanto,
Pois agora parecia ter perdido
A substância que o havia seduzido...
Ela era linda e feminina, no entretanto,
Apenas sombra da Nimmursaya a quem queria.
Sem dúvida esta é alguma das criadas,
De quem tirou o nome de Ninsar...
Por Nimmursaya ela foi educada,
Por isso lhe é tanto assemelhada,
Tão gentil e tão formosa de se olhar...
São parecidas as adagas e as espadas!


O DEUS SEDUTOR X

Contudo, permaneceu Enki com ela,
Porque seu ventre já continha sua semente;
De fato, em gravidez, por sua magia...
E Ninsar deu à luz no nono dia,
A Ninkura, de beleza permanente,
Que Nimmursaya se refletia nela...

Também Enki se alegrou na filha nova:
Seria a Deusa dos Pastos das Montanhas;
Sobre Ninkura derramou o seu afeto
E como a chuva, sobre o chão dileto,
De seu sorriso saem bênçãos tamanhas
Que a relva cobre cada vale e cova!...

Mas Ninsar compreendeu logo, tristemente,
Que nos olhos de Enki está a saudade...
Não é a mim que ele ama, é outra mais,
Que não conheço e saber não vou jamais...
Quero alguém que me ame de verdade,
Pelo que sou, por mim, inteiramente...


E assim a Vegetação falou ao Rio
Que se fosse, em busca de sua amada.
E Enki sobre os montes fez-se em chuva,
Cada montanha e vale, como luva,
Serviu nos dedos da água consagrada:
Brotou a erva do solo, em verde fio!...

O DEUS SEDUTOR XI

E Ninkura também cresceu rapidamente:
Com dois dias já galgava suas montanhas;
Onde pisava, deixava essa umidade
Que herdara de seu pai, fertilidade
Luxuriante de sua mãe e nas entranhas
Brotaram flores e trigo finalmente...

Após mais nove dias, já donzela,
Ninkura foi beber água de um poço
E lá do fundo subiu rapaz formoso.
Ela o tomou para si, com grande gozo...
(Era o Deus das Águas Doces esse moço,
Que demonstrou grande atração por ela...)

Ficaram juntos por outros nove dias,
Mas por mais que a recordasse, ela não era
Sua Nimmursaya, cuja falta sofria tanto...
Porém Ninkura, na paixão desse entretanto
Engravidou e deu à luz, pois gera
Outra menina, sem do parto as agonias.

Chamou-a Uttu, a Aranha, a Tecelã,
A Senhora dos Destinos e Desejos...
Enki, o Volúvel, após beijar a criança,
Partiu de novo, empós a sua esperança
De reencontrar os verdadeiros beijos,
Já temendo que essa busca fosse vã...

O DEUS SEDUTOR XII

Nesse entrementes, Nimmursaya retornou,
Após beijar o Sul com a Primavera,
Ansiosa por reunir-se a seu amante,
Saudosa pelo amor da filha infante
E que surpresa dentre o seio gera,
Ao ver a neta... e a bisneta que chegou!

Não teve dúvidas no seu coração
De que Enki aproveitara de sua ausência,
Que suas águas fertilizaram as pastagens,
Que abrira fontes nas partes mais selvagens
Dos altos montes, em úmida potência...
E a Grande Deusa controlou sua emoção.

Afinal, de que forma saberiam
As Águas Doces que a donzela da montanha
Era sua filha com a Vegetação?
Era para Enki irresistível a paixão!...
Ninkura era inocente em tal patranha:
Ninsar e ela seu pai não conheciam...

Porém reuniu as três e as advertiu:
“Não deixem Uttu chegar perto do rio!
Em nove dias, ela será donzela,
Enki é volúvel, terá paixão por ela
E não querem que ela sinta o mesmo frio
Desse abandono por quem as seduziu!”

O DEUS SEDUTOR XIII

Ninsar e Ninkura prontamente concordaram
E lastimaram ter cedido à sedução
Das Águas Doces por que se enamoraram...
Mas as flores e pastagens não murcharam
E os cereais ainda ondularam no verão,
Que suas lágrimas mais ainda os fecundaram!

Porém Uttu foi muito bem recomendada
E não a deixavam ir banhar-se a sós,
Embora a mãe e as avós ainda cumprissem
Os seus deveres e ao mundo transmitissem
As Águas Doces e a Fertilidade após...
Pelas suas servas era Uttu acompanhada.

Porém um dia, andando nas pastagens,
Uttu encontrou um homem muito belo,
Que lhe trouxe maçãs, cachos de uvas
E pepinos sustentados pelas chuvas,
Que lhe contou trazer de seu castelo,
Mas que cresciam do Éden nas paragens!...

E novamente, o volúvel Deus das Águas,
Que do retorno de Nimmursaya não soubera,
Porque ela se envolvera em seu rancor,
Revoltada contra o deus tão sedutor,
A jovem Uttu se enamorar fizera
E lhe trouxera amor falso e muitas mágoas!

O DEUS SEDUTOR XIV

E a Deusa dos Destinos e Desejos,
Embora dele sua identidade suspeitasse,
Teceu sua teia para capturá-lo
E recebeu as Águas, sem abalo,
Para que o próprio destino lhe agradasse
E por desejo de Águas Doces e seus beijos!

Mas de manhã, Shamash, o Sol, abriu um talho
Por entre o véu esbranquiçado do nevoeiro
E Enki a contemplou, firme nos olhos
E novamente se lhe ergueram os antolhos:
Tampouco nela encontrou seu amor primeiro
E abandonou-a, transformado em orvalho...

Uttu, magoada, chorou lágrimas preciosas
E jurou não se prender às Águas Doces...
Alguns destinos seguiram os desertos,
Desejos áridos foram então despertos,
Que do Fado e do Porvir não tomam posses
Nem sequer as divindades poderosas!...

E retornou a Nimmursaya, tristemente,
Dizendo acreditar-se fecundada
Por toda a sedução das Águas Doces...
“Eu te ordenei que sozinha ao rio não fosses!”
“Eu não fui, mas pelas chuvas fui achada...”
“Então enterra no solo a tua semente!...”

O DEUS SEDUTOR XV

“Minha Terra Fértil tua semente acolherá,
Que até mesmo na montanha há de brotar,
Porque existem males que surgem para o Bem:
Por Enki me deixei nutrir também...
Correm as águas, em seu doce sussurrar,
Mas sem elas, todo o globo secará!...”

“Agora, eu te darei um bom conselho,
O mesmo dado à tua mãe e à tua avó,
Pois já tive a alegria e senti dor,
Sem essas duas, nunca existiu amor:
Nunca se deve satisfazer a um só!
Deve o Desejo ser reflexo de um espelho!”

“Deve haver troca em cada relação:
O que o Desejo dá, deve pedir;
O que o Destino traz, igual recebe,
Quem na água se banha, a água bebe,
Quem relva come, a relva há de nutrir;
Sem intercâmbio, só haverá separação!...”

E assim Uttu saiu com Nimmursaya,
Por Ninsar e Ninkura acompanhadas.
Oito sementes de Uttu retiraram
E nas planícies e montanhas enterraram,
Distribuídas nas paisagens adequadas,
Para brotarem assim que a chuva caia...

O DEUS SEDUTOR XVI

Passados nove dias, Enki voltara,
Por Isimude, seu amigo, acompanhado
E percorreram os rios e os alagados,
Pelos pastos a passear, despreocupados.
Oito árvores ali haviam brotado
E um fruto novo de cada uma brotara...

Enki indagou então, de Isimude,
Que era seu vizir e conselheiro,
Que plantas eram, de alto e grande porte,
Trazendo frutos, cada qual de nova sorte;
Sentiu Desejo deles bem ligeiro;
Foi seu Destino que o amigo então o ajude.

Enki assim oito dos frutos devorou...
Mas de repente, surgiu-lhe Nimmursaya,
Pelo seu ato totalmente enraivecida
E antes de ser por ele seduzida,
Sua voz o repreendeu como azagaia
E por todos seus desmandos o exprobou.

“Tu não te contentaste com a Mãe Terra!
Não te bastou possuir a Vegetação!
Tomaste os picos e vales da Montanha!
E fecundaste até mesmo a Deusa Aranha!
E agora os frutos tomaste na tua mão!...
Pois doravante, eu te declaro guerra!...”

O DEUS SEDUTOR XVII

“Irás sentir em ti mesmo o teu castigo!...”
E Nimmursaya, então, desapareceu,
Deixando Enki totalmente dividido,
Sentindo medo no coração partido;
Só de revê-la, o seu amor cresceu,
Mas seu ardor tornara-se inimigo!...

E logo Enki adoeceu de sofrimento,
Oito órgãos de seu corpo já afetados
E parecia até que iria morrer,
Ânu, o Deus do Céu, o veio socorrer,
Enlil, o Deus do Ar, sopros alados,
Mas ninguém pode abalar o encantamento.

“Só Nimmursaya o cura,” disse a Lua.
Shamash, o Sol, saiu a procurá-la
E não a pode encontrar em parte alguma!
Sin, a Lua e Enlil, o Ar, como verruma,
Perfuraram a Terra, sem achá-la!...
Cada vez mais essa doença atua!...

E assim as Águas Doces se secaram
E da Terra toda a água já sumia,
Já não havia habilidade ou arte,
O mundo inteiro se perdia destarte,
Sem água doce, tudo está em agonia
E os deuses uns aos outros murmuraram...

O DEUS SEDUTOR XVIII

Mas Nimmursaya sob as rochas se escondera,
Lá onde a água doce nunca atinge
E embora ouvisse o vão clamor do ar,
O chamado da Lua, o som do mar,
Que não escuta o tempo todo finge,
Que em seu rancor firme permanecera...

Pois não era pelos frutos, certamente.
O coração lhe ardia é de ciúme!...
Quarenta e cinco dias só haviam passado
E três outras Enki havia namorado!...
E remordendo assim seu azedume,
Só queria que sofresse realmente!...

Mas a Raposa, que lhe era consagrada,
Pois morava sob a pedra, numa toca,
Foi relatar a Enlil seu paradeiro:
“Eu não a traio, Deus do Ar, bom companheiro,
Mas a sua indiferença não é pouca
E deixará a Terra inteira desolada!...”

Assim Enlil,o Deus do Ar, a descobriu,
Mas seu pedido recusou-se a ouvir.
Ânu, seu pai, também foi suplicar,
Foi Sin por uma fenda penetrar,
Shamash, com o calor, chegou a partir
Sua rocha... E mesmo assim, não consentiu!

O DEUS SEDUTOR XIX

E foi Ninsar com sua mãe argumentar:
“Sem Águas Doces, morrerá a Vegetação!
De que me serve assim ser a Senhora,
Se todo o verde do mundo for-se embora?
Também nutri por ele uma paixão!...”
Mas Nimmursaya recusou-se a escutar...

E foi Ninkura sua avó a convencer:
“Sem Águas Doces, os vales ressecaram,
As nascentes nos montes já não brotam,
Todas as fontes no calor se embotam...
As Águas Doces minhas entranhas fecundaram!”
Mas Nimmursaya fingiu não entender...

Também foi Uttu com a bisavó se lamentar:
“Por que persistes em tua indiferença?
Das Oito Árvores restam só os galhos,
Não as refrescam nem chuvas, nem orvalhos
E de que serve no Destino a crença?”
Nimmursaya, porém, nem quis falar...

E finalmente, aconselhou-a a Raposa:
“Mãe Nimmursaya, sou tua serva mais fiel,
Mas não deves continuar obstinada:
Enki chora e reclama por sua amada;
Mulher alguma lhe trouxe o mesmo mel...”
E a deusa disse: “Tua fala é ardilosa!”

O DEUS SEDUTOR XX

Mas Nimmursaya comoveu-se, finalmente:
“Está de fato Enki a me chamar?”
“Ele quer vê-la, um pouco antes de morrer...
Uma vez mais, para seu último prazer...”
“Minha Raposa, ele há de continuar!
Será um sedutor, eternamente!...”

“Ele o será, também,” disse a Raposa,
“Pois não são todas as águas inconstantes?
Só obedecem a Shamash e a Sin...
Mas o amor da Água à Terra é, outrossim,
Permanente até em momentos delirantes...”
E a deusa disse: “Tua fala é poderosa!”

E assim ergueu-se, finalmente, Nimmursaya
E foi aonde escutava as carpideiras;
O Céu e o Vento juntos se abraçavam,
O Sol e a Lua também ali choravam,
Suas deusas filhas prostravam-se em esteiras...
E disse a deusa: “Todo mundo saia!...”

Saíram médicos e os outros curandeiros,
Os mágicos e astrólogos se afastaram,
O Sol e a Lua ouviram a sua voz,
O Céu e o Ar os deixaram a sós
E os dois amantes longamente se miraram,
Enki prostrado nos seus travesseiros...

O DEUS SEDUTOR XXI

E disse Enki: “Enfim, amada minha!
Eu já te vi, posso morrer agora!”
“Não me chamaste para te curar?”
“Só te chamei para poder-te amar;
Eu sei que me chegou a final hora,
Dá-me um último beijo, minha rainha!...”

E Nimmursaya, com imensa ternura,
Pôs a cabeça de Enki no seu colo
E o envolveu com seu corpo inteiramente,
(Que a Terra oculta das Águas a nascente)
E o abraçou, sem mais rancor nem dolo,
Sua paixão retornando ainda mais pura.

E Nimmursaya perguntou-lhe: “Onde te dói?”
E disse Enki: “Meu corpo, inteiramente...”
“Porque engoliste os Oito Frutos iniciais!...
Não deixarei que te castiguem mais...
Em minha Abundância os tomarei completamente
E curarei todo o mal que hoje te rói...”

E disse Enki: “Sempre te amarei,
Ai, Terra minha!  De pedra e de esperança...”
“Não, querido, não me jures mais amor,
Sei que sempre tu serás o sedutor,
Às águas amam a mulher e a criança,
Mas mesmo assim, hoje te curarei!...”

O DEUS SEDUTOR XXII

Enki não podia mexer sequer um dedo,
Mas já sentia dentro em si novo calor...
“Já retirei de ti uma semente
E Abu trouxe à luz, o deus clemente,
De toda a Medicina, filho do amor
Que nós dois conservamos em segredo...”

“Então, me diz agora onde te dói...”
“Meu queixo dói e mal posso falar...”
“Dei Nintulla à luz, teu filho e irmão,
Será o Deus da Fala e Elocução...”
E os dois meninos puseram-se a brincar,
Pois Nimmursaya a doença, aos poucos, mói.

“Onde te dói agora, meu querido?”
“Doem-me os dentes, de tanto mastigar...”
“Dei à luz Ninsutu, a Deusa do Moinho,
Que o pão inventará, com seu carinho,
Para toda a humanidade alimentar...
Meu pobre amado, como tens sofrido!...”

“Qual é o lugar de tua outra dor?”
“Minha boca dói,” Enki lhe respondeu.
Nimmursaya em plena boca deu-lhe um beijo
E outra deusa trouxe à luz, no mesmo ensejo,
Ninkasi, Deusa do Gosto, apareceu,
Um novo fruto de um verdadeiro amor...

O DEUS SEDUTOR XXIII

“E onde mais te dói, querido amor?”
“Eu sinto dor ainda na garganta...”
“Pois à luz dei a deusa Azimua,
Que sempre cantará à luz da Lua,
Deusa da Música, que o coração encanta
E que aos poetas inspira o seu louvor...”

“Diz-me, querido, onde te dói ainda?”
“Eu sinto dor nas pernas e nos braços.”
“Teus membros eu agora te livrei
E o Deus Enshágue ao mundo libertei,
Para aos atletas conceder os seus abraços
E aos guerreiros dar resistência infinda!...”

“Onde é que ainda sentes qualquer dor?”
“Eu sinto dor ainda nas costelas...”
“Pois trouxe à vida Ninti, que o pulmão
Protege e igualmente ao coração...
Ela abre agora para a vida tuas janelas,
Estás curado de todo o teu ardor!...”

“Acabaram-se tuas dores desta sorte,
Pois agora te curei inteiramente
E nunca mais te lançarei a maldição,
Por infiel que seja a tua paixão
E viverás agora, eternamente,
Que dei à luz Ereshkigal, o Deus da Morte.

O DEUS SEDUTOR XXIV

Então Enki saiu de seu abraço
E face a face com Nimmursaya se estendeu,
Porque seu rosto ele queria perceber:
Viu Nimmursaya quase desfalecer,
Pois com sua vida ela o fortaleceu,
O cansaço refletido em cada traço...

Enki entendeu o bem que lhe fizera:
“Tu lançaste no meu corpo a própria alma
E parte de minha alma retiraste,
Por isso, firmemente me enlaçaste...
Só agora compreendo, em plena calma,
Que somente por ti minha vida espera.”

“Busquei no rosto das donzelas a tua imagem
E era impossível achar igual beleza
E por isso eu as deixava, sem calor:
Somente em ti se encontra o meu amor,
Amada minha, Mãe da Natureza,
Qualquer outra que não tu uma miragem...”

“Mas não te prenderei contra a vontade,
Amado meu, sei que és um sedutor,
A mulher e a donzela amam as águas,
A elas se entregam, sem temor das mágoas...”
“Mas sempre torno a ti, meu grande amor...”
E assim cumpriu-se seu destino, na verdade!

O DEUS SEDUTOR XXV

Anos passaram e então encheu-se a Terra
De mil árvores de fruto e de sabor,
Até que Ânu se decidiu a criar
O Homem e a Mulher para O adorar
E assim lhes concedeu o dom do amor,
Com toda a dor e alegria que ele encerra...

E também lhes conferiu o dom da morte,
Que assim soubessem suas limitações.
Da Terra e da Água brota toda a vida,
Que sob a terra a voltar é compelida,
Do mesmo modo, todas as emoções
São avassaladas ao sabor da sorte!...

E Uttu, a Aranha, senhora dos Destinos,
Ainda tece suas teias, sem piedade,
Força a vida a surgir, desde o antanho
Só ela conhece do porvir todo o tamanho
E os Desejos conhece à humanidade,
Porém ao preço do tanger dos sinos!...

Que os deuses são perpétuos, porém nós
Não somos mais que sombras passageiras,
Embaladas pelo amor, nos verdes anos,
Embutidas depois nos seus arcanos,
Para essa teia a retornar, ligeiras,
Até escutarem outra vez a eterna voz...

domingo, 22 de abril de 2012

A MENINA E O PAPÃO




(sobre um conto popular chinês)

A MENINA E O PAPÃO I  (10 mai 11)

Havia uma menina chamada Meiling,
que um dia resolveu fugir de casa.
Varrer não queria, cozinhar não gostava,
lavar roupa era ruim, costurar detestava.
Não queria fazer nenhum trabalho, enfim.

Meiling era uma linda chinesinha
e nesse tempo, ninguém ia ao colégio,
mas com as bonecas já enjoara de brincar
e era novinha demais para casar:
queria só ser a princesa da casinha...

E como a mãe trabalhar a obrigava,
juntou suas roupas num paninho azul,
penduradas na ponta de uma vara
e, numa noite em que a Lua estava clara,
saiu sozinha para a estrada que a esperava.

Ficou cansada, mas era uma aventura...
Já de manhã, chegou em uma cidade.
A sua presença chamou muita atenção
e logo apareceu um batalhão
de gente cheia de curiosidade pura.

Quase em seguida, arrumou um protetor,
que lhe arranjou uma casa pra morar.
Mais outros seis cuidaram de Meiling,
chamados Tchang, Tcheng e Tching,
Tchong, Tchung, Tchiang e Tchieng, por amor.

Cada um ficou com um dia da semana
para visitar Meiling e cuidar dela...
Trouxeram móveis, roupa e cobertor,
fogão e comida do melhor sabor...
Da boa sorte Meiling logo se ufana...

A MENINA E O PAPÃO II

Mas logo viu que não era bem assim:
já não podia bancar a princesinha...
Para comer, precisava cozinhar,
tinha de a casa varrer e até espanar:
desiludiu-se a pobre da Meiling!

E como era menina bem limpinha,
logo suas roupas precisou lavar...
Depois ganhou um ferro de passar,
aos poucos, aprendeu a costurar:
o resultado de ir morar sozinha!

Era obrigada a preparar o almoço,
pois descobriu que nada vem de graça...
Quando os amigos a vinham visitar,
traziam roupas para ela costurar...
para lavar, ia tirar água do poço!...

No fim, ao invés de somente obedecer
ao pai e à mãe, obedecia a sete!...
Eles eram gentis e delicados,
mas insistiam em receber os seus cuidados
e Meiling começou a se arrepender...

Em casa, só atendia à mãe e ao pai,
que lhe faziam todas as vontades.
A mãe só lhe ensinava o treinamento
de que iria precisar no casamento...
Pode custar, mas no fim, a ficha cai!

Assim, Meiling já cozinhava bem;
acostumou-se com as domésticas tarefas
e então pensou que estaria bem melhor
na casa de seus pais, onde menor
seria o trabalho a realizar também!...

A MENINA E O PAPÃO III

Assim, assou um bolo delicioso
e o enrolou no seu paninho azul.
Dos sete amigos, cada um assume
cuidar da casa nos dias de costume
e se mostrou cada qual mais generoso.

Mesmo assim, deixou a casa bem trancada,
com medo que viesse algum ladrão.
Os seus amigos visitavam só de dia
e desse modo, alguém até podia
roubar sua casa e não lhe deixar nada!...

Depois de quatro horas de jornada,
sentiu o bolo ficando mais pesado...
Estava só no meio do caminho
e resolver sentar, só um pouquinho,
porque já estava, de fato, bem cansada...

De ter visto aquela pedra não lembrava...
Estava bem quentinha, sob o sol...
Até dava a impressão de ser macia
essa pedra que a luz não refletia...
Logo Meiling largou o bolo e descansava...

Ela sabia que não podia dormir,
caso contrário, não chegaria em casa...
Mas apenas recostou-se, cochilou...
De repente, com um susto, despertou,
quando uma voz muito rouca fez-se ouvir:

"Ah, menina, eu quero essa comida!"
Meiling olhou em volta, mas ninguém
havia por perto.  "Será que eu sonhei...?"
"Sonhaste nada, fui eu que falei!..."
tornou a voz, perfeitamente ouvida. 


A MENINA E O PAPÃO IV

Então Meiling se levantou de um salto!
A voz surgia bem debaixo dela!
Na própria pedra abria-se uma fenda:
Meiling recuou depressa para a senda,
agarrando seu bolo, em sobressalto!...

A fenda era uma boca bem vermelha,
cheia de dentes amarelos e pontudos,
a língua projetada qual serpente,
dois olhos verdes se abriram, de repente:
a uma cabeça a pedra se assemelha!... 

"Eu quero essa comida e quero já!"
Surgiram braços e depois dois pés.
Meiling estava a ponto de correr,
mas viu que o monstro custava a se mexer.
"Me dá esse pacote que aí está!..."  

A menina estava até bem assustada,
mas viu que a pedra nem saía do lugar
e protestou, bastante corajosa:
"O bolo é de meus pais, sua feiosa!
Não é para qualquer pedra abobada!..." 

"Pois então, vou te agarrar e te comer!"
"Você vai ter de me pegar primeiro!
Se nem consegue sair desse lugar,
de que jeito poderá vir me pegar?
Nenhuma pedra conseguirá correr!..."

"Mas acontece que não sou pedra nenhuma!
Sou o grande Papão Tereng Ganu!
E agora, já não tem medo de mim!?...
Fique sabendo que não vai ficar assim:
de mim nunca escapou criança alguma!..."

A MENINA E O PAPÃO V

"Não tenho medo de você, que mal se mexe!"
"Eu só pareço pedra, mas não sou...
Durante a noite é que eu me movimento:
pois vou atrás de ti e, num momento,
derrubo qualquer porta que se feche!..." 

"De dia, até que tenho pouca fome
e aí me contentava com o teu bolo...
Mas de noite, depois que a Lua sai,
eu como a ti, como tua mãe e teu pai
e até a tua casa na minha goela some!..." 

"Mas os meus pais moram bem longe daqui,"
falou Meiling, desafiadoramente.
"Moram na Aldeia do Poço Furado:
sei muito bem onde é, acostumado
com qualquer coisa que exista por aqui..." 

Meiling saiu correndo para casa,
com o bolo balançando nas suas costas.
"Não adianta fugir de mim agora!
Sei muito bem onde é que você mora,
lá na cidade de Lagoa Rasa!..."

"Vou te pegar esta noite, sua atrevida!
Engulo a casa até, contigo dentro!"
A menina nem ouvia, o coração
batia muito alto, de emoção,
quase sem fôlego, na veloz corrida... 

Mas enquanto corria, ela pensava:
"Será verdade tudo o que ele disse?
Se for assim, como é que vou escapar?
Para onde eu for, o bicho vai pegar!..."
E a voz do monstro, lá de longe, se escutava...

A MENINA E O PAPÃO VI

Ela parou um pouquinho, a descansar,
sem se atrever a sentar em outra pedra!
E então um homem veio pela estrada:
trazia nas costas uma vara atravessada,
com dois cestinhos lentamente a balançar...

Usava o homem sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga na cabeça,,,
Tinha uma trança longa, olhos puxados,
o rosto e os braços meio amarelados,
descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

Reconheceu o seu amigo, Tchang!
Meiling correu em direção a ele.
"Mas o que faz aqui, minha querida?"
disse Tchang, numa voz bem surpreendida.
"Ai, meu amigo, estou quase sem sangue!"

"Numa pedra do caminho, eu me sentei
e era o papão feroz, Tereng Ganu!
E ele disse que pretende me comer!...
A minha casa, ele disse conhecer!
Fiquei louca de medo e me escapei!..." 

"Ai, Tchang, posso ir dormir hoje contigo?"
Mas o amigo respondeu, meio assustado:
"Tenho mulher e seis filhos, queridinha...
Minha casa é bem pequena, pequeninha,
não há lugar para te dar abrigo!..." 

"Mas eu trabalho com lascas de bambu...
Pega uma dúzia, toma estas aqui...
Amarra firme contra o teu portão,
quando tentar abrir, esse papão
se corta todo, sei que ele anda meio nu..."

A MENINA E O PAPÃO VII

"Mas para quê?" Meiling estava duvidosa
"É que esse monstro vai ficar com tanta dor
que vai fugir aos berros... Tem cuidado,
não vai ficar com algum dedo cortado,
nem machucar tua mãozinha tão formosa..."

Disse Tchang, ao lhe entregar um pacotinho,
e desejou-lhe muito boa sorte.
"Amanhã eu vou te ver, ao meio-dia..."
E bem depressa o amigo lhe fugia,
quase correndo ao longo do caminho...

Ela abriu o pacotinho, devagar:
e eram lascas de bambu, bem afiadas,
mas não acreditou que isso bastasse
e que o terrível monstro se espantasse
somente por nos dedos se cortar!...

Meiling recomeçou a caminhar,
com as lascas e o bolo na trouxinha
e continuava muito preocupada,
até que viu outro homem pela estrada:
era Tcheng, que acabara de chegar!

Usava o homem sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga na cabeça,,,
Tinha uma trança longa, olhos puxados,
o rosto e os braços meio amarelados,
descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

"Ai, que bom que te encontrei, querido Tcheng!
Posso ir dormir hoje à noite na tua casa?"
Contou depressa toda a história do Papão.
"Ah, não dá, moro com a mãe e meu irmão
e mais a minha vovó, que está com dengue..."

A MENINA E O PAPÃO VIII

"Mas o Papão vai me achar e me comer!...
Por favor, Tcheng, só por esta noite!...
As lascas de bambu não vão bastar,
Tereng Ganu meu portão vai derrubar
e eu sou pequena demais para morrer!..." 

"Ah, mas isso não vai acontecer!
Eu vou te dar agulhas bem pontudas...
Enterra no caminho, bem cravadas,
o Papão tem as patas bem pesadas:
vão entrar fundo na carne e vai doer!..."

"Ele vai desistir de tanta dor
e fugir, capengueando, meio aos prantos..."
Tcheng pôs em sua mão o pacotinho
e seguiu mais que depressa o seu caminho,
porque ele do Papão tinha pavor!...

"O que é que eu faço?" imaginou Meiling,
só com agulhas e lascas de bambu?
Aquele bicho tem a pele muito dura!
Só uma dúzia de furinhos não o segura!
Vai me pegar e me comer no fim!..."

Chegou outro homem, com sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga na cabeça,,,
Tinha uma trança longa, olhos puxados,
o rosto e os braços meio amarelados,
descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

O seu amigo Tching era gordinho,
porém em tudo parecido com os demais...
Ela correu para ele, bem depressa
e lhe contou o motivo de sua pressa.
Tching escutou, silencioso e bem quietinho...

A MENINA E O PAPÃO IX

Tching falou bem lentamente, então:
"Ah, Meiling, que coisa mais horrível!..."
"Tchang me deu umas lascas afiadas,
Tcheng me deu umas agulhas aguçadas,
mas eu acho que não vai adiantar, não..."

"Acho que tens razão, infelizmente,"
disse Tching, abanando sua cabeça.
"Mas tu sabes que eu ainda sou solteiro
e meu quartinho fica sobre o galinheiro:
é um cheiro horrível e não há quem aguente..."

"Mas, Tching, eu não me importo com o fedor..."
"Escute, eu vendo a titica como adubo...
Toma um pacote com cocô de galinha:
esfrega na tua porta essa pastinha,
que o Papão vai se encostar de tanta dor..."

"Nos seus talhos, a titica vai arder,"
continuou Tching, com voz bem convincente.
"E ele vai sentir ainda mais dor;
ficar meio sufocado com esse odor
e pela estrada bem depressa irá correr..."

E Tching se escapou, devagarinho...
Os olhos de Meiling se encheram d'água...
Os seus amigos todos iam embora
quando mais precisava, nessa hora...
E então mais um surgiu pelo caminho.

Usava o homem sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga na cabeça,,,
Tinha uma trança longa, olhos puxados,
o rosto e os braços meio amarelados,
descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

A MENINA E O PAPÃO X

"Ai, Tchong, como é bom eu te encontrar!"
"Meiling, minha bela garotinha!
Você não estava na casa de seus pais?
Como é que eu te encontro, uma vez mais...?"
Falou o rapaz, sem vontade de parar...

"Tchong, querido, me escuta, por favor!
Eu encontrei o monstro Tereng Ganu
e ele vai hoje de noite me pegar!...
Ele falou que não adianta eu me encerrar:
estou com medo, louca de pavor!..."

"Ora, que pena!  Vou sentir falta de ti..."
"Tchang me deu umas lascas de bambu;
Tcheng me deu um pacote de agulhinhas;
Tching me deu a titica das galinhas,
mas eu não posso passar a noite ali!..."

"Deixa eu dormir em tua casa, por favor!"
Tchong hesitou e falou, embaraçado:
"Olha, Meiling, querer até eu queria,
mas eu não tenho casa... A moradia
é um barraco, sem conforto, nem calor..."

"É apertado demais, meu coração,
fica junto do laguinho dos meus peixes...
Mas escuta, toma aqui esta latinha:
são peixes vivos, põe na tua cozinha,
numa panela, em cima do fogão..."

"Quando o Papão se sujar todo, vai querer
se lavar nessa água da panela...
Aí os peixes vão lhe morder a mão
e depois de mais esta confusão,
ele vai sair aos berros e a correr!..."

A MENINA E O PAPÃO XI

Mas quem muito depressa já corria
foi o Tchong!  E sem perder mais tempo!
Meiling chorou igual que uma criança,
mas logo viu renascer-lhe a esperança,
que um quinto homem na estrada aparecia...

"Ai, Tchung, por favor, não vá embora!"
"Meiling, como é bom eu ver você!..."
"É que eu tive um encontro tenebroso:
no caminho, havia um bicho pavoroso,
que queria me comer na mesma hora!..."

"Ele falou que era o feroz Bicho Papão
e que sabia a casa em que eu morava!
Ele vai hoje de noite me pegar,
vai rebentar a porta e me matar
e eu já estou quase morrendo de emoção!"

"Os outros só fingiram me ajudar:
Tchang me deu umas lascas de bambu,
Tcheng me deu um pacote de agulhinhas,
Tching me deu o cocô de suas galinhas,
Tchong uma lata de peixes quis me dar..."

"Mas depois, todos quatro se escaparam...
Deixa eu dormir hoje contigo, por favor!..."
Tchung falou: "É que eu estou saindo de viagem,
mas eu sei que és menina de coragem,
é uma pena que os demais não te ajudaram..."

"Mas eu tenho do problema a solução:
põe estes ovos na cinza do borralho!...
Para estancar o sangue das mordidas,
ele vai enfiar as mãos feridas,
nessa cinza, que fica embaixo do fogão!..."

A MENINA E O PAPÃO XII

"É que eu só volto daqui a cinco dias...
Mas as cascas vão cravar sob suas unhas...
A dor é horrível e nenhum papão resiste,
nem Tereng Ganu, o mais feroz que existe...
Tenho certeza que do perigo te alivias..."

E Tchung deu dois beijos na menina
e se tocou depressa em seu caminho...
Meiling ficou os ovos agarrando,
com medo que acabassem se quebrando...
Mas outro homem viu dobrar a esquina!

Também usava sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga na cabeça,,,
Tinha uma trança longa, olhos puxados,
o rosto e os braços meio amarelados,
descendo, sem ter pressa, uma ladeira...

"Ai, Tchiang, que bom que te encontrei!..."
Esse era um homem alto e muito magro.
Ela contou-lhe sua história, em arrancos,
interrompidos por lágrimas e prantos:
"Ah, meu querido, o que fazer não sei!..."

"Nem as lascas de bambu que deu o Tchang,
nem as agulhas que me deu o Tcheng,
nem a titica que foi o Tching que me deu,
nem os peixes que o Tchong ofereceu
e nem os ovos, que ao estancar o sangue,

"vão entrar sob as unhas do Papão,
conforme me ensinou a fazer Tchung,
vão conseguir esse monstro afugentar,
ele ainda mais furioso vai ficar:
vai me matar depois de muita judiação!..."

A MENINA E O PAPÃO XIII

"Ora, ora, acho que só isso não adianta...
Mas os peixinhos estão vivos, com certeza...
Será que o Papão fica mesmo satisfeito
só de comer esses bichinhos?  Não tem jeito,
não vai chegar para entupir a sua garganta..."

"Escuta, para menos se perder,
melhor é que você deixe a porta aberta,
ou ele quebra tudo quanto tinhas,
mesmo porque tem umas quantas coisas minhas,
que eu vou pegar, depois que ele te comer..."

"Ai, Tchiang, não brinca assim comigo!...
Deixa eu passar a noite na tua casa!..."
"Minha querida, que casa?  Moro no lixo,
no ferro-velho, igual que nem um bicho,
com umas latas empilhadas como abrigo..."

"Mas eu não quero que o Papão me coma!..."
"Ora, ora, vamos ver o que eu tenho aqui...
Pega esta corda e esta peça de metal,
pendura bem no teto e, no final,
larga na cabeça dele!... Anda, toma!..."

"Você fica escondida atrás da cama
e assim que ele entrar, solta esse ferro
direto em cima da cabeça do malvado!
O ferro mata o monstro, bem matado:
É bem pesado, vê se não reclama..."

"Obrigada, Tchiang, mas não sei..."
"É só largares no momento certo...
Muito melhor que toda essa bobagem
que te deram... Mostra toda a tua coragem...
E agora, vou-me embora, me atrasei..."

A MENINA E O PAPÃO XIV 

Meiling ficou parada no caminho,
fazendo força para agarrar o ferro...
Pensou que até servia como arma,
se sua coragem vencesse seu alarma...
Mas então, viu outro homem, bem pertinho...

Também usava sandálias de madeira
e um chapéu de aba larga na cabeça,,,
Tinha uma trança longa, olhos puxados,
o rosto e os braços meio amarelados,
descendo, sem ter pressa, uma ladeira... 

Reconheceu Tchieng, bem depressa...
"Ai, meu amigo, que bom foi te encontrar!"
"Mas quem será você, minha garotinha?"
"Sou a Meiling, eu sou tua amiguinha..."
"Ah, é mesmo!  Que coisa a minha cabeça..."

"Bem, estou indo para minha caçada...
"Espera, me aconteceu coisa horrorosa!"
"Ah, comigo houve uma coisa parecida:
não achava as minhas flechas na saída,
tinha deixado a aljava pendurada..." 

"Tchieng, me escuta!... O Papão quer me comer!
Tchang me deu umas lascas de bambu,
Tcheng me deu um pacote de agulhinhas,
Tching me deu o cocô das suas galinhas,
Tchong uns peixinhos quis me oferecer..."

"Tchung me deu ovos podres de montão
e Tchieng este ferro tão pesado,
mas eu acho que não vai adiantar nada!
E eu não quero ser hoje devorada!
Estou com medo, vê como bate o coração!..."

A MENINA E O PAPÃO XV

"Tchieng, deixa eu dormir hoje contigo!..."
"Mas, queridinha, eu saí para caçar
e minha casa fica dentro do curtume,
tem um cheiro que não há quem se acostume,
às vezes, até eu mesmo não consigo!..."

"Eu não me importo com o cheiro que tiver!..."
"Tudo bem... Ah, que coisa, me esqueci,
estou indo caçar, o curtume está trancado..."
"Me empresta a chave, então, Tchieng amado!..."
"Tudo bem, se é o que você quer..."

Mas Tchieng por toda a parte procurou
e não achou, nem dentro do chapéu!...
Nem nos cestos balançando de sua vara
e nem nos bolsos da camisa clara,
sem se lembrar de onde a chave ele deixou!...

"Ai, Tchieng, e agora, o que é que eu faço?"
"Olha, eu vou é te emprestar minha faca
de esfolar coelhos, que está bem afiada...
Cortas a corda de uma só talhada
e faz o mesmo que eu, sempre que caço..."

"Chego no bicho e corto-lhe a garganta!...
Se ele estiver tonto, aí ele morre...
Mas eu tenho de seguir para a caçada,
preciso chegar antes da alvorada:
quando o Sol nasce, toda a caça espanta..."

E Tchieng saiu trotando pela estrada...
A pobrezinha ficou a faca segurando,
sozinha uma outra vez, pois cada amigo
tivera medo de lhe dar abrigo
e Meiling ficou ali, desesperada!...

A MENINA E O PAPÃO XVI

Meiling não podia ir à casa de seus pais,
ainda mais com o monstro no caminho...
Assim, como não tinha alternativa,
foi para casa e se manteve ativa,
prendendo a corda e o ferro e as demais

armadilhas destinadas ao Papão.
Deixou a faca junto à cabeceira,
pôs os ovos sob as cinzas do fogão,
os peixes na panela e, no portão,
prendeu as lascas para lhe cortar a mão!

No caminho, todas as agulhas enterrou
e esfregou a porta inteira com titica...
Nem conseguiu fazer a refeição,
de tanto que lhe batia o coração:
trancou a porta e, depois, se colocou

atrás da cama, como Tchiang lhe dissera,
o ferro firme contra o teto pela corda
e a faca bem segura na sua mão,
procurando controlar toda a emoção,
porque tudo o que podia, já fizera...

O tempo foi passando, devagar...
De um cochilo se acordou, em sobressalto,
ouvindo passos pesados no caminho...
E se encolheu ainda mais no seu cantinho,
sem saber se poderia se escapar...

Chegara a meia-noite e as passadas
pararam diante do portão de sua casinha!
"É melhor abrir a porta, garotinha...
Não vai escapar de mim, atrevidinha!..."
disse a voz rouca, por entre duas risadas...

A MENINA E O PAPÃO XVII

"Já que não vai abrir, eu vou entrar...
Mas o que é isso?  Me cortei, que dor!
Há lascas de bambu nesse portão!
Lastimei os meus dedos, maldição!...
Pois simplesmente o portão vou arrancar!"

A seguir, ela escutou o som das patas,
pisando firme na areia de sua entrada
e logo um outro grito: "Ai, um espinho!...
Ai, tem mais outros por todo esse caminho!
Mas não vai ser com isso que me matas!..."

Tereng Ganu na porta se encostou
e logo o ouviu recuar, com mais um berro:
"Ai, as minhas mãos ardendo agora estão!
O que você esfregou aqui, então?
Que cheiro ruim!... Foi titica que passou!..."

Porém o monstro a porta já arrombou,
entre berros de rancor e de ameaça!...
Pois foi correndo à panela no fogão,
para lavar os dedos.  Foi então
que cada peixe uma dentada lhe arrancou!

"Ah, sem-vergonha, o que foi que me fizeste?
Fica sabendo que agora eu vou judiar
o mais que posso e só depois vou te comer!...
Não adianta nada, que na cinza vou meter
os dedos e estancar o sangue, peste!..."

E logo mais um grito se escutou:
"Sua bandida, aqui tem ovos podres!...
Cascas de ovos me entram pelas unhas,
ai, que dor! São afiadas como cunhas!...
Sua bandida!... Mas você se desgraçou!..."

A MENINA E O PAPÃO XVIII

"Por tudo o que me fez, vai me pagar!
Em que buraco foi que se meteu?
Ah, claro, está no quarto!  Estou chegando!"
disse o Papão, a porta atravessando
com as ventas farejando, a procurar...

Olhando em volta, um pouco desconfiado...
Meiling só conseguia era pensar:
"Seu bandido, dá só mais um passinho!..."
E ele deu!...  E chegou, devagarinho,
bem no lugar do ferro pendurado!...

Meiling respirou fundo e, com a faca,
cortou a corda, com um único golpe!
O ferro despencou-se, lá de cima
e caiu justamente sobre a crina
desse malvado que a menina ataca!...

Tereng Ganu caiu sem dar um ai!...
Mas agora, vinha a parte mais difícil...
Meiling saiu de trás da cabeceira,
deu-lhe um talho na garganta, bem certeira
e logo em sangue o monstro já se esvai!

Por um instante, ela pensou só na sujeira
do mal-cheiroso sangue verde pelo chão...
Ela ia ter de fazer toda a limpeza!...
E só então, adquiriu plena certeza
de ter vencido, na hora derradeira!...

Ouviu o rápido bater do coração:
só então notou que nem estava respirando...
Encheu os pulmões, em profunda aspiração
e só depois que recobrou a respiração,
pôs-se a chorar, cheia de alívio e de emoção!...
  
A MENINA E O PAPÃO XIX

Meiling chorou até adormecer...
Quando acordou, já era madrugada.
Acendeu as lamparinas, devagar,
depois o monstro começou a esfolar
e só parou depois de amanhecer...

A pele estava em muito bom estado,
menos as patas e um buraco na cabeça...
Cortou a carne em um monte de pedaços,
tirou os ossos e amarrou em maços,
buscou água no poço e deixou tudo lavado...

E aí, trocou de roupa e tomou banho.
Colocou tudo dentro de um carrinho,
com a pele por cima e foi à feira.
A história toda já correra, bem certeira
e o espanto de todos foi tamanho!...

Mas logo todo mundo quis comprar
a carne do Papão e até os ossos!...
Era remédio, conforme acreditavam...
Mas era a pele que todos disputavam:
Meiling esperou até o preço aumentar...

Foi então que chegou o intendente
do Mandarim, com cinquenta taéis,
em moedas de brilhante e puro ouro.
Meiling vendeu então o grande couro:
uma fortuna para aquela gente!...

Comprou logo uma charrete e roupas ricas
e foi depressa para a casa de seus pais.
O bolo não levou, mas mil presentes
e seus pais a receberam, bem contentes,
que ao ver os filhos, sempre alegre ficas!...

A MENINA E O PAPÃO XX

Até fingiram que nem tinha fugido
(porque o dinheiro apaga muitas faltas!)
Comprou-lhes uma casa bem maior,
passaram a viver muito melhor
e já pensavam em lhe arranjar marido!...

Seis dos amigos logo se apresentaram
(até o casado prometeu se divorciar!)
A ambição lhes brilhava no olhar nu...
Meiling a Tchang deu as lascas de bambu
e a Tcheng as agulhas que sobraram!

Para Tching, deu titica de galinha!
Para Tchong, uma lata de peixinhos...
Para Tchung, ovos podres devolveu,
Mas a Tchiang um bom preço ela lhe deu
pelo ferro e aquela corda bem fininha...

Mas depois, ela mandou irem passear...
(Bonita ajuda que vocês me deram!)
Eles se foram, bem desapontados,
pois pretendiam já sair casados,
sem nada conseguirem arranjar!...

Até que Tchieng também apareceu
e comentou que seu presente era o melhor...
Que até a faca fizera falta em sua caçada,
que nenhum dos outros a ajudara em nada...
Tanto falou, que até a convenceu!...

E Meiling concordou em se casar
com Tchieng, o dono do curtume...
Viveram muito tempo, apaixonados,
seus filhos todos muito bem educados
e aqui a história tenho de acabar!...

Entrou pela porta e saiu pela janela:
quem quiser outra, que tire da costela!...