sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

PERGAMINHOS I

O tempo é um poema  e as letras somos nós,
as vidas são a tinta em papel de coração:
existe uma tristeza em cada pontuação,
mas cada frase torna da esperança empós.

Reunimo-nos em letras e mesmo quando a sós,
sabemos ser maiúsculas em plena solidão,
na qual à letra "e" se mostra compaixão
e tudo se reúne na síntese dos nós...

Parágrafos nós somos do velho pergaminho,
embora existam tantos sequer dos rodapés
fazendo parte... e, em tais prosopopeias,

são vírgulas de amor, dois pontos de carinho
e, a cada exclamação, achamos novas fés,
em cujas reticências renovam-se epopeias.


domingo, 26 de dezembro de 2010

Raízes da Chuva I


existe um porto que seduz as almas
a andar famintas pela escuridão;
o nome desse porto é coração:
fica em meu peito nestas tardes calmas.

eu as recebo todas, uma a uma
e escuto seus queixumes como um pai;
depois redijo tudo o que me vai
na própria alma, no canto que ressuma

depois de receber mil confissões
de tantas almas que escuto e que apadrinho,
pois são suas vozes que em meu canto saem.

por isso, não estranhes as canções
a digladiar-se, em ato bem mesquinho,
das confidências que em meu porto caem.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL

A
luz
que
é
pouco mais
que     uma
 c en te  lha,
Tre me luz,
 num  suave
resplendor,
 E, ao  bater
 numa   lisa
  su per fície,
 que a nova
  luz,  assim,
  de     novo,
  e s p e lh a,
    bem depressa renova seu fulgor.
    Se fores áspero, não refletes nada,
    mas se mostrares lisura como ideal,
    por ti será a chama re-espelhada,
    nesse renovo de um FELIZ NATAL.


quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Listagem de poemas e traduções mais recentes

(Esta lista inclui somente as séries completas e revisadas até 11/12/2010).
Delphos - 1/8/79 - revisado 12/8/10;
Estilhas - 1/8/79 - revisado 2/11/10;
Recordações - 1980-2006;
Telogonia - 12/2006 - revisado 12/7/2007;
A Filha de Apollo - 2006;
Amor de Câmara - 2006;
Canto Indeciso - 2006-2009;
Ritornello das Horas - 5/2007;
Manifesto Solipsista - 17/8/2007;
Voragem (Maelstrom) - 12/7/2007;
Paradoxo de um Tolo - 2008;
Denúncia - 2008;
Sílfide - 2008;
Talismã - 2008;
Coleópteros – 2008;
Dionysos I – 2008;
Nostalgia - 2008 - revisado 23/5/2010;
Alcorão - 2009;
Bolhas de Sabão - 2009;
Corte Impura - 2009;
Evanescência - 2009;
Dionysos II - revisado 01/04/2009;
Globos Herméticos - 2009 - revisado 19/4/2010;
Fogo de Fantasmas - 2009 - revisado 21/10/2010
Poemas Gauchescos - 25/2/2009;
Simulacros - 3/5/09 - revisado 10/3/2010;
Honestidade - 6/05/09 revisado 18/05/09;
Hégira - 18/5/2009;
Moldaduras - 18/5/2009;
Evanescência - 29/5/09 revisado 10/3/10;
Sombra da Água - 17/6/2009 - revisado 10/6/2010;
Espera Inútil - 22/6/09 revisado 10/3/10;
Nitridos - 4/7/2009;
Versos Mortos - 11/7/09 revisado 10/3/10;
Véus de Tule - 14/7/09 revisado 10/3/10;
Esculturas - 19/7/09 revisado 10/3/2010;
Diversidades - 20/7/2009;
Miragens - 25/7/2009 revisado 10/3/10;
Metempsicose - 29/7/2009 revisado 2/6/10;
Foice - 01/08/2009;
Queimando as Águas - 14/8/2009;
Miragem Espúria - 01/09/2009;
Versos Ocos - 16/9/09 revisado 10/3/2010;
Tonadilla - 18/9/09 revisado 10/3/2010;
Gotas de Aço - 22/9/09 revisado 10/3/10;
Avassalagem - 11/10/09 revisado 10/3/10;
Esquivança - 16/10/2009;
Em Busca do Outono Perdido - 3/12/2009;
Olhos Partidos - 30/12/2009;
Ósculo - 18/1/2010 revisado 17/6/10;
Cacos de Água - 22/1/2010;
Rimas Paralelas - 24/1/2010;
Meimendro - 30/1/2010;
Tycheian Sonnets One - 30/01/10;
Contemplação - 6/3/2010;
Lamparinas - 10/3/2010;
Fios de Espelho - 14/3/10;
Olaria - 18/3/2010;
Enchente - 01/04/2010 revisado 6/5/10;
Em Paga Duvidosa - 08/04/2010;
Experiência - 10/04/2010;
Globos Herméticos - 19/4/2010;
Chronos - 29/4/2010;
Dionysos III - revisado 6/5/2010;
Dionysos IV - revisado 6/5/2010;
Degraus - 16/6/2010;
Chamas Negras - 17/6/2010;
Lâminas de Vidro - 23/06/2010 - revisado 02/07/2010;
Pergaminhos - 25/6/2010;
Destino Paralelos - 27/6/2010;
Ferraria - 08/07/2010;
Gatos Hesitantes - 18/07/2010;
Jericó - 21/7/2010;
Fel - 30/7/2010;
Grãos Vazios - 5/8/2010;
Tycheian Sonnets Two - 14/08/10;
Carretéis - 30/9/2010;
Embalsamamento - 30/9/2010;
Sucedâneo - 03/10/2010;
Sonho de Arsênico - 10/10/2010;
iKlawa - 13/10/2010;
Desvairança - 21/10/2010;
Fogo de Fantasmas - 27/10/2010;
Cupíns de Vento - 02/11/2010;
Lápides de Azeite - 07/11/2010;
Lábios de Vento - 25/11/2010;
Yersenia pestis - 2/12/2010;
Colecionadores - 4/12/2010;
Espectros Digitais – 11/12/2010.

(Traduções mais recentes)

Sistema de Televisão via Satélite 37STV – Raymarine – 139.199 caracteres – traduzido do inglês para Marine Express – 4/11/2010;

Absolute Movement Measurement and Trajectory Invariance in Michelson-Morley Interferometer – Clarck J. Fonseca Dipp – Traduzido para o ingles;

TERM OF REFERENCE FOR THE HIRING OF A CONSULTING FIRM TOWARD THE ELABORATION OF A PROJECT FOR AND THE IMPLEMENTATION OF A CORPORATIVE GEOGRAPHIC INFORMATION SYSTEM, INCLUDING SOFTWARE AND HARDWARE LICENSING, APPLICATION CUSTOMIZATION, INTEGRATION WITH EXTANT FACILITIES AND A SURVEY OF 300 KILOMETERS OF ASSETS IN THE PRESENT WATER SUPPLY AND SEWAGE COLLECTION NETWORK IN THE COUNTY OF BAGÉ – Prefeitura Municipal de Bagé 220.630 caracteres – Traduzido para o Inglês.


segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

FOGO DE FANTASMAS

FOGO DE FANTASMAS I

Nas cataratas que meu corpo descerá,
percorrerá o Nilo e o Mississippi:
cabelos longos no trajar de hippie,
emaranhados assim, ao deus-dará.

Contempla o íbis e a fragata piará,
num marcapasso que não faz mais bipe;
meus guarda-costas descerão do jipe,
mas seu chamado não me dissuadirá.

Eu descerei depressa a meu jazigo,
nesse rio subterrâneo de ameaça,
enquanto vejo as sombras me saudarem

E meus fantasmas me darão abrigo,
nesse albergue em que o sonho se desfaça,
cujos deuses me fitam, sem piscarem.

FOGO DE FANTASMAS II

Lavei as mãos no fogo e vi o vento
enebulado pela aragem fria,
transpassado pela luz que me alumia
o coração em compassado e lento

palpitar desprovido de portento,
morna minha alma pela nostalgia,
morno meu corpo despido de histeria,
morna minha mente em todo o pensamento.

Nessa nuvem piroplástica em que estava,
meu coração brunido nesse abrigo,
reconstituído pelo ardor de meu perigo,

lavei as mãos na lava que me lava,
escondido nas faldas de um vulcão,
e evaporei-me, em plena exaltação.

FOGO DE FANTASMAS III

Quem me olha do espelho é meu fantasma:
meu duplo, que é mais belo do que eu.
Esse rosto que percebo, não é o meu,
por mais que imite o quanto de mim plasma.

É uma ilusão somente, que me pasma:
essa figura tem um mundo seu.
O meu passado já conhece e leu,
mas é somente reflexo e miasma.

É por isso que me ilude e me consola
do rosto feio das fotografias,
que não quero sequer reconhecer,

nessa incerteza que minha vida assola,
a corrigir tantas desarmonias
a que a autoimagem se recusa pertencer.

FOGO DE FANTASMAS IV

Ao te veres no espelho contemplado
com outra imagem que nas fotografias,
pensa bem no que fazes.   Poderias,
se não tiveres um pouco de cuidado,

por essa mesma imagem ser trocado.
Desse mundo do espelho, aonde irias,
não saberás padrões nem fantasias:
talvez sejas pelo espelho devorado.

Sabe-se lá!... Por essas luzes puras,
quais os caminhos que se irá trilhar,
que estranhas sendas podem-se encontrar,

quando esse corpo concreto em que perduras
abstrato se torne, em novos zelos,
como a figura de tantos pesadelos...

FOGO DE FANTASMAS V

Este mundo em que te encontras, talvez seja
do verdadeiro só a imagem especular:
quem sabe se tua mente agora enseja
nada mais que os sinais do imaginar;

quiçá em outro mundo agora esteja
essa figura do espelho, singular:
esse teu duplo só Deus sabe se não beija
aquele outro que mais quiseste amar.

Repara como as coisas bem depressa
se modificam, com tua aproximação:
vão aumentando, quando chegas perto,

vão diminuindo a cada vez que as meça
o teu olhar, em cada afastação:
quem sabe crias o seu tamanho incerto?

FOGO DE FANTASMAS VI

Se assim for, vê como o mundo é relativo:
nenhuma coisa tem tamanho exato,
nem o alimento posto no teu prato,
nem as pegadas de teu passo vivo.

O mesmo ocorre com teu amor no crivo:
como a distância te comprova o fato,
que traz olvido te murmura o boato,
no afastamento do sonho mais altivo.

Se as coisas são assim, se tudo muda,
se até mesmo teu rosto se transmuda,
na medida em que te afastas de tua infância,

que te garante qualquer outra permanência?
Talvez tudo não passe de demência
e seja a vida tão somente uma lembrança.

FOGO DE FANTASMAS VII

Um beijo é um beijo e passa transitório:
é o prazer de uma gota de suspiro,
é a mente na tortura e a alma em giro:
a venda de ilusões, no seu empório. 

Mas a espera desse beijo, por inglório
que possa parecer o alvo que miro,
é um adiamento em que o prazer estiro,
até que o instante chegue, peremptório.

Que nesse beijo, por tanto antegozado,
minha boca na tua boca, eu sentiria
toda a tristeza que dentro dalma brota...

Pois ao vê-lo, finalmente, realizado,
perderei a antecipação que me nutria
e o meu desejo... no beijo assim se esgota.

FOGO DE FANTASMAS VIII

O que se faz com folhas de esperança?
Põe-se num copo e espera-se rebrote...
Tênue raiz o recipiente esgota,
em cada filamento de abastança...

Robustas as raízes, sem tardança:
escolhe-se da espera uma só quota,
que em pleno coração então se bote,
sugando nossas veias em bonança...

Ainda que cause essa esperança enfarte,
em seu colesterol de rica espuma,
não posso conceber mais doce morte.

Pois cada artéria pura toma parte
e a dor que chega é leve como a pluma,
quando morrer de esperança é nossa sorte.

FOGO DE FANTASMAS IX

Evito retratar-me, porém, se acaso o deixo,
um bom esforço faço para sair mais feio:
perder nacos da alma é quanto mais receio,
mas se perder defeitos, de certo não me queixo.

Em cada foto assim parece-me desleixo
deixar que o próprio rosto se prenda de permeio:
minha imagem corporal na vida é meu esteio,
que me mantém erguido como tutor de freixo.

Se neles saio belo, percebo que melhor
fagulha de mim mesmo me foi obturada
e perco ainda mais em foto digital...

E, por perder virtude, me torno ainda pior,
nessa sutil ausência da imagem decepada,
largada assim de mim no mundo natural.

FOGO DE FANTASMAS X

Contra a tela do pecê eu busco em vão
mascarar minha imagem turmalina.
Sempre existe cobertura que me ensina
que meu fantasma, em digital paixão

não foi informatizado. É um pobre anão
em termos cibernéticos.  Se inclina
mais ao mundo especular, lâmina fina,
ligada a um mundo de frustrada união

com este que eu habito. Dimensão
de lisura aparente, enquanto aventa
alternativas mil para um orgasmo,

que me fatia assim o coração,
nessa incerteza que a avidez ostenta,
em lago puro, feito de marasmo.

FOGO DE FANTASMAS XI

A luz desse meu duplo é luz de olvido;
nas faldas de minha mente está inserido
esse objeto de uma vaga percepção:
igual imagem que em câncer tem nascido.

Por isso a tais exames, com razão,
meu corpo e crânio furto, na isenção
desse tumor em que sempre tenho crido:
qual selvagem ignorante na emoção.

Não se procura, se não se quer achar;
por que a ideia de tumores despertar,
quando não há sintomas, nem suspeita?

Quem sabe não é o exame preventivo
que gera esse sofrer sem lenitivo,
quando um fantasma de mim meu corpo aceita?

FOGO DE FANTASMAS XII

Porque, afinal, quem sabe se o espelho
se encontra aqui, do lado em que eu estou?
Esse ser independente que hoje sou
talvez seja ilusão, um sonho velho

e o fantasma sou eu, fugindo ao relho
da irrealidade e esse que ficou,
o sorriso de ironia que brotou
é por saber do mundo que destelho.

E sou apenas unidimensional,
enquanto me contemplo, real imagem,
por trás de quem mundo maior existe...

Quem sabe até se a coisa é mais fatal
e sou cópia de um fantasma sem coragem,
que atrás de si um ser concreto aviste...?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

BOLHAS DE SABÃO


BOLHAS DE SABÃO I

Eu gostaria que meu coração,
na busca pelo arco-íris de beleza,
na conquista das nuvens, com certeza,
se transformasse em bolha de sabão,

soprada assim, pela respiração
de um hálito gentil, em sua pureza,
todo o ar contido, com delicadeza,     
seria doçura de infantil noção;

sobre as asas do vento voaria,
rutilante, fragrante, multicor,
tão leve quanto o vento em permanência,

até que, em breve, a bolha explodiria
o seu ar interior, num só fulgor,
a se fundir no céu, em vaga essência...

BOLHAS DE SABÃO II

Se for pensado bem, não é, afinal,
o que transcorre mesmo em nossas vidas?
alguém nos assoprou, nas incontidas
vagas do vento, em vôo matinal...

A Terra inteira, tigela do irreal,
as tempestades a soprar, contidas
num silvo poderoso, imensas lidas
em cada tromba d'água sideral!...

E quem nos diz, se ao topo dos ciclones,
não se formam outras bolhas de sabão?
Que na luz desse esfuziante turbilhão

novas estrelas, miríades de clones,
não se achem assim em criação,
tais como o brilho das lavas de um vulcão?

BOLHAS DE SABÃO III

A cada impulso o vento mais borbulha
e se transforma em vidas em botão:
são gotas brancas as bolhas de paixão,
como as sementes guardadas numa tulha;

bolhas de neve, que a emoção debulha:
em cada cerejeira há uma canção,
nessas pétalas que leva o turbilhão
e que os caminhos, num carpete, entulha;

somos todos assim, gotas de vento,
milhões de vidas brancas que se perdem,
apenas bolhas em estouro iridescente;

voamos em suave movimento,
até explodirem os sonhos que se herdem,
numa película de lúcida semente.

BOLHAS DE SABÃO IV

Pois toda vida humana é apenas bolha,
que, às vezes, só refulge num instante
e então se embota, pouco interessante,
para servir de luz que o sol escolha;

de outras vezes, enverdece feito folha,
reflete a flor e o fruto mais fragrante,
grande o bastante para ser mirante,
do vento e chuva que seu filtro molha;

mas todas têm destino semelhante:
as pequenas duram mais, sendo modestas,
que o fulgor das que expandem nessas festas,

levando-as a implodir, nesse extasiante
frescor de alma, que lhes revela a carga:
brilho fugaz, que num luzir se alarga!...

BOLHAS DE SABÃO V

A obra inteira humana é semelhante:
uma bolha que cresce, lentamente,
ou que se expande num fragor luzente,
até ocupar um trono triunfante.

Mas termina a expansão desse semblante
e igreja e império, arte ou meramente
uma explosão demográfica frequente
sempre reflui, passado o seu instante.

É apenas vaivém de outra maré:
a bolha cresce e encolhe qual luar;
a bolha aumenta e acaba num estouro;

a bolha se definha e perde a fé,
ou se reduz a umidade, em luz sem par,
gota implodida numa bolha de ouro.

BOLHAS DE SABÃO VI

Mesmo assim, eu queria ser a bolha
a iluminar os céus, breve fulgor,
pequena estrela, doce como o amor,
apenas a regar mais uma folha,

nesse livro da vida, sem que escolha,
por um momento, volume ou seu valor:
aumenta a íris a cada resplendor
e estanca a morte sem que a vida encolha;

nessa leve ablução, toda a energia,
aprimorada pela distropia,
se esparze como gotas de luar...

E assim eu quero ser: nessa harmonia,
por toda a atmosfera me espalhar
qual uma lágrima que brota em cada olhar...

BOLHAS DE SABÃO VII

Se eu me tornar em bolha de sabão,
que seja inteiramente o conteúdo
que, com fina película, eu escudo,
o resultado de tua expiração.

Eu flutuarei ao redor da inspiração
que me concede o bafo em que me iludo:
nada direi: serei arco-íris mudo,
de teu hálito somente a difração.

Parece pouco, sim, é quase nada,
mas prender em meu corpo o teu respiro,
por mais me trame um sonho passageiro,

é abstração da alma iluminada,
pois só ao redor de ti inteiro giro,
até o momento do instante derradeiro.

BOLHAS DE SABÃO VIII

Também a Terra é bolha de sabão,
assoprada por cachimbo de gigante:
o sopro dos vulcões é a delirante
massa gasosa de tal respiração.

Outros planetas, na mesma gestação,
foram soprados ao sabor do instante,
são bolhas de sabão, concomitante
o surgimento do esférico condão.

Uma bolha já estourou, além de Marte,
e antes de Júpiter, pequenos fragmentos,
nas gotas de asteróides numerosos;

também cometas surgiram desta arte,
gerados pelos céus, em mil portentos,
novéis arco-íris em nuance esplendorosos. 

BOLHAS DE SABÃO IX

De um só cadinho nasceu minha geração:
iridescentes gotas assopradas,
na atmosfera social amarfanhadas,
pelos caprichos da antiga promoção.

Houve bolhas ovais, bolhas quadradas,
todas brotando da mesma exalação,
gotas em cruz, em espingarda, em vão,
pelos ventos sociais reprojetadas.

Mas houve novas brisas de entremeio:
as pobres bolhas perderam direção,
atoleimadas como nuvens mortas...

Recalcitrantes bolhas em retortas,
cuja esperança mortalmente veio,
como bolhas de ar no coração...

BOLHAS DE SABÃO X

Bolhas de sangue brotando da paisagem
marcada outrora por purpurações
cardinalícias, impuras ilusões
dessas bolhas de linfa em pespontagem...

Bolhas de lava brilham dos vulcões,
determinadas desde a prima aragem
a demarcar, em cinza malandragem,
os óvulos perpétuos das canções...

São essas bolhas, suores feitos pedra,
brotando pelas goelas pubescentes
que um novo mundo alvitram de estridor,

basalto rubronegro, em que só medra
o cardo multicor de espinholentos
fetiches escarlates de esplendor.

BOLHAS DE SABÃO XI

Bolhas de suor brotando de meu rosto,
irradiadas pelos dedos do poente,
pequenos sóis tais gotas, no iminente
esgotar de minha mágoa e meu desgosto,

bolhas de cor e ardor, bolhas de mosto,
irisadas à luz do sol nascente,
bolhas benditas, bolhas de minha mente,
a pelejar na toada e sonho posto...

Essas luas que na testa se incendeiam,
mil estrelas de anil ao sol do sul,
mil outras almas a escorrer-se em rios,

que o corpo inteiro de bolhas me permeiam,
na igual levitação de um dia azul:
bolhas da morte em incontáveis fios...

BOLHAS DE SABÃO XII

A vida é essa menina caprichosa
que nos segura na ponta de um cordão:
preso no fio se encontra só um balão,
bolha de gás, flutuando, melindrosa,

Não nos convém seja a vida cor-de-rosa:
tal arbusto traz de espinhos profusão;
ao colher uma rosa, o coração
pode estourar, por ser bolha gasosa.

Muito melhor é o azul do firmamento --
ou ser galhos, folhas secas, mesmo pó,
que não nos possa conduzir a uma explosão;

Mas a vida, em seu volúvel sentimento,
nos abandona num instante só:
basta que abra os dedos de sua mão!...

BOLHAS DE SABÃO XIII

E quando a vida decide abrir a mão,
rompido o fio de prata, para aonde,
em que nuvem ou estrela é que se esconde,
inteiro ou rebentado, o meu balão?

Para onde irá, quiçá, a expiração,
qual será o firmamento que então sonde
o gás desta minha bolha, qual o aonde,
em que se perca tal perspiração?

Se rebentar a película, teu ar
se espalhará em chuva seminal
e eu ficarei pendurado e sem ter dono;

mas se esse gás na bolha conservar,
será um amor egoísta e sem final:
bolha e sabão no abraço do abandono...

BOLHAS DE SABÃO XIV

No baraço do fio desses balões,
no simples sopro do vapor carbônico,
as multicores bolhas do canônico,
gregoriano coral dos corações,

se retorcem nos céus, em multidões,
presas de leve, apenas, catatônico
o cordão tenso em salmodia harmônico,
harpas eólias no jogo das monsões;

rodopiam no céu, bolhas de seda,
no tegumento da maior finura,
plena a constância a seu total perjúrio;

no zarzuelar do vento, a bolha é leda,
cortinas de balões, na imensa altura,
enovelados em bolhas de murmúrio.

BOLHAS DE SABÃO XV

São estas bolhas de vidro e de passado,
bolhas de areia, bolhas de ampulheta,
bolhas do vinho mais puro na galheta,
bolhas de ossos em crânio transpassado,

são estas bolhas de carne, lado a lado,
explodindo no crescendo dessa meta,
no leite do sabão, estranha teta,
que cria bolhas num pilão rachado...

Minhas bolhas de sabão são mil quimeras:
sonhos inúteis reluzindo a esmo...
Não obstante, eu quero ser a bolha

que brotou de teus lábios, par de feras,
nessa tocaia que provoco eu mesmo,
bolha de âmbar na ponta de uma folha...