terça-feira, 30 de maio de 2017




MADRÉPORAS NEGRAS – 17 JAN 2008
Duodecaneto de William Lagos

(Madrepora oculata [com inserção de uma lagosta])

MADRÉPORAS NEGRAS I   (2008)

Já se aproxima do ano a estação turva,
que medeia sempre entre o final de outubro
e o início de novembro e me descubro
a pensar nos vizinhos de além-curva,

duas quadras logo abaixo de minha casa,
duas quadras logo abaixo de minha vida,
em sua morada por derradeira tida,
que nem sequer possuem cova rasa,

mas são engavetados, em arquivos,
à espera das baratas, da umidade,
que lhes devoram mente e coração,

enquanto as locações pagam os vivos,
senão,  vem o despejo, em quantidade,
para o ossário, em que não têm sequer caixão!

MADRÉPORAS NEGRAS II

Que me reserva o destino palpitante
é coisa que não sei.   Eu sei apenas
que inda verei rebrotar as açucenas
durante um dia de calor.   E refrescante

será a visão perfumosa desse instante,
permeio dos odores de outras cenas
bem menos perfumadas, de outras penas
por que passei e passarei rampante,

nessas centelhas de alheios desatinos...
O fardo não é meu...  Não sei, sequer
se provarei um outro beijo de mulher

ou se hoje mesmo por mim tangem os sinos.
Carrego as tardes e aguardo, indiferente,
sem saber se inda amanhã estou presente.

MADRÉPORAS NEGRAS III

Mas a saudade me amolga qual preguiça
de enfrentar esse meu computador
com palavras virtuais, mas sem calor
novos desprezos e descasos nessa liça,

quaisquer amores de índole castiça,
novos versos redigindo, mas sem cor,
que é assim comigo.  Ao fim de cada amor,
nova ilusão toda minha mente atiça.

Longo verme de amor, de crista erguida,
seus filamentos e proglótides avançam
e sobre as válvulas do coração se lançam,

até que as larvas da quimera percebida
se retorçam contra as linhas da acolhida
e só me encontro a digerir outra saudade...

MADRÉPORAS NEGRAS IV

Algumas vezes já pensei que te possuía,
depauperada minha certeza assim
no meu teclado essa tua alma de jasmim
virtuais palavras que então eu redigia.

Essas mil vezes pensei que conseguia
guardar teus trechos de desejo para mim,
que tais desejos nem tivessem fim,
acompanhando-me enquanto eu existia.

Metade de minha vida encontradiça
nesses linhas de versos sem calor,
nunca mais quentes que as folhas em que os lia

um longo verme de crista que se eriça
esse meu sonho de perpétuo destemor,
que não temia tombasse em desvalia.

MADRÉPORAS NEGRAS V

A maioria das pessoas sente
durante o outono, certa melancolia,
nesse tombar das folhas, nostalgia
pelo verão que se afasta do presente.

Mas eu me sinto, ao contrário, bem contente:
é para mim da folhagem a elegia,
a seiva a recolher-se em harmonia,
para em nova primavera ser potente.

Assim é nossa vida.  Folhas caem,
são recolhidas dentro de caixões
e guardadas em gavetas tenebrosas.

Contrariamente às que de árvores saem,
que de algum modo nos alentam corações
no incenso da fumaça dessas rosas.

MADRÉPORAS NEGRAS VI

Um dia, eu subirei pela montanha
que uns chamam de morte;  eu de caminho;
meu não será só destino comezinho,
pois para mim será vitória ganha.

Sempre encarei essa fuga como estranha;
vem nos momentos de maior carinho,
quando menos se espera, de mansinho,
galgar a estrada e ver glória tamanha,

tal qual jamais encontrei por esta vida,
lá onde os Tronos me darão guarida,
segundo espero, pois fui servo fiel,

uma boa ferramenta a escorrer mel
por entre os dedos que chamaram versos,
da longa espera por vastidão conversos.

MADRÉPORAS NEGRAS VII

Eu sei que é longa a espera, mas, talvez,
seja o presente meu derradeiro voo;
estes poemas que de meu sangue eu coo,
podem ser os finais que a mente fez.

Só tu és o vento que me leva, tu, que lês;
és tu que sopras as nuvens em que escoo
os sentimentos que diariamente doo,
és tu, mulher, quiçá, que jamais vês

quando a teu lado, inda invisivelmente,
passo com ritmo bem rápido e frequente,
porém diverso daquele em que te embasas,

cumprido esse meu voo, finalmente,
apenas roço sobre ti, sopro dolente,
querendo igual ser o vento de tuas asas.

MADRÉPORAS NEGRAS VIII

Até onde longe é longe para o amor?
Se estamos juntos e parece perto,
acha-se às vezes o coração deserto,
perdida às vezes da alma o seu candor.

Até onde o longe é como um campo aberto,
que se pode cruzar sem estridor,
de alma pura, nenhum plano diretor,
sem projetarmos qualquer destino certo?

Se estás ausente, embora de meu lado,
longe é tão longe quanto estrelas frias,
coaguladas da noite na amplidão.

Se estás presente, embora no passado,
não existe longe, que perto só estarias,
permeio às fibras de meu coração.

MADRÉPORAS NEGRAS IX

Até em que ponto longe é longe para o amor?
Só estás bem longe, em geografia distante,
mas guardo o brilho da boca delirante,
aureolada de saliva, em pleno ardor!...

E se recordo em meus lábios teu sabor,
revestido de estrelas e inconstante,
mas persistente em meu sonhar errante,
ao céu da boca prendo a lua de calor!...

Se recordo tua língua em sua textura,
contra meus dentes e minha boca impura,
ainda me ferve o calor desse teu beijo;

longe não estás, se preso nos teus dentes
está meu coração, mordidas rentes,
a mastigarem mil centelhas nesse ensejo.

MADRÉPORAS NEGRAS X

Até que sítio longe é longe para o amor?
Quando se guarda a lembrança cristalina,
quando se punge um olor de turmalina,
quando a turquesa do ensejo é meu valor,

quando tua imagem se reveste de rubor,
quando teu peito só para mim se inclina,
quando a memória dilata-se, prístina,
quando a emoção é um divinal terror,

quando teu ósculo é gruta de calcário,
quando teu corpo é um carmesim sacrário,
em capela triunfal, lúbrico monge,

somente tange o rosário de teu sexo,
que à religião e à vida empresta nexo,
mais certamente do que existe o longe!...

MADRÉPORAS NEGRAS XI

E até que ponto perto é perto para o amor?
Quando a meu lado insistes em recato,
quando amor mais demonstras pelo gato
que pelo homem que te deu tanto calor?

Quando te esfumas na hora do sexor,
quando transformas a ilusão em simples fato,
quando até os sonhos mansamente mato,
dentre a famélico ordálio de rigor!...

Quando proferes palavras de despeito
e me acusas de um mal que não aceito,
por sempre te buscar de peito aberto,

somente então reconheço o estranho ódio
que me revelas assim, perto do pódio,
sem que nos sobre um lugar que seja perto.

MADRÉPORAS NEGRAS XII

Que um tempo houve em que te dava anéis,
de madrépora formados e abalone,
de cada concha em que mar nos ressone
contra o coro dos marítimos bedéis,

de Netuno os tritões em seus quartéis
feitos de anêmona e corais, em puro cone,
duas conchas que fingíamos ser fone,
muito mais ricos que os terrestres reis!...

Mas o tempo passou e rachaduras
causadas foram por golpes dessas férulas
dos mil rancores e maldições secretas,

e agora vejo racionais nossas loucuras,
e sinto lástima de que tantas madrepérolas

de iridescentes, já se tornaram pretas...

segunda-feira, 29 de maio de 2017




ANJOS OU DEMÔNIOS – 11-20/4/17
Novas Séries de William Lagos

(A tulpa do compositor Charles Gounod segundo W. C. Leadbeater)

ANJOS OU DEMÔNIOS I – 11 ABRIL 17

Muitos afirmam ter escutado vozes
ao se encontrarem em plena solidão:
alguns profetas ser se afirmarão,
ordenanças a escutar em longas doses,

ou ao contrário, repreensões desses algozes
que serem anjos ou demônios pensarão;
os que se furtam à dominante religião,
de Marx escutam as ordens mais ferozes.

Também escuto sons, se estou sozinho,
quando recordo da vida o tempo velho,
quando gemem para mim os dias perdidos,

pois com milhares de mim então me alinho,
enquanto em vão eu busco algum conselho
no som do sangue a pulsar em meus ouvidos!

ANJOS OU DEMÔNIOS II

Este diálogo cerebral da parte esquerda
com a direita já é de há muito mencionado;
de muitas formas já foi interpretado:
dizem que a parte direita é bem mais lerda,

enquanto a esquerda carda maior cerda;
tal como alheio espírito ali sediado,
o seu tear com mais frequência é acionado
por um comando que do antanho a gente herda.

Já falavam os romanos em dois manes,
as duas sombras que possui qualquer humano,
eterno espírito abarcando gerações,

enquanto nova alma hoje reclames,
sempre que vida nova ganhe afano
pela constância de mil reencarnações.

ANJOS OU DEMÔNIOS III

Nem mesmo as vozes destes meus poemas
escutarei em minha mansão secreta;
qualquer que seja a inspiração dileta,
ela murmura em doses tão pequenas

que tão somente meus dedos nessas cenas
são acionados para a ação direta
e me surpreende a conclusão concreta
das alegrias sussurradas junto a penas...

Esse diálogo sei bem que me pertence,
não sendo a voz de Deus nem de diabo:
quem serei eu para ter dom de profecia!?

Somente o dom de línguas a mim vence
mas de seus resultados não me gabo,
sem jamais me orgulhar desta poesia.

ANJOS OU DEMÔNIOS IV

Muitos afirmam que tulpas em si abrigam (*)
e com elas em constância se aconselham.
em frequentes decisões então se espelham:
talvez respostas a seus problemas digam!...
(*) Companheiros imaginários criados desde a infância.

Mas são as redes neurais que assim se ligam:
sem esquizofrênicos ardores que se talhem,
nem consciências externas que nos ralhem,
se nos furtamos aos caminhos em que sigam.

Não há lugar para essa estranha emanação
em minha mente.  Controlo esse terreiro,
mesmo que sejam bem frágeis as minhas ripas;

pois são de mim apenas a manifestação,
enquanto eu busco invisível companheiro
e só encontro dentro em mim belas tulipas!...

ALCATRUZ I (Vaso de Barro) – 12 abr 17

Bem mais que nossos próprios genitores
nós somos de nós mesmos mães e pais.
Durante a vida, construindo vais
tuas tendências pessoais e teus ardores.

Tuas experiências te influenciam mais:
o ódio alheio, o desdém, vários amores,
tua relação com patrões e professores
e se as tiveres, as noções espirituais...

Mas tanta vez nos obriga a sociedade
a agir de modo oposto ao que queremos,
obrigações a nos impor a esmo!...

E quando taxas atendo à saciedade
e tudo o mais que evitar já não podemos,
eu me percebo como órfão de mim mesmo!...

ALCATRUZ II

Então conheço ser de barro um vaso
que constituí, amassando argila fina,
porém tendo espessura pequenina,
sujeito assim aos empuxões do acaso.

Meu recipiente cheio fica raso
a cada empurrão com que se inclina
e já maior rachadura me assassina,
senão a vida, ao sonho em que me embaso.

Tenho certeza de não ser apenas eu.
A vida é cheia desses encontrões.
Somente aos poucos teu valor repões,

mas sempre algo precioso se perdeu,
quando menos esse tempo do passado
que não se recupera ao ser vazado...

ALCATRUZ III

Porém se somos de nós mesmos genitores,
não nos podemos guardar na sepultura;
essa orfandade é aparente e impura,
sempre nos podem retornar velhos pendores,

sangue e saliva dalma ainda senhores,
formando pasta a recobrir a rachadura,
como um remendo contra cada agrura,
sem que, de fato, esgotem-se os ardores.

Mas se ao invés, for demasiado o choque,
de tua beirada poderá cair um caco
(isso que chamam de coração partido)

e em tal surpresa, qual de clarim o toque,
fica o caráter a ostentar triste buraco,
tal e qual velho castelo derruído.

ALCATRUZ IV

Até hoje, muitos cacos eu repus,
porém tanto de mim gastei em versos,
nessa farinha de barro tão dispersos,
que já o verniz externo não reluz.

Mas pouco importa, pelas rachas entra luz
e sempre posso espiar mundos inversos,
ver esses pingos que de mim brotaram tersos,
cada fenda a remendar com ponto em cruz.

E assim espero poder ainda ser pai
e por que não?  Refazer-me em mãe também
de almas sensíveis que meus poemas leem,

nos quais parte minhalma e a linfa vai,
já não somente a curar as minhas feridas,
mas por teus sonhos ampliar as vidas.

PALÍNDROMOS I – 13 ABRIL 2017

Quando as palavras que formam um conjunto
podem ser lidas de trás para a frente,
com o mesmo significado equivalente,
de palíndromos classificam ser o assunto.

Existe gente que desgasta o seu bestunto
a lancetar cada palavra em corte ingente;
há até mesmo um programa permanente
que cria palíndromos até para um defunto!...

O mais comum é “Roma me tem amor”,
curta frase que forjaram no passado
sem que a obra me pareça trabalhosa;

outros requerem mais um certo ardor...
tempo não tenho para nisso ser gastado:
fazer sonetos me parece mais gostoso!

PALÍNDROMOS II

Há um outro tipo que denominam “Capicua”,
um raro termo que se tirou do catalão:
“Cabeça e rabo” em inversa situação,
para um número indicar com que se atua,

podendo ser lido ao contrário nessa grua,
alguns deles a provocar superstição,
como o fez “2002”, em sua ocasião,
o fim do mundo alguns temendo como pua!

Mas “a cara rajada da jararaca”
me parece indicar melhores focos
que “Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos!”

Pedir ajuda por ter feito essa cacaca
é realmente uma expressão inexplicável,
enquanto a cara da serpente é mais palpável!

PALÍNDROMOS III

Um palíndromo é mais coisa de almanaque
ou mesmo tema para livreto de piadas;
atenção chamam esses pequenos nadas,
sem que eu tua vida diária causem baque.

Alguns nem têm noção que nos ataque,
pouco mais do que expressões desencontradas,
sem ter sentido, quando assim destemperadas,
nada mais sendo que um palíndromo de araque!

Mas para mim será de todos o melhor,
largo sentido assumindo o seu papel,
compreensível a ser de norte a sul,

dos que conheço o mais longo e superior:
“Luza Rocelina, a namorada do Manuel,
Leu na Moda da Romana: “Anil é cor azul”!...

VERDE ONDINA I – 14 ABR 17

Ela se opõe, como Lilith a Eva,
pernas abertas ao invés dos braços,
sutil sorriso a percorrer-lhe os traços,
que ao devaneio simplesmente leva.

Mas é visão de luz e não de treva,
envolta em  dobras desses verdes baços,
plena nudez sugerindo tais espaços:
mais do que exposta, que o imaginar atreva.

Em posição sem nada de hierática,
em pura oposição à Vênus clássica,
porém divina , feminilmente enfática,

sua sedução mais lembrando travessura,
tal qual se fosse uma visão fantástica
seus seios em botão de amêndoa escura!

VERDE ONDINA II

Não me recordo que ruivos cabelos
se mostrassem comuns entre os helenos;
naqueles restos de pintura, ao menos,
recuperados de seus ebúrneos selos. (*)
(*) Sinetes de marfim.

Não eram brancos das estátuas os desvelos,
porém a chuva e o vento, em seus  acenos,
extinguiram suas cores, quais venenos,
brancos agora até seus olhos belos,

vazios e cegos sugerindo sua aparência;
mas os romanos, querendo os imitar,
seus mármores  preferiram desnudar

de todo o pigmento; e a  potência
dos olhares com pupilas esculpiram,
em tal brancor de que a visão retiram.

VERDE ONDINA III

Ela recobre o ventre e seus quadris
com o glauco cortinado, talvez plástico,
num desprezar de qualquer pudor monástico;
freira não é, em suas curvas juvenis,

a despertar, em quaisquer homens viris,
não só desejo, mas sentimento elástico,
mais proteção que ânsia de algo orgiástico,
jovem a esposa em atitudes pueris,

na sugestão apenas de uma entrega
que se faça para a vida permanente,
amor ainda, em parte, brincadeira,

e a verde ondina o coração nos lega,
na transitório esbeltez irreverente,
sem que a possa conservar, por mais que o queira.

LETHARGIA I – 15 ABRIL 17

De argila e poeira é feita a tua memória;
toda recordação não é mais que apenas pó;
o que relembras remasterizaste só,
após rememorar tua antiga história;

prensada foram a caliça e toda a escória,
jungida firme em fardos de cipó,
recolocada sobre a calva, qual chinó, (*)
em falsidade inválida e sem glória.
(*) Peruca.

Já não lembras do que foi, mas da lembrança;
quanto mais virgem for a recordação,
tanto mais próxima do que te sucedeu,

mais o letargo que o interesse não alcança,
os cem retratos quotidianos, sem paixão,
em fiel imagem do que de fato aconteceu.

LETHARGIA II

Assim, a vida lembrada é um despautério,
um desperdício para a nova criação,
salvo em momentos de restauração,
muitos anos perdi com o magistério:

da multidão dos surdos sem critério,
olhos cegos a me ver, sem ilusão,
recordo apenas a mínima ocasião,
sem comprovar um resultado sério.

Pouca coisa me restou.  Alguns amigos,
que me julgavam ser bom professor
(essa escassa meia dúzia que estudava),

convicção a guardar dos dias antigos:
“Ninguém ensina; só o aluno em seu fervor
é que aprendeu, se para tanto se esforçava.”

LETHARGIA III

Dormi demais    Cerca de sete horas,
praticamente o dobro do costume;
ou couros de minhalma num curtume,
são tambores no rufar de minhas demoras.

Recordo noites ricas dos outroras,
em que minha obra se elevava ao cume
e fico agora a remoer meu azedume
destas últimas noites nos emboras,

nas quais apenas respondi correspondência,
sem reservar a mínima paciência
para o trabalho deixado em abandono,

sabendo que remorso eu sentiria
e dias inteiros após lamentaria
todo esse tempo perdido para o sono.

LETHARGIA IV

Sei que mal posso recordar dos sonhos,
em seu onírico e mortal esquecimento,
só ao despertar recordo, por momento,
qualquer mensagem ou avisos mais tristonhos;

versos deixados para trás, bisonhos,
se os recordar, já perderam o sentimento;
pois vez somente se cria o seu portento,
que ogros devoram a seguir, risonhos...

É importante erguer-se e registrar
seus termos tensos, senão os julgamentos:
quando os releio, nem recordo mais sua causa.

Qual foi o amor escondido no sonhar,
qual a importância dos padecimentos,
moinha ao vento após pequena pausa!

LETHARGIA V

E se teus sonhos esqueces num momento,
após o sol te haver o rosto acariciado,
ou qualquer obrigação se reafirmado,
que fim levaram oito horas sem assento?

É um terço de tua vida em negro acento,
só dois terços para o dia atarefado
que acabará por também ser ocultado,
nesse letargo que te rói o pensamento.

Dizem que o cérebro perpétuo é um armazém,
teus dias inteiros sendo conservados,
os sons, os cheiros, o mais simples lampejar,

mas qual memória desses sonhos que se tem,
sob as camadas dos fatos apressados
que os dias inteiros vêm aos poucos te apagar?

LETHARGIA VI

Essa a razão por que teus companheiros
que de um evento igual compartilharam,
do que recordas pouco ou nada relembraram,
tal qual se os fatos não fossem verdadeiros.

E quando insistes, em momentos derradeiros,
até lembram da ocasião em que se acharam,
porém camadas sobre os tais depositaram,
que no final desvirtuaram dias inteiros...

E até parece ser um falso testemunho,
quando eles vêm tua lembrança contrariar,
diversamente do que podes recordar,

que registraste então do próprio punho
cada detalhe, no futuro a duvidar
linha após linha do que pudeste conservar.

TEOREMA I -- 25 jan 2006

Quatorze versos possuem os sonetos,
Unidos quatro a quatro e três a três;
O tema é exposto logo nos quartetos
E nos tercetos seu final tem vez...

Mas não basta escrever quatorze versos,
Unidos pela rima, a dois e dois:
São necessários ritmos diversos
E a métrica acertar logo depois...

Todo soneto tem a grande linha,
Que une as quatro estrofes em conclave:
Um sentimento só que se avizinha

Da solidez robusta de uma trave;
E, da frágil estrutura, a campainha
Brilha feliz, pois de ouro tem a chave!...

TEOREMA II – 16 ABRIL 17

Naturalmente, ainda temos a cesura,
Pequena pausa que convida ao respirar,
Um breve corte, que mal e mal perdura,
Da estrofe o ritmo vindo a completar,

Sem nada a ver, de fato, com censura,
Essa potência de infinito contrariar,
Que se associa a ergástulo e tortura,
O proibido tão somente a ressaltar!...

Que coisa estranha que nos baste um “N”
Para a palavra dotar de outro sentido!
Uma proíbe uma peça que se encene,

Enquanto a outra, desta letra sem,
Nada mais faça que amparar o ouvido
Para melhor se entender o que nos vem!

TEOREMA III

Como “Os Quatro Demônios” se chamaram
Aos insistentes e audazes parelheiros;
Do Apocalipse os Quatro Cavaleiros,
Os infelizes a punir que os descuraram!;;;

Aqueles muitos que nas rimas só pensaram
Na formação de seus versos altaneiros,
Detidos sendo então por patrulheiros
Que suas frases imperfeitas demonstraram!...

Porque, no fundo, poesia é matemática,
Tal e qual composição de sinfonia,
Por natural que nos brote sua temática.

E desse modo, aplica-se um teorema
Na aritmética confecção desta poesia,
A frase áurea se adaptando ao lema!...

TEOREMA IV

Há quem avesso seja ao numeral,
Receio tendo da trigonometria;
Da matemática sua mente se desvia,
Pensando em arte encontrar melhor caudal,

O verso livre a parecer-lhe natural,
Sem perceber-lhe a falta de harmonia
Com a qual sua vaidade ali se enfia:
Falha o teorema para quem o entende mal!

E de igual modo, perde o verso a melodia
Nesse mercado da mediocridade:
Muito mais valem os poemas de cordel,

Cujo vigor nos traz mais energia,
Mesmo nas frases de maior ingenuidade,
Do que essas riscas espalhadas a granel!...

CASSAMYRA i – 19 fev 2006
(Sonetos Nefelibáticos, a serem interpretados como melhor lhe parecer.  Recentemente o termo encontra nova voga, mesmo em conjuntos musicais, embora com diferentes estilos).

AVÁLIA RODARIZ, SATÉLIA CARMILUNA,
NINÍSSIMA ALAZÃ, PÁLIA TINCERA,
RASSUMA NURA, RADAÇÃO DE ESGERA,
TRELÚDIA MORNA, FIRÇA VARIASSUNA...

PASSIDÉLIA ATORAL, GLOTA ANDIRUNA,
ROTÓIDE FALSIFLOR, TÚLIA MANTHERA,
TOPA TAFER, RADICULA NA ESPERA,
SANDO NEPOTAS, CANDO ME ALARUNA?...

SOVALO ESTÍACO, LESTE MEU SALINO,
DOLENTE MULTIDOR QUE ME APRSSAGA,
NEFÉLIA AZURA, NIÁGINA DE AZIAGA.

RUBATA TASCULAR, MOPRA SARDÍACA,
VANDO ME GAZ QUILER, EM TAL ARPOR CALÍACA
ANGAPALADA ARDIM EM QUELANTAR MARTINO?...

Cassamyra ii – 17 abril 17

TROPEU PERLADO, MULTIALGOZ PATERA,
RENTE QUIMERA EM RUSTIDOR PALPITO!
CÃO ZARCO ATRELO A LASCIFLOR REBRITO,
PERLEPTA GRUZINIA, PELUCIDAR FOSFERA!

GENGÍVICO PARTER DE GANGONAR INQUERA,
ARCHINGUINADO PEJO, ENTREPICADO ATRITO,
CORIOLANO TENSOR, AGRISOLADO AVITO,
ZERPONDO EM MIM A MAIS NIMIA PROCERA!

ALFIM RESUMO, QUAL DEUTERAGONISTA,
O PARSIFAL RESSUMBRO DE CADA PELARGÔNIO,
MOUCO FRAGOR DE ARCAIZANTE BISTA,

PRÓCORO NARCO DE ENGOLIDÃO PARMENAS,
FASTERA ARGOSSE NESTE PROLEGÔNIO,
RUTIL PERGULHO DE MÚLTIPLAS GANGRENAS!

CASSAMYRA III

BOSCO PROPUNDO A ASDRÚBALO TERPOR,
EUME REFINO EM PINCÉLICA DOURANÇA,
ESBATINADO EM GÚLPIDA ARROGANÇA,
QUAL DESTINEIA ARQUECÊNICA EM TRAGOR!

EMPEÇO A MULTIFLORA EM RESTRIDOR
NA PERRUÍDA E AURÍFICA AGIGÂNCIA,
FEZ DE TIMBRAZES EM ESTÍLICA TORCÂNCIA,
ANABATEIO DE CARTUNS EM PERIFLOR...

GARPINDO ALVER CALABREJADA ANGORA,
TEITA DE LUZ A ME DOLER SAFRÉM,
LORTEANDO ABORTE DE SEMISPATA ARTORA,

ENTESSE PÉRIPLA DE CRÓCIDO ENFISANTE,
BATRÁQUIO ARGUTO EM SEU FINAL TLENCÉM,
COMQUAL REQUINTE DE BÚRPURA BRAMANTE!

CASSAMYRA IV

MACRÓPIO ATISCONTADO, ESCOMBRO PARAVELHO,
RAINÚSCULO APORCADO EM SÍPIDO ACORBADO,
ATENASMENTE INFECTO, JADIL NETRIFICADO,
ALTOQUE DIGITAL DE UM RÚTILO PARELHO!...

PROTACTÍNICO ESPÓLIO EM LASSIDÃO PARTELHO.
RESPOSTO A CORPULMÃO EM FROIA DECEPADO,
TRESMAGO COMPULSOR EM ADÔNICO AFIRMADO,
GUANTE DE PANSIDÃO  EM GRISSITAL ARPELHO...

TOLHAR DE ASPIROS LORPAS, MIRÚRGIA DE CHARCURA,
MNEMÔNICO PERÓXIDO NA FRAGA DO ANTIMEDO,
OPULTA CASTIGÁVEL DA PÚLVIDA PLAUSURA,

PORTILIDADE ANDAVÉM NA PRINJAS DO NEFASTO,
NA INTENTA AGONIÇAO DE UM AZINHAVRE ALBEDO,
SOU ÓSCULO VIBRANTE DO ANTIGO ZOROASTRO!...

A poesia nefelibática é uma derivação do simbolismo, conforme o Manifesto Simbolista de Jean Maréas, publicado em Le Figaro; alguns anos depois, Jacques-Paul Marsaing publicou seu próprio Manifesto Nefelibatista, em 1883, no Mercure de France.  Muitos simbolistas o adotaram durante algum tempo, entre eles Verlaine, Baudelaire e Rimbaud e até mesmo Mallarmé, descartando a seguir o sistema de Marsaing, cujos maiores seguidores foram Villiers de Lisle-Adam e Lautréaumont; No Brasil podemos citar Luis de Borja, R. Maria, Pinheiro Chagas e Gonzaga Duque. Wittgenstein, o criador da Filosofia da Palavra, fez uma extensa análise do movimento e Lima Barreto o mencionou em seu livro Bruzundangas, embora o aplicasse aos poetas que considerava preciosistas.  Os poetas simbolistas eram acusados de “andar com a cabeça nas nuvens” e assim Marsaing cunhou o termo, a partir das palavras gregas nephele (nuvem) e batha (lugar em que se anda). Segundo seu manifesto, toda a assim-chamada "liberdade poética" estava proibida, por não passar de uma concessão acadêmica.  A poesia não deve ter qualquer significado, porque tem de ter todos os significados, não significa nada e significa tudo. O poema deve ser como uma melodia sem palavras, e a interpretação do leitor é sempre certa, para o leitor e nesse momento; dentro de meia-hora, se interpretar de maneira diferente, de novo estará certo; e a interpretação totalmente diversa do outro a seu lado, também será totalmente certa.  Assim, o essencial do nefelibatismo é o som dos versos e não seu significado.
Nos sonetos acima, não mais que um exercício literário, levo o nefelibatismo a seus últimos extremos, a exemplo de Marsaing, já que a maioria dos seus seguidores receava adotá-lo totalmente e empregava termos normais na maior parte dos versos, criando apenas alguns para exprimir um significado alternativo.

PALPOS I – 20 fev 2006

É real a carícia: tão real
Qual se estiveras agora do meu lado,
Qual se teu corpo assim manipulado
Tiveras nos meus braços feito ideal.

É real o carinho: verdadeiro,
Ressaibo na minha boca e no meu queixo,
Que a barba já pesponta em meu desleixo,
Quanto eu quisera o beijo fosse inteiro!

Não recordara os beijos, tão somente,
E o toque de teus seios, tua vagina,
Roçada de meus dedos, levemente...

Mas recordara o toque de tua pele,
No corpo e ventre todo, num desvelo
Que para amor completo me destina!

PALPOS II – 18 ABR 2017

Já mencionei o fato de que más recordações
Explodem na lembrança em clareza surpreendente,
Quando menos se espera, espasmo de repente,
Do peito a nos brotar cruéis deformações.

Porém ao mesmo tempo, milhares de emoções
Que sempre acompanharam o amor, em diferente
Formato de prazer, somente se pressente
Como vasto conjunto em mescla de ocasiões.

É raro recordar-se um só ato sexual
Que repetido foi frequente com a parceira,
De forma claramente definida e individual,

Ao revisar mil toques em carne tão sensual,
Não mais que um turbilhão da vida hospitaleira,
Nas lavas derretidas de vulcão imaterial.

PALPOS III

A gente lembra das milhares que ocorreram;
Cada uma vez, porém, feita irreal;
Nesse montante de orgasmo consensual
Fica difícil separar quantos nos vieram.

Sabe-se bem que diários transcorreram,
Mas é difícil recordar o individual,
Também se mescla esse teor espiritual,
Mal se separam as emoções que nos encheram.

Só recordar do amor de um dia tal
É realmente uma tarefa bem confusa:
Como lembrar cada sopro da procela?

Se mesmo versos de registro digital
São abafados por memória tão difusa,
Acumulados em construção singela...

PALPOS IV

Contudo os dedos de tua mão recordam
E as palmas de tuas mãos te facilitam
Os toques dessa pele em que se agitam
Os tremores e os arqueios que te abordam...

De teus seios os mamilos já se acordam
Quando tal recordação de leve irritam
A calma atual e ao desejo te concitam,
Mil antigos tricôs que a mente bordam...

Porém são emoções conjunturais
De longa série de momentos de prazer,
Correspondida em dura ou pura entrega,

Sem sequer a regressão trazer-te mais
Dos suaves palpos que se queria rever,
Salvo algum deles a que a alma mais se apega!

FAMÉLICA I – 14 MAI 80

Tateando te encontrei, na mesma e escura teia,
em que me debatia, contido num casulo
que mais firme se estreita a cada gesto e pulo
e mais me tolheria no ardor que me incendeia!...

Se então não te encontrara, exposta à mesma sanha,
de uma deusa terrível a serva revelada,
enquanto de minha deusa a farsa atribulada
pouco mais escondia que os palpos de uma aranha!

Que a parca muda e vaga, em desvelar enfática,
porvir grotesco e amargo então nos revelava,
não válvula de escape, mas fauce enigmática,

ansiosa por sugar, desfecho amargurava
do mesmo drama antigo, ao se fazer simpática:
a sugar nossa esperança na chance que nos dava!...

FAMÉLICA II – 19 ABR 17

Decerto reconheces, de modo igual que eu
que o bem e o mal se encontram em pratos da balança;
quando de um lado algum prazer te alcança,
contrabalança-o logo um mal que o sucedeu.

Enquanto as chapas do fiel oscilam sobre o teu
destino em tal momento de mudança,
pouco sujeitas aos caprichos da esperança,
que o bem recorta essa dor que apareceu. (*)
(*) As balanças mecânicas de armazém oscilavam até que duas pequenas
Chapas de metal atingiam exatamente o mesmo nível.

Contudo, vindo o mal, talvez se esperaria
que um peso igual de bem o viesse acompanhar,
sempre um consolo do desdém e da saudade.

Mas parece que essa dor muito menos pesaria
nos pratos da balança que o bem a se gozar,
o peso do teu bem sopesando a iniquidade.

FAMÉLICA III

Assim esse equilíbrio nos parece desonesto:
vê-se nas nornas uma intenção famélica,
no corte de teu fio velocidade bélica,
cada instante de alegria coberto pelo infesto.

Tal como se julgassem no prazer algo de incesto,
no orgasmo de um momento certa impiedade fálica,
a roda de tua vida em rotação esférica,
momento mais feliz a desmanchar-se presto!

Igual que essa ilusão que a vida nos preside
nos encarasse mais com intenção vampírica
e cada situação de gozo com que lide

depressa transformasse em egoístico repasto
e sobre nós mostrasse uma expressão satírica,
um juro a nos cobrar por cada instante em fausto!

FAMÉLICA IV

Existiria de fato um tal poder faminto,
que algum prazer nos dá em forma de ração
e então se locupleta com maior satisfação,
deixando só o vazio que dentro dalma sinto?

Igual que do sabor de cada vinho tinto
só nos restasse enfim a borra da ocasião
e nos menosprezasse em final eructação
como um quadro sem cor que sem pincel eu pinto!

Contudo, parca ou norna, qualquer outra entidade,
se a encararmos de frente, não nos pode dominar,
que embora nos derrubem, podemos levantar.

E assim eu tenho feito, por mais que seja a fome
do acaso singular de vasta potestade,
que torturar me pode, mas nunca me consome!

MELODIA FANTASMAGÓRICA 1 
20 ABRIL 17 

Por saber que é impossível é que creio.
Se fosse fácil de encontrar em qualquer parte,
Se não me requeresse “engenho e arte”,
Não buscaria possuir o esquivo seio

Dessa mulher que nem conheço e o meio
De encontrá-la, um dom que alfim me farte
Com seu amor de flor, gentil amor, destarte,
Que sei não murchará, igual que vai-se o alheio.

Mas aquela que eu conheço em minha visão,
Eu desconheço por razões de sentimento:
Tudo me leva a meiga musa ainda buscar,

Pois reconheço, dentro ao inquieto coração,
Algures ser possível ser meu o encantamento
Que pela vida inteira busquei um dia achar.

MELODIA FANTASMAGÓRICA 2

Já nem me importa possuir o seu amor,
Caso seu corpo conservar junto de mim,
Desde que minta, diariamente, assim,
Tal sentimento em primordial fervor.

Que ela percorra as posições do amor
E que pretenda gostar mesmo de mim,
Meus próprios gostos a partilhar assim,
No mais sincero fingimento de fervor.

Anos demais aguardei por tal amor
E se o futuro me prosseguir assim,
Receberei sua falsidade com fervor, (*)
(*) Aqui deliberei repetição de rimas.

Desde que tenha a meu lado seu calor,
Mais a promessa de manter-se junto a mim
Até que chegue o meu final torpor.

MELODIA FANTASMATÓRICA 3

Mas caso seja impossível tal amor
Feito de alma, mas só de puro sexo,
Ainda desejo o fantasma desse amplexo,
Tarot singelo de místico fragor.

Que me demonstre em vida tal favor
E que pretenda ter do amor o nexo,
Por mais que seja o seu mentir complexo,
E que a alheio íncubo destine o seu fervor.

Ainda busco o irreal encantamento
E aceitá-lo poderei, qual fragmento
Tão somente de um onírico esplendor;

Mas que o recorde apenas um momento,
Ao despertar, antes que sopre o vento
E me roube essa lembrança sem pudor. 

MELODIA FANTASMATÓRICA 4

Pois que me importa que sonho seja apenas,
Se afinal, por toda a vida tal sonhei?
Já se esvaindo enquanto devaneei
Toda lembrança das fantasmas dessas cenas.

Amor me trazem apenas em verbenas,
Que nesta vida real não desfrutei,
Cem braços houve em que amor gozei,
Mas não o amor imortal de antigas penas.

Pois que seja tal amor só fantasia,
Plena minha vida de fantasmagoria,
Nunca esse amor alcançado em plenitude,

A alma ainda a suspirar, vazia,
Pelos fiapos de amor que a vida ilude,
Na solidão voraz de minha poesia!...

MELODIA FANTASMAGÓRICA 5

Porém não creio que as ninfas com que sonho
Sejam de fato lâmias, demônias disfarçadas;
Talvez sequer existam, apenas esboçadas
Pelo rubor onírico que em cada imagem ponho.

E quando beijos de amor em tais bocas deponho,
Nessa ânsia fugaz em que prendem-me, abraçadas,
São fruto de mim mesmo em desejos colocadas,
Memória imperceptível em novo ideal componho.

Contudo, não recordo de qualquer conversação:
Semblante me aparece, perfeito de atração,
E sem impedimento, estende-me seus braços;

Porém bem mais queria que do sexor a ação;
Não apenas me fundir no sonho de seus traços,
Porém seus sentimentos partilhar em profusão...

MELODIA FANTASMAGÓRICA 6

As ninfas de meus sonhos são deusas sempre mudas,
De mármore e marfim, em carne de ilusão;
Não compartilho a sina do infeliz Pigmalião,
Gravando para si amor em pedras rudas,

Na formosura sem par de perfeições desnudas,
Sem nelas encontrar a final aceitação;
Pois acho em minhas fantasmas perfeita volição
De dar-me seu amor nas mais sexuais permutas.

Porém, honestamente, queria muito mais,
Alguém com quem pudesse me abrir inteiramente,
Capaz de responder em idêntica linguagem;

Que assim compartilhassem tais fadas imortais,
Mesmo que apenas fosse em hipnagógico presente,
Comigo a desenharem idêntica miragem!...

REBATE I – 22 abr 1980

Se algo escreves de hoje --- vem, donzela!
Que seja algo de amor --- donzela, vem!
Que seja de esplendor --- em ti também.
Que o coração te aloje --- em clara vela.

Se algo escreves de ontem --- vem, senhora!
Que seja algo de claro --- amor recente;
Que seja do reparo --- (indiferente)
Que ao coração te apontem --- sem demora!

Escrito neste agora --- um desatino!
Uma visão de outrora --- mau destino!
Escrito neste caso --- (um bem seguro),

Uma visão do ocaso --- meu futuro...
Escrita multifária --- tão inglória...
Em hora solitária --- tua vitória!...

CALLIOPE I – 19 fevereiro 2006

What does a muse make?  A passing look,
A smell, a sight, a sigh, a taste never tasted,
A touch never felt, a kiss always forsook,
A waiving of hair, a nose, a chance wasted.

Never again to have, a laugh, a half-promise,
Never a promise to be, a sound, a half-embrace,
Never a hug to hold, a smile, a wrong surmise,
A dream fulfilled in sleep, though lost in very face.

A shadow, never more, the lack of substance,
A fool's hope, a yearning, desire in satisfaction
Never to be accomplished, the gift of a glance,

A couple lines let out, as soon as taken back,
A sorrow, a sad grin, a glint in eyes, an action
Scarcely fulfilled by fate naughty and black.                     
 
PUNIÇÃO I –  03 jul 1979

Meu rosto eu vi de jade, ao fundo de um espelho,
Meu rosto deformado, mutável, transformado
Em rosto desumano, assim transmogrifado
Ao toque de teus dedos, num refletir parelho

De quanto nos meus olhos houvesses percebido:
Embora o cortem fora, meu coração de velho,
Manhoso feiticeiro, ao toque de teu joelho,
Antigas emoções quisera ter sentido...

Pois esse meu olhar, às vezes de ternura,
Por vezes de tristeza, ou de expressão tão pura,
Oculta o abominável demônio do desejo,

Que tão bem retrataste, nas linhas de teu rosto,
Nessa intuição latente, mostrando o teu desgosto
De que, sem nunca amar-me, ansiasses por meu beijo.

BIGORNA I – 07 jul 1979

Existe uma mulher tão dadivosa,
Capaz de compreender meu desatino
E de interpor-se aos golpes do destino,
Escudando-me em beijos, prestimosa;

Ou talvez não compreenda, mas me ame,
E por amar compreenda, sem que entenda,
Ou por amar entenda e não compreenda,
Mas para o amor de novo me reclame,

Deixando assim, nessa ilusão nascente,
De amor no gozo vago e imaterial,
A bênção/maldição de um ser sensual.

Seu corpo me alivia diariamente;
E nesta minha derrama tão frequente,
Eu pingo nela gotas de metal!...
DESAFIO I – 02 set 1979

EU QUERO TE POSSUIR POR VEZ PRIMEIRA
ABERTAMENTE E AO SOM DE UM VIOLÃO;
ALGUÉM QUE TOQUE COM INSPIRAÇÃO
DAS MÚSICAS QUE FIZ A DERRADEIRA.

QUE QUANDO EU TE POSSUA TODA INTEIRA,
EXISTA AO NOSSO LADO ALGUÉM QUE TOQUE,
QUE VEJA O NOSSO AMOR E NÃO SE CHOQUE,
NEM ZOMBE DE PAIXÃO TÃO VERDADEIRA.

ALGUÉM QUE SINTA SEMELHANTE ANELO,
QUE POSSA PARTILHAR DO TÃO SINGELO
ARDOR QUE ATINGE O HOMEM E A MULHER,

SEM FALSA CONVENÇÃO, SEM TER VERGONHA,
QUE POSSA COMPREENDER QUANTO SE SONHA,
NA AURORA DE POSSUIR A QUEM SE QUER!...
  
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog:
www.wltradutorepoeta.blogspot.com
Recanto das Letras > Autores > William Lagos